17 de setembro de 2018

Buddies (1985) & Books.


   Tive, ontem, o meu terceiro dia de Queer 22, com um filme-documentário que julgava, sou-vos sincero, mais forte do ponto de vista visual. Totalmente restaurado, é de 1985, e mostra-nos o modo com que Nova Iorque e o mundo lidavam com uma epidemia ainda desconhecida. O HIV havia sido isolado um ano antes, em 1984, mas só haveria de ser assim designado um ano depois, em 1986. Os doentes eram despejados, que é o termo exacto, em camas de hospital, sujeitos a medidas que, nos dias que correm, nos parecem bizarras e totalmente desnecessárias. Por cá, dois anos antes, em 1983, António Variações partia. Foi o primeiro caso documentado de HIV em Portugal. Diz-se dele que foi enterrado a vários metros de profundidade, em caixão selado.

   A verdade é que pouco se sabia. Buddies é passado, quase todo, num quarto de hospital, quando David Bennett, um jovem de 25 anos, se voluntaria a acompanhar um doente terminal de SIDA, Robert Willow. David tem namorado, uma vida estável, uma família que, surpreendentemente para a época, o apoia; David, por seu lado, foi abandonado por todos, desde família, a amigos, a namorado. Entre eles, lentamente, estabelece-se uma relação que vai além da de voluntário-doente. David começa a sentir-se atraído por Robert, e vice-versa. Encontram-se, David vai tirando as suas notas, julgando vir a publicá-las (o que vem a suceder, de facto, com a devida autorização de Robert).



  Realizado por Arthur Bressan Jr., que, ele mesmo, vem a falecer devido a complicações relacionadas à SIDA, em 1987, presumo que se tenha querido evitar chocar os norte-americanos com uma caracterização mais realística dos efeitos do vírus no organismo. Vemos, em Robert, o sarcoma de Kaposi, é verdade, todavia esperava por algo que me deixasse mais perturbado, no ano que em falecia Rock Hudson - a primeira grande estrela a morrer de SIDA -, amigo da família Reagan, levando a que o Presidente dos EUA pusesse cobro ao ruidoso silêncio e proclamasse, à América e ao mundo, que a luta contra o HIV / SIDA era um imperativo nacional. Simultaneamente, Robert, aqui no filme, morria em 1985, deixando David desolado, pois finalmente havia percebido que se tinha deixado apaixonar. As notas saem, são publicadas, e pela primeira vez surge algo na imprensa escrita que não condena os homossexuais e a homossexualidade - previamente, Robert e David chegaram a indispor-se quando David mostrou a Robert certos escritos que demonstravam o que a sociedade americana pensava (e continuou a pensar…) sobre a relação HIV - Homossexualidade, com todos os preconceitos inerentes. Como Robert afirmou, a determinado momento, as pessoas julgam que Deus tem os seus preconceitos.

   O filme tem um enorme interesse porque vemos o que mudou nestes trinta e dois anos. Já ninguém veste fatos especiais para visitar doentes terminais de HIV, primordialmente por dois grandes motivos: sabemos as formas de transmissão do vírus e deixámos de ter doentes terminais de HIV. Os seropositivos levam, hoje, vidas completamente normais, com a carga viral indetectável e com uma sexualidade prazerosa e feliz. O HIV continua a trazer complicações, claro que sim, e é de se esperar que os efeitos da infecção sejam vários e penosos, contudo deixou de representar, como nos dias de Robert, uma sentença de morte. Robert acabou, como a esmagadora maioria, por sucumbir a uma pneumonia.

   Gostei muito da interpretação de Geoff Edholm, que encarnava o Robert. Estava lá tudo: a audácia, a esperança, o brilho no olhar, o desejo (inclusive sexual). Mas também a mágoa, a incerteza, o medo. É um grande filme sobre um vírus maldito que tantas vidas ceifou, e no seu início, tal como no fim, os nomes dos rapazes que faleceram são-nos apresentados um por um, desde 1981 até 1985.


   Uma palavra para dois livros que comprei, ontem, antes do filme. Com amor, Simon e Chama-me Pelo Teu Nome, que já tenho em inglês, este último, mas que quis adquirir também em português. Como gostei de ambos os filmes (podem ler as críticas ao Call Me By Your Name e ao Love, Simon), quero ter a perspectiva da narrativa, que não raras vezes difere. E sim, também os comprei porque os vi por aí noutro blogger. Não sabia que já haviam traduzido o CMBYN para português. Veio mesmo a calhar. É, quando vejo algo noutros, que quero, não desisto enquanto não compro para mim. Há quem lhe chame inveja.



    Para terminar, amanhã há mais Queer. Até lá.

6 comentários:

  1. Suas sinopses são sempre fantásticas. Sabe valorizar a arte e despertar o interesse por elas.

    ResponderEliminar
  2. Um período complicado para os gays ;)

    abraço amigo

    ResponderEliminar
  3. Ainda ando por aqui. Apesar de discordâncias políticas, adoro sua escrita!

    ResponderEliminar