23 de outubro de 2016

O Estado Pontifício e o Papado.


   Pelos séculos da Idade Média, o Estado Pontifício conseguiu ampliar persistentemente as suas fronteiras, enquanto potência territorial, particularmente com o Papa Inocêncio III (1198 - 1216), por meio das designadas "recuperações", logrando apoderar-se de territórios na Toscana, do ducado de Espoleto e da marca de Ancona. As investidas papais, no seguimento da queda dos Hohenstaufen, visando expandirem o seu poder a toda a península itálica do norte, saíram goradas, uma vez que as cidades daquele espaço geográfico souberam defender arduamente a sua soberania.

    Com o Papa Bonifácio III (1294 - 1303), ascendeu ao pontificado alguém oriundo da velha e prestigiosa família aristocrática dos Gaetani e que, na esteira dos seus predecessores, tratou de impor com determinação, ambição e pragmatismo a autoridade do Papa. A bula Unam Sanctam, promulgada por Bonifácio em 1302, evidenciava expressamente a sua intenção de que o papado exercesse um papel influente. Simultaneamente, numa atitude hostil à França, manifestou a sua oposição às pretensões hegemónicas do imperador, que, como em voga naqueles tempos, deveria estar subordinado ao poder da Igreja. Entretanto, não muito tempo depois, este Sumo Pontífice passaria pela humilhação de ser aprisionado em Anagni pelo chanceler francês. A intolerável pressão francesa forçaria, mais tarde, o seu sucessor, Clemente V (1305 - 1314), a transferir - no célebre episódio histórico - a residência papal para Avinhão, no sul de França. Esta subjugação duraria por perto de setenta anos, durante os quais os papas estiveram submetidos à autoridade do monarca francês. Roma, no seguimento dessa transferência, tornou-se uma cidade provincial, em que os habitantes procuraram incessantemente afastar o vil jugo da nobreza, embora todas as tentativas de instalarem um governo republicano tivessem fracassado. Em 1312, verificou-se a insurreição da cidade opondo-se à coroação de Henrique VII; as diversas famílias rivais da nobreza haviam ocupado os locais estratégicos de Roma, posto que Henrique não conseguiu deslocar-se do Palácio de Latrão até à Basílica de São Pedro. Desse modo, em virtude das contendas que opunham as várias facções, a cerimónia da coroação ocorreu em Latrão. Menos bem sucedido foi Luís da Baviera, sucessor de Henrique VII, conquanto a sua coroação em Roma tivesse decorrido com grandes celebrações, graças ao senador romano Sciarra Colonna, representando o povo romano. O acto, claramente provocatório ao papa, não obstou a que os romanos, ainda que adulados, obrigassem o imperador a fugir poucas semanas transcorridas, retirando-se da cidade. Roma submeter-se-ia ao papa, mas os tumultos não abrandariam.

    Por meados do século XIV, o orgulho romano renasceu, quando Cola di Rienzo, de origens modestas, promoveu, em Maio de 1347, uma sublevação como "tribuno do povo romano". Nesta revolução, determinou a expulsão da cidade, munido de suporte popular, de todos os clãs da aristocracia. Mau grado o seu espírito destemido, Cola di Rienzo estava muito à frente dos seus contemporâneos em visão política, mirando para lá do horizonte egoísta dos regionalismos, pois propugnava por uma Itália unificada - o que só assistiríamos no século XIX, quatrocentos anos depois. Petrarca, poeta, igual defensor de uma identidade nacional italiana, reconheceu em Cola di Rienzo uma inspiração aos seus ideais, endereçando-lhe a expressão do seu reconhecimento.

     Porém, todos os projectos de instituição de um parlamento legislativo para toda a Itália, devendo reunir-se em Roma, não passaram de uma utopia. Os títulos outorgados a Cola di Rienzo de pouco adiantaram. Viu-se obrigado a fugir. Regressaria em 1354, com o apoio do papa, perecendo assassinado numa infeliz conjura popular. Apenas o cardeal espanhol Gil Álvarez Carrillo de Albornoz, legado pontifício, conseguiu, com punho firme, restabelecer a ordem nos Estados da Igreja, o que, ainda assim, não passou de um mero interregno. Em 1377, Gregório VII veio de Avinhão e os papas tornaram a Roma; mas, durante o período do cisma, não foram capazes de se impor nem aos barões e nem às cidades do norte do Estado Pontifício. Tão-só com Martinho V é que Roma, a partir de 1417, recupera a tranquilidade e a ordem necessárias. A cidade assistiu à drástica diminuição da sua população nos decénios de instabilidade, regenerando-se lentamente à medida em que encetava certa ascensão que lhe granjearia prestígio.

12 comentários:

  1. Já aprendi algo hoje :)

    Abraço amigo

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    1. Já há muito tempo que não escrevia um artigo histórico, e ando há anos para dedicar "umas palavras" ao cisma de Avinhão.

      um abraço, e obrigado. :)

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  2. Seu embasamento histórico é admirável e sua escrita didática torna tudo de uma clareza impensável.

    Parabéns ...

    Beijão

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    1. Muitíssimo obrigado pelas suas gentis palavras, caro amigo. Fico feliz por ter gostado. :)

      um abraço grande desde Lisboa.

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  3. Mark é sinal que estás empenhado no teu "projecto"?

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    1. Agora 'apanhei do ar'... Que projecto? :)

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    2. Oh, desculpa-me. A minha intuição nem sempre está em altas.
      Quanto à resposta, nem por isso. :)

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  4. Oi Mark, tudo bom?

    Amei a sua dissertação. É bom regressar e dar de caras com o velho Mark das histórias, hehe :)

    Abraços!

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    1. Olá, Ty! Há quanto tempo! Já havia dado pela sua ausência!

      Espero que apareça mais vezes. Embora seja um contacto virtual, vamo-nos acostumando às pessoas.

      um abraço grande!

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  5. Muito bom o teu texto! Eu também pouco ou nada sei sobre este tema e foi bom aprender mais um pouquinho!

    Abraço :3

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