A maioria parlamentar, expressando a vontade dos eleitores, iniciou funções discutindo matérias fracturantes, que não reúnem o consenso na sociedade portuguesa. Uma delas assenta na revogação das recentes medidas aprovadas pelo Governo anterior no que respeita à obrigatoriedade de a gestante recorrer a uma consulta médica antes de se decidir pela interrupção da gravidez, bem como a abolição das taxas moderadoras introduzidas. Ainda se decidiu revogar a possibilidade de médicos objectores de consciência poderem participar nas consultas. PS, BE, PCP e Os Verdes apresentaram projectos de lei propondo a revogação destas alterações introduzidas já no final da anterior legislatura. A maioria votou favoravelmente. Essas alterações, depois de concluídos os trâmites, serão expurgadas do ordenamento jurídico.
A minha posição quanto à IVG é clara: sou contra quando está em causa a mera opção da mulher. Respeito, contudo, a decisão do povo referendada em dois mil e sete, encerrando (pelos vistos não definitivamente) uma questão que se arrasta há mais de trinta anos. Nesse sentido, era favorável à obrigatoriedade da consulta, podendo discordar pontualmente dos seus moldes, assim como defendia a manutenção das taxas moderadoras. O Estado está obrigado constitucionalmente a proteger a vida. Não deve, por isso, participar nos atentados à vida humana, incluindo intra-uterina. É uma questão de coerência. Quem quer interromper a gravidez, pois bem, pague-o do seu bolso. Parece-me claro.
Estava também em cima da mesa a adopção por casais compostos por membros do mesmo sexo. Como sabemos, até então qualquer cidadão, preenchendo os requisitos exigidos por lei, podia adoptar singularmente. Contudo, o regime estava vedado a casais compostos por pessoas do mesmo sexo, casados ou unidos de facto. O que a maioria parlamentar pretendeu, e fez aprovar na generalidade (que não tem nada que ver com "no geral"; trata-se de um trâmite que mais à frente explicarei), foi eliminar as barreiras legais que impediam que esses casais pudessem ter acesso ao regime. Sublinhe-se que dezanove deputados do PSD votaram favoravelmente, no seguimento do entendimento da JSD, que não se opôs à adopção por casais compostos por membros do mesmo sexo. Para muitos, fez-se história no Parlamento português com estes projectos de lei do PS, BE, Os Verdes e do PAN. O PCP, que segue uma linha um pouco mais conservadora nesta matéria, historicamente defendendo o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, mas tendo reservas quanto à adopção, não deixou de votar a favor.
Acompanhando a adopção, discutiu-se também o apadrinhamento civil de menores por casais compostos por pessoas do mesmo sexo, que teve igual desfecho favorável. As leis n.º 7/2001, de 11 de Maio e 9/2010, de 31 de Maio vão sofrer alterações que lhes permita contemplar as novas realidades aprovadas.
No tocante a estes objectos, a minha posição é totalmente favorável. Uma criança institucionalizada carece de amor, de condições que lhe possibilitem um crescimento saudável, afectuoso, digno. Se um casal, independentemente do género dos seus membros, está disposto a receber uma criança em sua casa, assegurando o seu conforto, a sua segurança e a sua educação, é tudo quanto baste. Deve-se, todavia, esclarecer para um ponto: a adopção é um direito da criança, não dos adultos. Quando ouço falar: "Os homossexuais têm o direito de adoptar", faço um reparo que comporta uma substancial diferença: as crianças é que têm direito a por eles ser adoptadas. Todos têm direito a propor-se a adoptantes.
Na semana que hoje se inicia, serão ainda confrontados os projectos de lei referentes ao alargamento das técnicas de reprodução medicamente assistida. O regime legal actual apenas permite o acesso à procriação medicamente assistida por casais heterossexuais, casados ou unidos de facto, com problemas de infertilidade. O que se pretende é universalizar o acesso, independentemente do estado civil, da orientação sexual e de quaisquer dificuldades férteis. Preciso madurar a minha posição. Quer-me parecer que quem não tem dificuldades em engravidar deve poder fazê-lo naturalmente, ou seja, recorrendo à relação sexual. Mas, como disse, preciso reflectir melhor, até porque um casal de senhoras tem direito a constituir família.
O BE apresentou, finalmente, um projecto sobre a maternidade de substituição, vulgo barrigas de aluguer, onde ainda se me levantam maiores dúvidas.
No que respeita à IVG e à adopção, a aprovação deu-se na generalidade. Foram debatidos, discutidos e votados. Os projectos de lei passarão à especialidade, sendo alvo da análise das comissões. Na especialidade, serão sujeitos a nova votação (artigo 168.º, n.º 4 e 5 da Constituição). Só no final deste processo voltarão a Plenário para a votação final global (168.º, n.º 3, última parte da Constituição), com o posterior envio para o Presidente da República. Há um longo caminho a percorrer até que tudo se conclua.
As manifestações de euforia, compreensíveis, devem ter lugar no final, quando, de facto, os projectos de lei se tornarem leis, imperativas junto de todos. É um primeiro passo, primeiro e relevante passo.
Sempre há que se dar o primeiro passo. Quando eles são bons e acertados melhor ainda. Se os foram o tempo nos dirá. Por mim achei válido.
ResponderEliminarEra uma questão de tempo. A esquerda sempre quis proceder a estas modificações.
EliminarEu penso que na questão da interrupção voluntária da gravidez, essa só deveria ser permitida sem "custos" para quem as fizer na condições de: o gestante sofrer de mal formações que colocam a sua vida e/ou a vida da mãe em risco; no caso da mulher ter sido vítima de abuso sexual e/ou violação, outros casos de natureza médica que afectem a saúde do bebé e/ou da mulher grávida. Nesses casos concordo que as mulheres possam fazer a IVG e fazê-la isentas de pagar qualquer taxa, imposto ou o quer que seja.
ResponderEliminarInfelizmente, segundo aquilo que oiço e leio, o número de IVG's tem vindo a aumentar muito desde que a lei foi aprovada, através de referendo, em 2007. Tendo em conta que estas operações têm custos para o Estado, eu creio que deveriam ser "impostas" algumas limitações, porque como tu disseste e muito bem, "o Estado está obrigado constitucionalmente a proteger a vida."
As pessoas sabem ou deviam saber que existem métodos anticoncepcionais. Nos Centros de Saúde, podem pedir-se preservativos gratuitamente, [não sei se as mulheres têm direito a algum tipo de contraceptivo gratuito também, para além de preservativos].
As pessoas tem direito e liberdade de fazerem com a vida delas o que bem entenderem. Mas, também não deixa de ser verdade que cada acto que fazemos tem consequências e algumas, podem sair-nos dos bolsos...
Abraço :)
Eu sou contra a IVG por mera opção. As demais hipóteses estão salvaguardadas, claro. E até a mera opção está. Nunca esteve em causa revogar a IVG por opção até às dez semanas. O povo foi contundente no referendo. Eu, pessoalmente, sou contra, até por alguns motivos que tão bem enunciaste. E se o Estado está vinculado à protecção da vida - que o é - não deve comparticipar atentados à vida.
EliminarAs pessoas são soberanas da sua vida, da sua, e deveriam ser mais responsáveis quanto a vidas que de si dependem, sobretudo as mais vulneráveis e indefesas.
um abraço. :)
*desafio aceite!* ^^
EliminarJá vi e deixei lá no blog a resposta! :D
Esta esquerda consegue-me deixar por vezes de boa aberta de tanto espanto :S
ResponderEliminarGrande abraço amigo
O BE consegue ir mais além do que os demais. É muito progressista. Um partido também deve ter em consideração o meio social em que está inserido. Genericamente, a esquerda esteve bem. :)
Eliminarum abraço enorme.
sou a favor da adopção, sou a favor da IVG em certas condições, quanto às chamadas 'barrigas de aluguer', por que não? se se é incapaz de engravidar, se há mulheres dispostas a ceder o útero para gerar o filho de outros, se bem que terá de haver muita discussão sobre isto. o que sei vem da realidade dos EUA, e apesar de casos de sucesso (casais gay que assim conseguem gerar um filho - penso que aqui os homens terão grande vantagem) também há situações desagradáveis, porque a 'mãe de aluguer' acaba por criar laços afectivos com o bebé que cresce dentro de si e recusa-se a entregar, depois, a criança. todavia, o que sei, repito, é em 'diferido'. a realidade portuguesa é diferente da da norte-americana.
ResponderEliminarbjs.
Precisamente pelo motivo que enunciaste, Margarida. E se a "mãe de aluguer" se arrepende, se cria laços afectivos com aquele bebé? Quem é a progenitora, afinal? A que fornece o seu património genético consubstanciado nos óvulos ou a mulher que gera a criança durante nove meses no seu útero?
EliminarNão consigo concordar com este procedimento. Não é ético.
um beijinho.
A Interrupção Voluntária de Gravidez é um desrespeito pela vida humana! Um crime contra a vida intra-uterina. Devia ser severamente punido. Como se até às 10 semanas nada fôssemos. Façam-me o favor! Eu estaria aqui sem a minha primeira semana de vida? Não. Pois também não estaria aqui sem a minha primeira semana de gestação.
ResponderEliminarA adopção... Sou também absolutamente contra. Uma criança precisa de um pai e de uma mãe. A Natureza assim quis. Pois que se casem pelo civil. Dois homens não geram uma criança, duas mulher ainda não geram uma criança. Um pai é um pai, uma mãe é uma mãe. É no equilíbrio entre um lado materno e paterno que crescemos sãos. Nada e nem ninguém mudará as leis da reprodução, por mais subterfúgios que arranjem. Nem o Bloco de Esquerda, nem os socialistas, e o PCP devia ter mais vergonha por se unir a isto.
O resto são os mesmos disparates. Procriações, etc, etc. Técnicas científicas para ajudar casais que não conseguem ter filhos, usadas para fins anti-naturais.
Que a direita um dia revogue o que estes senhores agora revogaram e aprovaram!
Gabriel, a IVG contempla outras realidades que não a da mera opção da mulher. E essas realidades merecem ser reguladas. Concordo consigo quando considera a IVG por opção um desrespeito pela vida humana. É, de facto, na minha humilde opinião. Todas as fases são instrumentais para o desenvolvimento de um ser humano.
EliminarJá no tocante à adopção, discordo de si. Uma criança, permita-me, precisa de amor. E muitas delas, senão a sua maioria, foram abandonadas precisamente por esse pai e por essa mãe que tinham o dever de as proteger. O equilíbrio consegue-se entre o afecto e a educação que se dá. Aí reside o equilíbrio de qualquer ser humano. Educar, ser rígido quando é preciso, mas não deixar o amor, o carinho de lado. E olhe que sei do que falo. Fui pessimamente educado, ainda que julgassem que me educavam bem.
Ninguém mudará as "leis da reprodução", correcto, mas considera haver algo mais nobre do que receber um filho biológico de outros em nossa casa? Haverá atitude mais altruísta do que o comprometimento em criar uma criança, com tudo o que isso comporta?
A procriação e a maternidade de substituição merecem-me algumas reservas, melhor dizendo, estas alterações que se pretendem fazer quanto ao alargamento das técnicas de procriação medicamente assistida. A maternidade de substituição merece-me todas as reservas e mais algumas.
Eu concordo com muita coisa, talvez o problema é que quem passa por determinadas situações é que sabe, mas cada um de nós não deixa de ter a sua opinião, por vezes baseadas em crenças.
ResponderEliminarNão sei bem que Governo temos ou que vamos ter, no entanto acho que há tanto para ser feito de certos temas poderiam ficar para 2016, mas eles lá sabem.
Sim. Nada como viver as situações na primeira pessoa.
EliminarDe momento? Temos o país "parado" à espera da decisão do senhor Presidente da República. Concordo. Não havia urgência de ir já proceder-se a estas alterações. Há quase um sentimento "revanchista" em alguma esquerda.
esta discussão é muito muito muito interessante! espero que ai em portugal ela camihe distanciada dos desejos dos politicos... que pouco entendem de mundo!
ResponderEliminarInfelizmente os políticos são iguais em todo o lado. :)
EliminarMesmo que não desse em nada, isto é, se no fim a proibição se mantivesse, foi útil porque despertou consciências e colocou as pessoas a falar no assunto. Temos que evoluir como sociedade, até porque o que "era ontem", hoje já não o é.
ResponderEliminarÉ verdade, e soube que alguns deputados do CDS fizeram declarações de voto. Fora os deputados do PSD que votaram a favor. Aliás, Teresa Caeiro, do CDS, é favorável, bem como Francisco Mendes da Silva e Ana Rita Bessa, também do CDS.
EliminarNós caminhamos sempre no sentido da evolução. Hoje em dia, é praticamente unânime de que uma criança precisa de amor e de tudo o que citei, independentemente de quem vier.