Um homem senta-se num banco de madeira, de cor verde carcomida pelo desgaste. Acompanha-o um cão, rafeiro, pequenino, de olhar sadio, brilhante. Deixou-o preso a um saco desportivo, preto, enquanto se dirigiu à superfície comercial. Saiu, minutos mais tarde, carregando um sumo de marca branca e uma caixa, que presumo contendo alimentos já confeccionados. O cachorrinho empoleira-se com as patas dianteiras nas pernas do dono, abanando freneticamente a cauda envolta na pelagem seca e suja.
Acaricia a cabeça do animal, que cerra os olhos, sentindo o afecto, o carinho de um indivíduo a quem a vida já fez das suas. Alto, de meia-idade, cabelo louro, comprido, amarrado atrás da cabeça por um elástico. Traços caucasianos, sem dúvida, mas não do sul da Europa, eu diria. Enverga um casaco roçado, que pouco desce a cintura, realçando umas calças de padrões quadriculares, castanhos e brancos, excessivamente curtas em baixo.
Vi-os mais do que uma vez. Têm-se por companhia. Passam indiferentes à vida que os circunda. Aquela que, pelos reveses que lhes foi impondo, os terá impelido à marginalização. Não contribuem, não votam, não existem. Não têm cabimento nos enunciados políticos de boas vontades. São um imenso nada numa sociedade injusta e desigualitária.
Tornou a sentar-se para se levantar de seguida. Pegou no cão pela trela. Dissiparam-se na névoa da noite.
Acaricia a cabeça do animal, que cerra os olhos, sentindo o afecto, o carinho de um indivíduo a quem a vida já fez das suas. Alto, de meia-idade, cabelo louro, comprido, amarrado atrás da cabeça por um elástico. Traços caucasianos, sem dúvida, mas não do sul da Europa, eu diria. Enverga um casaco roçado, que pouco desce a cintura, realçando umas calças de padrões quadriculares, castanhos e brancos, excessivamente curtas em baixo.
Vi-os mais do que uma vez. Têm-se por companhia. Passam indiferentes à vida que os circunda. Aquela que, pelos reveses que lhes foi impondo, os terá impelido à marginalização. Não contribuem, não votam, não existem. Não têm cabimento nos enunciados políticos de boas vontades. São um imenso nada numa sociedade injusta e desigualitária.
Tornou a sentar-se para se levantar de seguida. Pegou no cão pela trela. Dissiparam-se na névoa da noite.
Retratos da vida! Retratos do Mundo!
ResponderEliminarTens o dom de lidar de forma lírica com as palavras.
ResponderEliminarÉ verdade...
EliminarMuito obrigado, amigo Paulo.
"Não contribuem, não votam, não existem."
ResponderEliminarexistem um para o outro. parece pouco, mas é tudo o que há de relevante.
gostei muito da história e do modo como a contaste.
Efectivamente. Foi uma clara "alfinetada" ao poder político, se assim se pode dizer.
EliminarObrigado, Miguel.
Se tivesse um papel e caneta, acesso à internet, que histórias teria para contar?!
ResponderEliminarSó Deus o sabe :)
Abraço amigo
Pode escrever com um lápis de carvão, numa folha. :) Era como se fazia antigamente, ainda antes do advento das máquinas de escrever.
Eliminarum abraço, amigo.
Uma história bonita, real e emocionante. Retrato de um mundo que muitos teimam em não ver, fechando os olhos ou ignorando. Têm-se por companhia, serão amigos fiéis um do outro, até perecerem.
ResponderEliminarAbraço :)
Quando perecerem, não carecerão de amigos, nem de companhia. :)
Eliminarum abraço, amigo Mikel.
Amo sua escrita. Tão pormenorizada e sensível. Eu pensei que era uma história, só depois vi que aconteceu de fato. Triste realidade. Aqui tem muitas pessoas vivendo assim, no limiar da pobreza.
ResponderEliminarAbraços!!
Aguardemos pelo dia em que tudo não passe de histórias.
Eliminarum abraço, e obrigado.
Quando não se têm mais nada nem ninguém, é nesses companheiros que se encontra conformo.
ResponderEliminarBelo texto.
Abraço
Acredito que aquele cãozinho seja o seu único amigo, ou pelo menos o melhor.
EliminarObrigado. :)
abraço.
:-) Eu por duas vezes comecei a escrever sobre coisas que vi e que não tinha necessariamente a ver comigo, mas não consegui e tu fizeste isso muito bem, da forma que melhor sabes com a subtileza que as palavras permitem.
ResponderEliminarObrigado, No Limite.
EliminarClaro que consegues. É só deixar a tua intuição falar.
Bela capacidade essa de ser observador. Muitos devem ter passado sem notar todos esses detalhes.
ResponderEliminarSabes, sentei-me num banco adjacente e detive-me a observar aquele homem e o seu doce animal. Sem os perturbar, sem que se sentisse, no caso do homem, constrangido. Gosto de ver o que poucos vêem.
EliminarE, um dia, acabar por te descobrir por aqui.
ResponderEliminarEscrita irrepreensível. A mesma capacidade de prelúdio de algo que nunca chega a concretizar-se. A mesma que te reconhecia.
Já vai sendo tempo de sorrires, por fim.
Um abraço.
Obrigado, Vítor, pelas simpáticas palavras.
Eliminarum abraço.
Uma vez na Sérvia (mas podia ser em qualquer outro país) enquanto chegávamos de madrugada e pelo parque uma senhora varria e limpava o lixo, foi iuso que me chamou a atenção: o pormenor de alguém a limpar o que os turistas e transeuntes limpam quando ainda nem a luz do dia chegou...
ResponderEliminarEstar atento a estas coisas torna-nos solidários e mais compreensivos da vida e do mundo...
Gostei que também o fizesses :)
Abraços
Ironia.. O que subjaz ao turismo, tão enriquecedor para o Estado, tão dignificante para um país. Há sempre quem pague um preço duro.
EliminarÉ verdade. Encaro assim. Como se aqueles breves instantes me transportassem para a realidade dessas pessoas. Ainda há pouco atentei num varredor municipal e no seu sorriso rasgado. :)
um abraço.
lindíssimo, perfeito. :)
ResponderEliminarbjs.
Obrigado, Margarida.
Eliminarum beijinho.
Tem olhos "de ver" meu amigo!
ResponderEliminarUma belo forma como descreveste o momento, melhor de tudo é que conforme vamos lendo a cena se faz diante aos nossos olhos!
Grande abraço.
Tentei tirar uma fotografia com os olhos e gravá-la na memória.
EliminarMuito obrigado, amigo Latinha, e um grande abraço desde Lisboa.
Vês-te assim daqui a uns anos?
ResponderEliminarEu penso sempre nisso, quando vejo casos destes. :(
O futuro a Deus pertence... Nunca sabemos o que o amanhã nos trará. Mas espero que não. Para isso estudei e estudo. :)
EliminarA-D-O-R-E-I!
ResponderEliminar:D
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