8 de outubro de 2018

Dos julgamentos sumários e das eleições brasileiras.


   Vinha trazer-vos apenas um assunto, mas impõe-se, por uma questão de celeridade e de economia de tempo e de espaço, que o trate, com outro, num único post, até porque estamos perante temas actualíssimos, o último com escassos minutos e com reflexos e desenvolvimentos pelas próximas semanas.

   Começando pelo primeiro. Soubemos, há dias, de mais um escândalo a envolver Cristiano Ronaldo. Só que desta vez não houve o tradicional assédio à sua vida amorosa, luxos, carreira e família. Houve, isso sim, uma acusação, nos EUA, por parte de uma moça, uma moça que lhe imputa factos graves, muito graves, envolvendo um alegado abuso sexual. Li que o acusam de mais crimes, não sabendo ao certo de quantos e de quais. Este, pelo visto, é o mais impactante, o que tem suscitado mais reacções, sobretudo na imprensa.

  Ronaldo está a ser vítima do mesmo mal que aflige Sócrates - e atenção que não simpatizo com nenhum dos dois: os julgamentos sumários e as condenações em praça pública. Antes mesmo de os inquéritos chegarem ao fim - e, quanto a Ronaldo, teremos trâmites diferentes, da justiça norte-americana - e antes mesmo de haver qualquer acusação formal e julgamento, já há uma condenação com sentença lida: culpados. A colectividade não se preocupa em saber se os pressupostos de uma defesa justa e equitativa estão assegurados. Ainda menos lhe importa respeitar o princípio da presunção de inocência, pedra basilar de qualquer Estado de Direito. Os jornais e as redes sociais, aos quais há a acrescer as estações de televisão sensacionalistas, apuram, decidem e condenam. É esta a justiça que temos, uma justiça de alcoviteiros e juízes de bancada, que se escudam no anonimato e que destroem vidas e carreiras.

   No caso de Ronaldo, em concreto, o jogador teve duplo azar: está a ser acusado de abuso sexual de uma mulher. Isto significa, nos dias que correm, ser-se culpado. Surgiu logo um movimento, com hashtags, amparado no feminismo mais inconsequente, a apoiar a pobre coitada que terá sido abusada há nove anos e que só agora veio falar.
   Não, parece que não será a senhora a ter de provar a culpa de Ronaldo; é Ronaldo quem terá de provar a sua inocência. Inverteu-se o ónus da prova, numa claríssima subversão do sistema de garantias processuais. A justiça deixou de ser um monopólio do Estado, a ter lugar nos órgãos judiciários competentes. Aplicá-la passou a ser da competência da Comunicação Social e das redes sociais, que definem vítimas e culpados.


   As eleições brasileiras ocuparão o que resta da publicação. Como sabem, há uns meses declarei o meu apoio a Bolsonaro. Encaro-o, como venho dizendo, como um mal menor. Olhando para o leque de candidatos, para o que apresentam e para a esquerda brasileira, no geral, que é odiosa, Bolsonaro parece-me o menos mau. Compartilho de muitas das suas opiniões: também eu defendo certa moralização da sociedade, uma polícia mais forte e mais presente, o fim da doutrinação nas escolas, uma maior abertura da economia, livre das amarras do Estado, que é um péssimo gestor, accionista e empresário. Encontrarão, se quiserem, mais desenvolvimentos aqui. Para não me repetir, digo-vos só que fiquei agradavelmente surpreso com os 46 % que o candidato do PSL obteve. Tiramos, daqui, algumas ilações. Os brasileiros estão cansados do PT, por um lado, e da esquerda brasileira, no seu conjunto. Fernando Haddad, principal opositor de Bolsonaro e correligionário de Lula da Silva, não conseguiu inverter a tendência. Bolsonaro roubou votos aos descontentes. Os desaires do PT nos anos recentes, os escândalos com Lula e as decepções com Dilma semearam, no povo brasileiro, um desejo inequívoco de mudança. Bolsonaro, inteligente, soube capitalizar o descontentamento em proveito próprio. A radicalização é-lhe favorável. Não ganhou com maioria absoluta por mui pouco, e disputará, no próximo dia 28, a segunda volta, que no Brasil chamam de turno. Atendendo ao que se verifica e ao percentual que afasta Bolsonaro de Haddad, eu diria que a vitória de Bolsonaro é quase certa. A campanha ad terrorem também surtiu um efeito contrário: apelidar Bolsonaro de fascista é desconsiderar uma doutrina política que tem características próprias. Essa tendência da esquerda, de rotular de fascista tudo o que lhe é contrário, vai ao limite do complexo. Bolsonaro não é fascista. É um militar, algo autoritário, com um sentido de justiça apurado e com uma vontade de pôr cobro àquilo que considera, e no qual eu o acompanho, uma crise de valores. Assistimo-la no Brasil e também pela Europa. Depois, tem propostas interessantes na área da educação. Gostei de ler, entre elas, o fim da politização da História - o que a nós, portugueses, seria favorável - e uma maior aposta no Português e nas ciências exactas. Quanto ao Português, sobretudo, agradece-se: dizer-se que os brasileiros escrevem e falam mal chega a ser uma simpatia.

   Em jeito de curiosidade, os brasileiros residentes em Lisboa votaram na minha faculdade, hoje, que estava cheia de cidadãos do país irmão. Ouvi gritos de ordem por parte de alguns manifestantes, estando na sala de estudo. Posso, então, dizer que vivi de perto o acto eleitoral, que não terminou. Haddad e Bolsonaro medirão forças para o confronto final. Um dos dois liderará o Brasil, e terá muito trabalho pela frente.

18 comentários:

  1. Mark, por mais que tente não consigo concordar contigo.
    Respeito a tua opinião e creio que tens motivos bem fundamentados para a mesma, mas entendo que no nosso âmago somos pessoas bem diferentes (nem melhores, nem piores).
    O que me preocupa no caso do Brasil era o que me preocupava no caso dos Estados Unidos: as minorias. Apenas e só. Um candidato que as ameaça de tal forma assusta-me, não só porque eu (tal como tu) fazemos parte de uma, mas também porque são direitos humanos que estão em jogo.
    Um abraço e espero ler a tua opinião. :)

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    1. Pois, lá está. A mim há mais que preocupe do que as minorias, porque a orientação sexual não é tudo. Bolsonaro é o candidato que melhor assegura a segurança, a ordem e a estabilidade.

      Bolsonaro não é contra as minorias. No que respeita aos gays, que é o que te aflige, ele opõe-se sim à propaganda LGBT nas escolas. Defende a família tradicional. Ainda que haja outras realidades, a família tradicional é e será sempre a família original, e é a mais atacada pelo estado. Ninguém irá colocar espiões atrás dos homossexuais a ver o que andam a fazer com o corpo. Cada um faz o que quer dele.

      Um abraço.

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    2. 1-"Bolsonaro é o candidato que melhor assegura a segurança, a ordem e a estabilidade." O que o candidato fez pela segurança do Rj durante os 27 anos que ele foi congressista pelo estado?
      2-"No que respeita aos gays, que é o que te aflige, ele opõe-se sim à propaganda LGBT nas escolas" O que é propaganda gay? Dizer que existe famíla com pai e mae, dois pais e duas mães?
      3-"Bolsonaro não é contra as minorias" Já viu um discurso dele, com as opiniões dele? Já viu vídeo dos intolerantes metro de SP?


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    3. Kyle, ainda bem que Bolsonaro não é unanimidade nem aqui e nem aí. E ele é muito parecido com Trump mesmo, ganha votos na base da mentira!
      Nick

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    4. 1) Ele foi congressista. Apenas. Um congressista, sozinho, pode mui pouco;

      2) Sim, a propaganda é isso e mais. Mas é um bom exemplo;

      3) Já, já vi. Mas também já vi vídeos onde ele refere expressamente que pouco se importa com o que cada um faz com o seu corpo;

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  2. O Capitão não me representa mas não temos outra opção ... Capitão neles é o mal menor. O melhor de tudo foi a limpeza geral que as urnas promoveram no legislativo. Algo sem precedentes e impressionante.

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    1. É exactamente assim que penso. O leque de opções é tão má que Bolsonaro é o melhorzinho.

      Pois é, esqueci-me de fazer uma menção ao legislativo, onde a derrota da esquerda foi estrondosa.

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    2. "O leque de opções é tão má que Bolsonaro é o melhorzinho" O Haddad como prefeito de sp em 4 anos fez muito mais que Bolsonaro em 27 anos de parlamentar!

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    3. Hadda representa uma continuidade que os brasileiros demonstraram não querer.

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    4. Errata: o leque de opções é tão mau *

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  3. Reafirmo que não gostaria de ter Bolsonaro à frente de um país onde vivesse, mas também não consigo ver substituto à altura, tal como afirmou naquilo que postou.
    Mas quem sou eu para fazer tais afirmações, que não vivo no Brasil, nem espero nunca ali viver (a vida dá tanta volta, que não gosto de fazer tais afirmações de forma peremptória).
    Se as coisas ficarem pior significará que o êxodo dos brasileiros, que é descomunal (encontro brasileiros onde quer que me movimente na Europa, e é porque não costumo viajar para outros continentes!), continuará a aumentar no futuro próximo.

    Por outro lado, tivemos a nódoa degradante do Cavaco à frente dos nossos destinos por várias vezes, seguramente, Bolsonaro não será pior!!!! Bem, seria difícil ser pior.
    Sei que o regime político no Brasil é completamente diferente, mas pessoas más são más em qualquer situação, e péssimas na condução de um país.

    Não me alongarei em relação ao jogador português, é alguém que me é completamente indiferente, e os problemas dele, terá ele mesmo de os resolver, claro!
    No entanto percebo que o problema não tem nada que ver com o ser ou não culpado, mas sim com a afirmação da sua culpa antes mesmo de ser julgado num tribunal, ou já o será acompanhado de uma campanha de difamação enorme, o que impedirá qualquer neutralidade nos veredictos.
    Mas com o seu poder económico não creio que venha a ter qualquer problema com os tribunais, nem mesmo com os do céu - peço desculpa pela ironia, pelo meu agnosticismo e má disposição, mas fico farto que todas as notícias, desde há anos, revolvam em torno de figuras de "opereta saloia" como esta. Que raio de país é aquele em que todas as notícias importantes, mesmo abrindo telejornais, se prendam com pessoas quejandas.
    Já considero absolutamente ridículo dar-lhe o nome ao aeroporto internacional da Madeira!!!! Difícil ser pior! Repare na ironia caso o nome do aeroporto - internacional, por sinal - esteja relacionado com um personagem conhecido e acusado como um delinquente de índole sexual!!!!!!!

    Continuação de bons dias de trabalho
    Manel

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    1. Olá, Manel.

      Agora que já passámos as primárias, entre Bolsonaro e Haddad é que não vejo mesmo como possível deixar de apoiar Bolsonaro. O PT é a pior opção para os interesses dos portugueses no Brasil. E, de certa forma, enterrou os brasileiros nestes anos. A esquerda, toda ela, dá cabo de um país.

      Nem eu gostaria de viver no Brasil. É um país que, à conta da violência, não me seduz. Aliás, não nutro grande simpatia pelos brasileiros. De tanto ódio que nos têm - com a ressalva dos milhões que nos amam - passou a ser, desde o prisma dos afectos, um país sentimentalmente indiferente. É apenas um país de língua portuguesa que respeito.

      Ronaldo era, e é, um deus para os portugueses. Entretanto, como ouvi em Manuela Moura Guedes, o deus tem "pés de barro". As pessoas apercebem-se de que é um menino que o dinheiro mimou demasiado. E nem falo deste caso, porque, lá está, a justiça faz-se nos tribunais.

      É, nós temos mau gosto com o nome dos aeroportos. O do Porto carrega o nome de alguém que morreu… num acidente de aviação. (risos)

      Desde sempre me opus à "homenagem em vida". Se se demonstrar que procede aquilo de que o acusam, espero que tenham o bom senso de lhe mudar o nome.

      Obrigado, Manel.
      Cumprimentos.

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  4. Já dizia o meu avô aos netos: Vão as putas e não tenham amantes... Sairá muito mais barato... 9 ano depois ela acordou e lembrou-se que tinha sido violada... o dinheiro acabou... lololol Até está casada e bem casada mas sem money lololol

    Quanto ao Brasil, ;) acho que sou fascista ;)

    Abraço amigo

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    1. Mesmo assim, segundo ouvi, o Ronaldo reconheceu que esteve lá no quarto com ela e que ela não quis. Bom, isto não foi uma defesa de Ronaldo; foi uma defesa de um futuro provável arguido que já está condenado, se é que me entendes.

      um abraço.

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  5. "o fim da doutrinação nas escolas" O que é doutrinação? Não ter história, filosofia e sociologia na grade curricular? Se for é o fim do pensamento crítico, o mesmo pensamento que me permite ver que o Bolsonaro diz que é novo na política mas está há 27 anos no congresso e que fala que vai fazer mas até hoje sobreviveu das tetas do governo, está na lista de furnas e que só fala fala MAS não faz e nunca fez. "Gostei de ler, entre elas, o fim da politização da História - o que a nós, portugueses, seria favorável" O que seria politização da história? Dizer que Portugal foi nosso colonizador e dizer o que aconteceu? (Se a história não é favorável a Portugal a culpa não é da história e sim do que Portugal fez). O fim da politização que está levando Bolsonaro a ganhar e o PT contribuiu para a despolitização da sociedade. Eu, mesmo tendo críticas a Portugal, portugueses e a história de Portugal e Brasil, também sei elogiar os aspectos positivos de nossa relação e respeito muito vocês e vejo que temos muito que aprender uns com os outros.
    Nick

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    1. A doutrinação é ensinar-se que o Brasil, coitadinho, foi invadido, roubado, que os portugueses foram monstros maus, que os europeus são demónios. Tudo o que o PT fez nos anos em que esteve no poder.

      Não é a História que não é favorável a Portugal. É o veneno que põem nela. Portugal ergueu o Brasil. Quando chegámos a esse território, havia tribos que viviam na Idade da Pedra. Repito, na Idade da Pedra. Quando saímos, deixámos um Reino pujante. Está tudo dito. Os factos falam por si.

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    2. Vou te mandar pelo e-mail asaventurasdemark@hotmail.com
      fotos de um livro de história de 2006, ou seja, três anos após o Lula e o PT ganharem a eleição. Me mostre por favor onde está escrito que " o Brasil, coitadinho, foi invadido, roubado, que os portugueses foram monstros maus, que os europeus são demónios. " Esse movimento de Bolsonaro de negar a história está afetando os professores de história de darem aulas, pois pra Bolsonaro não existiu ditadura no Brasil, então deve ser verdade!
      Nick

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    3. Assim que possa, verei o que me enviou.

      Em todo o caso, posso-lhe já dizer que sim, que a esquerda brasileira propaga mitos e mentiras sobre nós. A maior parte do ouro extraído foi investido aí mesmo, no Brasil. E mesmo que o fosse fora daí: era nosso. O Brasil era nosso. Tínhamos direito, por Tordesilhas, a uma pequena parte e deixámos um país enorme. Chegámos com índios na Idade da Pedra e deixámos um reino, que viria a ser império, pujante.

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