Tenho más relações com os últimos meses do ano. O inevitável regresso às aulas, sempiterno estudante, o Verão que termina, não tendo este sido um dos mais agradáveis, o retorno dos emigrantes aos países de acolhimento, e dezenas de acidentes de viação, a queda da folha, sobretudo antigamente, quando a estação tinha data para começar e findar.
Uma mãe que passeia a sua filha no carrinho de bebé. À passagem por mim, a menina, de olhos grandes e negros, duas azeitonas pretas, fixa o olhar no meu. Acha-me piada e sorri. Pouco atrás, surge a correr um menino mais velho, de bola entre os pés, de chuteiras. E uma irmã de vestidinho cor de rosa. Num rompante, imagens do meu passado, dos passeios com a avó por jardins, quando via os meninos jogando futebol e eu com o Simba debaixo do braço. Se disparavam a bola na nossa direcção, refugiava-me nas calças da avó, espreitando, assustado, pela remoção do perigo. A avó devolvia a bola aos meninos. Por vezes ficava a observá-los à distância, admirando a destreza que não tinha, que não invejava, afinal, eu precisava de protecção, cada vez mais, seguindo no caminho oposto da natureza humana, que busca a crescente autonomia.
Senti-me só. A avó envelheceu, eu cresci. Cresci mais do que queria caso me fosse dado a escolher. Um dia destes não a terei por perto. O Simba estará num dos imensos sacos, a salvo do pó e do esquecimento, guardando nas garras de pelúcia as recordações de uma infância doce, marcada por alguns conflitos internos, imperceptíveis aos sentidos, à consciência.
As folhas tricolores envolvem a base de pedra calcária do bebedouro. Sobrepõem-se movidas pela brisa do final de tarde. A pressão do esguicho de água é fraca. Debruço-me. Molho o colarinho da camisa na superfície em sulco. Um pinscher vem ao meu encontro. Afago-o. Gosta de carícias fortes, reclama e pede brusquidão. Revolvo-lhe o pêlo e agradece impulsionando as patas dianteiras nas minhas pernas.
As árvores fazem-me sentir ainda menor. Sobreviver-me-ão em séculos.
Filho de um acto irreflectido, mal calculado. Desejo inconsequente. Imaturo. Irresponsável. Leviano. Eles são como sou. E passarão, como eu, a histórias a contar pelos plátanos.
Lindo o texto... foi muito bacana poder passear contigo, sendo possível ver tudo o que descrevia, era como se pudesse estar lá também.
ResponderEliminarEu não lembro de ter grandes questões com o tempo, mas os últimos anos foram tumultuados para mim... Vamos ver como esse se apresentará...
Grande abraço e uma ótima semana.
Eu vou tendo uma boa memória visual. Claro que o caderninho que me acompanha ajuda. A par da memória visual, tenho uma memória, geral, má.
EliminarTive uma leva de três anos terríveis: 2004, 2005, 2006. Os meus anni horribiles. Terríveis e em progressão.
um abraço e uma excelente semana para ti também. :)
O outono e a castanha assada estão a chegar :)
ResponderEliminarVai me custar, quando for a mudança de hora :(
Até lá, é aproveitar o sol de cada tarde ;)
Abraço amigo
Não gosto de castanhas, nem bebo água-pé. :)
EliminarPois, a luz é essencial para o espírito...
um abraço, Francisco.
Você fala várias vezes sobre a sua infância e sempre com um tom triste, nostálgico. Você se sente tipo o Peter Pan (desculpe se estiver viajando, rs) :) Lindo esse texto, como sempre. O Latinha falou tudo, eu passeei com você, vi as crianças brincando, vi a grama, tudinho.
ResponderEliminarProcure ser feliz. Você merece.
Abraços!
Não, o Peter Pan, não, até porque cresci, gosto de ser adulto, e dificilmente voltaria à infância. Porém, vivo esses anos. Sou nostálgico, sim.
EliminarA felicidade não existe. Os homens estão enganados há milénios. Somos marionetas no arriscado e fatal jogo que é a vida.
um abraço.
Fiquei curioso em saber a sua altura agora. Rs. Sempre é bom lembrar a infância, vemos o quanto o mundo mudou e nos transformamos. Ou não. Ou tudo continua igual e só mudam as pessoas.
ResponderEliminarAltura? 1,78 cm. :)
EliminarEu acho que muda o mundo e mudam as pessoas...
é um setembro diferente. vais ter aulas apenas uns dias por semana e em horário diferente. por outro lado, começarão as obrigações profissionais, algum dia.
ResponderEliminarsetembro é melancólico, concordo. também está a custar e o tempo não ajuda. que verão estranho, este...
bjs.
Sim, é uma fase nova, de adaptação. Talvez comece a trabalhar. Veremos o horário.
EliminarNão me recordo de um Verão tão mau. Às seis da manhã parecia uma manhã invernosa.
um beijinho, Margarida.
O verão vai começar agora. Espero eu :)
EliminarParece que sim. A temperatura aumentou, mas o cinzentismo instalou-se. Pode ser que amanhã esteja melhor. :)
EliminarA beleza das tuas palavras, a tua recordação dos tempos passados, o teu eterno receio do "que aí vem"... e eu ao contrário, no sereno outono da minha vida, a gostar cada vez mais do Outono, da sua amenidade, das suas cores, a fazerem-me ter saudades de um maravilhoso Outono na Toscana...
ResponderEliminarUm Outono na Toscana deve ser inesquecível. Por enquanto, vou vivendo os meus outonos amenos em Lisboa. :D
EliminarO outono da tua vida é rico em cultura e experiências, João. Tiveste uma vida cheia, rica. Tens história. Eu não. E, por este andar, nada terei a contar quando chegar à tua bela idade. A idade dos balanços.
"(...)Senti-me só. A avó envelheceu, eu cresci. Cresci mais do que queria caso me fosse dado a escolher." O quanto é dolorosa esta realidade. Então agora que a vivo também com o pai, que mais do envelhecido, adoeceu severamente... Crescer para quê? Porquê?
ResponderEliminarEis que encontro alguém com a minha relação perante as bolas. Odeioooo. Mas elas adoram-me! Parecem sentir uma atração fatal. Assim, nada melhor do que muito delas me afastar.
Abraço.
Eu e as bolas nunca nos demos muito bem. Daí que não me recorde da última vez que terei dado um chuto numa. :) A sério, num jogo de futebol entre amigos, a "peladinha", nunca.
EliminarÉ difícil percebermos o envelhecimento dos que nos rodeiam. Dói. Quanto a mim, sofro mais vendo a decadência dos que me são próximos do que com tudo de mal que me aconteça. Prefiro, talvez em jeito de cobardia, deixo em aberto, morrer primeiro. É uma fuga.
Sei do quadro familiar complexo e altamente delicado em que estás. E és um homem novo. Desejar as melhoras é irrealista. Talvez. Não sei. Desejo, então, que a dor e o sofrimento possam ser amenizados pela misericórdia e compaixão infinitas de Deus (eu acredito Nele; se não acreditares, peço que desconsideres).
um abraço e força!
Setembro colhe sempre comentários moderados, associados à melancolia, ao 'cair da folha'... para mim é um dos meses mais bonitos do ano, que associo ao renascer, recomeçar, empreender... e também a férias, que geralmente tenho sempre nesta altura. :D
ResponderEliminarSetembro só reforça o que já sou, melancólico. :)
EliminarÉ um dos meses que mais gosto :)
ResponderEliminarEu não gostava muito. Agora já gosto mais. :)
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