7 de fevereiro de 2019

At Eternity's Gate e Destroyer.


   Um dia, dois filmes. E que filmes. At Eternity's Gate é uma intromissão despudorada na vida e na mente de um dos maiores génios criativos do século XIX. Neste filme, os planos é que o tornam verdadeiramente especial. Seguimos, quase como se fôssemos parasitas presos ao corpo, as caminhadas de Van Gogh. Vemos o mundo pelos seus olhos, e os seus olhos eram especiais. Dotado de uma sensibilidade extrema, Van Gogh, como o próprio bem o sabia, nascera fora do seu tempo. Não teve, em vida, o reconhecimento que só teria após a morte, décadas após a morte. Dedicando tempo e atenção sobretudo à Natureza, Van Gogh esculpia quadros, a bem dizer, porque em algumas das suas obras não hesitou em criar relevos. Adepto da pintura rápida, defendia que o pintor tinha de passar para a tela o que via e sentia, sem se demorar. Um génio.

  Teve uma paixão, que não sabemos nunca muito bem se homoerótica ou não, com Paul Gauguin, que, aliás, estaria na origem do acidente com a orelha. Van Gogh tinha visões. Hoje, provavelmente, diagnosticar-lhe-iam esquizofrenia.



  Willem Dafoe foi sublime na recriação daquele homem de vista esfumada, enevoada, que se compara a Deus perante Pilatos, afinal, também ele sabia que se comprometeria com tudo o que dissesse, e que o seu destino não estava nas suas mãos. Chegamos ao fim com a sensação de que o mundo é terrivelmente injusto com os grandes. É difícil ser-se especial no meio da trivialidade. 

   A fotografia é excelente também. Somos convidados a conhecer as paisagens que o inspiraram. A mergulhar na sua existência miserável, internado sucessivamente e tratado como louco, só podendo contar com as visitas ocasionais de um irmão cujo único talento era o de revender obras por outros pintadas. Vítima de ataques sucessivos dos que coabitavam de perto consigo. Um incompreendido.


   Destroyer é um estória de amor, no fundo, em torno de um argumento policial de vingança e de caça ao bandido. Percebemos que o que subjaz ao interesse daquela mulher polícia, durona, impenetrável, é vingar a morte do pai da sua filha, que perdeu após um golpe mal planeado. Nicole Kidman, e daí a nomeação para a estatueta de melhor actriz nos Globos de Ouro, tem aqui um grande papel. A caracterização ajuda, de facto, porque, em retrospectiva, vamos vendo cenas que contextualizam a acção; temos, assim, todos aqueles actores numa versão de há dezassete anos e numa que seria a actual, bem mais velhos. Kidman é Erin Bell, uma mulher cansada, que quase se arrasta, movida pela vingança e pelas tentativas mal-sucedidas de ajudar uma filha que foi, também ela, vítima dos seus pecados: um passado de ausências, de droga e de álcool, que se repercutem também no presente. Há cenas, nomeadamente uma de pancadaria, em que torcemos para que Bell se recomponha e retalie, porque, de facto, acreditamos na sua missão. Aquela mulher, pela sua fragilidade, ao mesmo tempo que cheia de fúria, dá-nos pena.



    O pormenor talvez mais interessante deste filme é que há papéis que geralmente atribuímos apenas a homens. A Bell, só vemos chorar pela filha, quando lhe dizem, para a magoar, que jamais será amada por ela. A cena final é de extrema emotividade. Talvez aquela adolescente venha, um dia, a reconhecer que, pese embora todos os erros, foi amada por uma mulher sofrida.

   Como referi acima, os dois pontos altos do filme são a interpretação de Kidman, que injustamente não foi nomeada para o Oscar de Melhor Actriz, e a caracterização. A maquilhagem, ou maquiagem, no Brasil, faz verdadeiros milagres. O resto é talento puro.

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