25 de novembro de 2015

O dia seguinte e os desafios.


     Para minha surpresa, Cavaco Silva decidiu-se pela indigitação de António Costa. Muito embora esta fosse uma das possibilidades, é notório que o Presidente da República não o fez de bom grado. Adiou o mais possível, reuniu-se com personalidades de vários quadrantes, incluindo da banca, deixou claro que a tradição constitucional portuguesa leva a indigitar o líder do partido ou da coligação mais votados. Foi, efectivamente, uma decisão de ultima ratio, depois da rejeição do Parlamento ao programa do Governo ainda em gestão. Relembro que António Costa e os membros da sua equipa ministerial ainda não foram nomeados.

     O Presidente da República fez exigências a António Costa. Algumas foram noticiadas pela imprensa. Com toda a movimentação em Belém, parecia certa a indigitação do secretário-geral do Partido Socialista.
     Um Presidente da República deve garantir soluções de estabilidade para o país. Não me merece qualquer crítica a actuação de Cavaco Silva. Conhecendo os desafios pelos quais o país atravessa, sabendo de antemão que a esquerda em Portugal é avessa a entendimentos, Cavaco Silva procurou, dentro dos poderes que tem, assegurar que o próximo executivo a empossar é estável, duradouro. O compromisso que procurou ver firmado quanto ao Orçamento de Estado isso o evidencia. O país não pode correr o risco de assistir a sucessivas quedas de Governos. A durabilidade e a confiança são palavras de ordem nos dias que correm. Já a exigência de estabilidade nos mercados financeiros parece-me pouco plausível, acompanhando eu aqui o entendimento do meu estimado Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Nas circunstâncias actuais, e num mundo globalizado, em que todos os países são susceptíveis a crises que não despoletaram, ao impacto da própria instabilidade internacional, ninguém poderá garantir segurança alguma nessa matéria. Pode e deve, isso sim, certificar-se de que Portugal manterá a sua tradicional postura europeia, atlântica, cumpridora. Conquanto seja um crítico da subserviência à União Europeia, considero que este momento não é o mais indicado para que possamos fazer valer qualquer vontade ou pretensão. E sabemos como o PCP e o BE são anti-europeístas. O apoio destes partidos é fulcral para a sobrevivência de um Governo minoritário do PS.

      Costa tem sérios desafios pela frente. O primeiro será o de pacificar a sociedade portuguesa. Há quem não tenha visto com bons olhos esta manobra partidária que derrubou o Governo da PàF, ainda que seja totalmente legítima atendendo ao nosso quadro constitucional. O Governo de Costa estará irremediavelmente sob suspeita da direita e dos seus apoiantes. O segundo desafio despontará com o próximo Presidente. Seja ele qual for, sabe em que moldes esta solução governativa surgiu. Poderá ceder à tentação de devolver a voz ao povo, ao mínimo indício de crise no seio da, como direi?, convenção de esquerda. O terceiro, pegando onde terminei, será o de manter este suporte parlamentar. Há quem ponha em causa o futuro dos acordos entre PS, BE, PCP e Os Verdes. Aguentar-se-ão unidos se algo correr menos bem? Veremos. O quarto desafio será o de manter o equilíbrio das contas públicas. Já ninguém de bom senso defende que o rigor se não deve manter. O tempo das obras faraónicas já lá vai nos idos anos noventa. Portugal é pobre, pouco produz, não se basta (nem energeticamente...), é dependente. Geramos pouca riqueza, temos de viver com o que temos. Contudo, esse equilíbrio não deve ser cego e obstinado, perdendo-se a razão, a humanidade. Não há progresso assente na injustiça, em cortes abruptos e desproporcionais nos salários e nas pensões, recuando nos direitos sociais, atentando contra a protecção da confiança das pessoas no Estado social. Costa deve comprovar manifestamente a sua diferença face à direita a que tanto se opôs; deve demonstrar, sem margem para erro, que o PS diferencia-se do PSD. Que há uma alternativa. Que não «são todos iguais».

      Se superar os quatro desafios supracitados, auguro-lhe alguma tranquilidade. Caso contrário, arriscará a uma pena severa: o julgamento do povo e a desforra de Passos Coelho, de Paulo Portas e de todos quantos assistirão de perto, muito de perto, ao seu desempenho governativo.

16 comentários:

  1. Seria um vidente se previsse que ele vai falhar todos os seus desafios?
    Aguardo resposta.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não posso deixar de soltar uma gargalhada.
      Já vaticinam o pior para o homem, credo.

      Eliminar
  2. ah! "ultima ratio". há que tempos não lia ou utilizava esta expressão. abençoados direitos :)

    acho que há um sexto desafio, terrível: aguentar os ataques e o escrutínio dos media, quer da imprensa quer da TV. vai ser fogo à peça.

    gostei do governo, acho que é mais um sinal da inteligência e da experiência política do Costa, um governo politicamente muito forte, com grande ligação ao Parlamento, o palco decisivo desta legislatura.

    tens opinião acerca da Ministra da Justiça? o que achaste da escolha?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Aprende-se muito... :)

      Sim, os media serão uma oposição feroz e parcial.

      Acompanho-te em relação à composição do Governo. Pessoas que me parecem responsáveis e credíveis.

      A escolha da Ministra da Justiça surpreendeu-me. Deposito fortes expectativas. Tenho-a como competente e equilibrada. O seu currículo é expressivo.

      Eliminar
  3. Se os 4 desafios não forem alcançados, o PCP viverá dos velhinhos comunistas e o BE poderá fechar a Porta.

    A direita entregou nas mãos dos ditos partidos de esquerda a governação do País. Todos tem a mesma questão?! Quanto tempo irá durar este Acordo de esquerda, uma vez que só se uniram para criticar a Direita. Agora a direita senta-se e assiste de bancada.... A questão é até quando?! Já não podem criticar o PSD/CDS, não podem criticar o Cavaco...Tudo lhes foi entregue como pediram e manda o figurino. Até tem o Ferro como presidente da AR...

    Vamos ver o que acontece...

    Temos aumento do Ordenado mínimo em Janeiro?! Sim ou Não?! São 530 euros e até ao final de 4 anos é para chegar aos 600... Eles prometeram e disseram ser possível...

    Tem 37 dias para o provar :)

    Grande abraço amigo

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Contando que não aumentem a carga fiscal sobre as famílias, como a direita fez; que não cortem nas pensões, nos salários e nos subsídios dos mais carenciados, como a direita fez; que não nos mandem emigrar, como a direita fez, e que promovam políticas de emprego, como a direita não fez, já me dou por satisfeito.

      PSD e CDS tiveram quatro longos anos para mostrar o que valiam. Apenas se cumpriu a vontade da maioria parlamentar. :)

      um abraço grande, amigo.

      Eliminar
  4. Claro que o PS terá muitos desafios...a Economia irá fazer frente, a Europa não ficará a atrás e resta saber até que ponto o BE e o PCP irão aguentar com a responsabilidade dos acordos que fizerem. Se correr mal, irão ficar muito mal na "imagem".

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sabes, eu não acredito que o país estivesse a recuperar, como PSD e CDS tanto apregoaram, e receio que usem uma "não-recuperação" económica, que nunca haveria, para culpar o PS.

      A Europa e os credores querem um Governo que dê garantias de cumprimento. Se o PCP e o BE entrassem na equipa governativa, isso sim levá-los-ia ao medo. Sendo um Governo minoritário do PS, ficam mais descansados. Aliás, a maioria das personalidades que Cavaco ouviu disse isso: não queriam um país sem Governo; antes um executivo do PS.

      É uma incógnita, um risco que corremos. Paulo Portas também quase fez cair o Governo em 2013.
      Nunca conseguirão fazer esquecer o apoio que deram ao PS. Para o bem e para o mal, suportaram este futuro Governo.

      Eliminar
  5. O meu maior receio é de facto até quando se conseguirão manter unidos [toda a maioria de Esquerda] tendo em conta que existem temas em que todos discordam e claro está, a pressão que virá de FMI, União Europeia, outros líderes europeus, o BCE... Sem falar da ameaça da ISIS a Portugal também.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. No seguimento do que respondi ao Limite, o receio da UE, do FMI, do BCE incidia na não existência de uma solução governativa. Além de que o PS sempre foi um partido europeísta, defensor do cumprimento dos nossos compromissos. E o Governo é do PS.

      Não vejo em que é que o ISIS tem que ver com um Governo do PS. Creio que o PCP e o BE encaram como séria a ameaça do ISIS.

      Eliminar
  6. A direita foi muito astuta na estratégia pré-eleitoral, mas foi essa mesma estratégia (falhada) que nos trouxe até aqui.
    Temos agora um governo com toda a legitimidade constitucional e política (por muito que isso custe à direita, ao Presidente e a alguns comentadores do teu blogue :).
    O país precisava desta viragem à esquerda, portanto só temos que estar confiantes.
    Abraço

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sim, com efeito a solução encontrada é totalmente legítima no quadro da nossa Lei Fundamental. Sabes, o problema está na nossa ainda parca tradição democrática. As pessoas estão habituadas a eleger "Governos" e os Governos estão acostumados a governar, passo a redundância, sem consensos. O palco político desta legislatura será a Assembleia da República, e isso é extraordinariamente saudável.

      abraço. :)

      Eliminar
    2. Entendo isso desde o início e concordo plenamente contigo.
      Temos um governo de esquerda, tendo um parlamento maioritariamente de esquerda, e isto não tem novidade nenhuma... é saudável e legítimo, política e constitucionalmente :)
      Abraço

      Eliminar
    3. E é bom que se entendam, que negoceiem. Há países que já o fazem há imenso tempo e com sucesso. :)

      abraço.

      Eliminar