15 de janeiro de 2014

Memórias.


     Rebuscar o passado tem sido uma constante. E se há quem o esqueça, ou pretenda, sou demasiado nostálgico para apenas prosseguir. Às vezes, gostaria de ser igual àqueles que olham somente em frente. Não consigo. Seria doloroso, mais ainda do que reavivar antigas memórias, se tentasse esquecer os melhores anos que já tive.

   Ir às gavetas procurar álbuns antigos de fotografias em que estou com os pais, em que sentia o seu incondicional amor. Os nossos almoços e jantares, as férias que passámos juntos, as idas às lojas de brinquedos, quando me presenteavam com o que tanto cobiçava. Os sorrisos de que tudo estava bem. A inevitabilidade do presente. Dói.

     No próximo mês farão oito anos desde que se separaram. Tenho presente cada momento desse dia dezassete. Vejo o pai a arrumar algumas roupas, as suas camisas, a azul que tanto gostava, as calças bege. O desenho que fizera no ano anterior pelo dia do pai e que subtilmente dobrei e coloquei no forro da mala. A mãe, indiferente, a falar ao telefone com não-sei-quem, um homem, que homem, o pai vai embora.

   Ao bater da porta ficou a solidão. A mãe saiu pouco depois. Em pé entre quatro paredes, sufocado por um choro que insistia em não querer sair. A raiva, vontade de querer fazer algo, paz de gritos mudos. Tudo ficaria bem. Não ficou.

    Meses depois, conheceria o homem que não-sabia-quem. Por que mo deste a conhecer? Quem é, de onde vem?

 " (...) e é uma pessoa muito especial para a mãe... "

   Entrou com passos rápidos e invasivos de ratazana e tudo tomou. O lugar que não lhe dei, o espaço que era meu e só meu, sai, não gosto de ti.

    A impotência, os poucos anos de vida e o tempo, oh, o tempo!, levaram ao conformismo.

  " (...) ele habitua-se... "

    Cada vez menos e menos. Nem sempre ajuda.
   O seu erro foi julgar que era a sua vida e só. Era a minha também. Era eu a quem ninguém perguntou o que queria, se sofria. Revolveram as minhas certezas, transformando-as em angústia que levou... tempo... a amenizar. Que não tinha, que não me deram. Cresce.

    Odiar é tão feio. 
  
    Eu sei.

38 comentários:

  1. lamento imenso Mark, mas pelo menos o homem fez a tua mãe feliz?

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    1. então, olha para as coisas pelo lado bom... :)
      é complicado, mas faz bem!

      r: obrigado! :)

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  2. Os filhos expiam os pecados dos pais...

    Um abraço Mark.

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    1. É uma verdade bem maior do que se pensa.

      um abraço.

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  3. Quando acabares o curso podes fazer a tua vida e escusas de estar com um homem que não gostas! Os meus pais estão juntos e dão-se bem e nem imagino eles separados. Eu não sofria tanto porque nem moro mais com ele mas ia-me custar porque sempre os vi juntos e não vejo mesmo a minha mãe com outro homem ou o meu pai com outra mulher. Mas vais ver, quando tiveres a tua vida vai ser mais fácil.

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    1. O problema é esse: não gosto dele. Sempre disse que a separação foi dolorosa no momento, mas a vida continuou. Ao que jamais me acostumei foi a esta pessoa que, manifestamente, não gosto e não gostarei.

      Sei que a mãe tem todo o direito a ser feliz com outra pessoa. O pai foi o seu segundo esposo e entre o primeiro marido e o pai teve alguns namorado (eu não era nascido). Não me importo nada com isso. Por azar, foi este homenzinho.

      Assim espero.

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  4. Sei que é complicado, só que ele entrou por decisão da mãe. Não teria chaves certamente...

    Não gostares dele é normal, tu a ele não és nada e ainda bem que o pai é vivo ;) e que continue assim por muitos e muitos bons anos...

    Sabes que por trás um ódio, está um...

    Abraço ;)

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    1. Sim, é vivo, mas é o mesmo que não fosse. LOL

      Não, de todo, não gosto dele. Essa de que 'por detrás de um ódio está um amor' é mito. Aliás, não o odeio. Odeio a situação e tudo o que aconteceu, não a ele. Só o queria longe.

      um abraço.

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  5. Mark, nao gosta, não gosta, nada há a fazer. Manda para trás das costas. Come o sapo quando for o aniversário da tua mãe. Não o comas no teu.

    PS: ficas muito giro na nova foto:-)

    Um abraço

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    1. Sim. Essa do sapo tem graça, mas não percebi. :D

      Obrigado, Horatius. :)

      um abraço.

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    2. Basicamente, se for o aniversário da tua mãe, faz um esforço por tolerar a presença não desejada. No teu aniversário, não toleres a presença. E quem diz aniversário, diz qualquer outra ocasião...

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    3. Ahh, entendi. Ele não mora connosco. A mãe tem a sua vida e ele a dele. Como ambos têm casa, nunca decidiram morar juntos.

      Jamais o toleraria no meu aniversário, muito menos morar (arghh!) com ele.

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  6. Caro Mark fiquei KO com a tua descrição :( Mas és um menino forte e chegaste até aqui bem equilibrado, simpático e acima de tudo, sem destilar ódio nem raiva (pelo muito pouco que te conheço pelos blogues). :)

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  7. Mark,

    Se calhar é imaturidade minha, mas não consigo sequer conceber tal situação na minha vida... Deve ter sido pavoroso. Mas, como disse ali o "nosso" Namorado, chegaste inteiro e íntegro. :-)


    Abraço!

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    1. O "nosso" namorado é bonito lololol

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    2. Provavelmente os teus pais estão juntos - e ainda bem. É, é terrível, sobretudo no meio da adolescência: o meu caso. Pior ainda quando aparece uma pessoa, do nada, que não conheces de lado algum.

      Tento ser forte. Guardo muito para mim.

      um abraço, Ine. :)

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  8. Uma revolta perfeitamente justificada.
    Mas, Mark, tu já tens idade para te autonomizares um pouco mais. Estás demasiado preso à tua Mãe e mesmo que ele não habite a vossa casa, tu devias com a tua idade e porque tens possibilidades disso, de arranjar uma casa tua e verás que a "presença" dele não será tão forte.
    Ter uma casa nossa, só para nós, a nosso gosto é uma experiência única, acredita.

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    1. Não estou demasiado 'preso' à mãe. Ela viaja, ausenta-se de Lisboa e do país, sai com amigos... Dias há em que mal a vejo. Apenas moramos juntos.

      Não tenho possibilidade de arranjar casa. Não terminei os meus estudos. Há pessoas com mais idade que ainda moram com os pais. Aliás, não me sinto mal por morar com a mãe. Faço o que quero. A mãe sabe que sou responsável e nunca me impôs qualquer conduta, até porque nunca precisou de o fazer.

      Nem sinto que sair de casa seja uma inevitabilidade. Talvez o faça para deixar de lidar com quem não quero, mas entendo o que dizes.

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  9. Lamento Mark! Eu acho que vc havia falado que não gostava do seu padrasto, eu li algo assim uma vez. É difícil de fato e não consigo imaginar essa situação. Eu acho que vc deve terminar seus estudos e tentar seguir sua vida sem esse homem que vc não gosta. Sua mãe é sua mãe continuará sendo pra sempre mas vc não tem que falar, conviver com alguém que não gosta. Simples assim.

    Abraços!!

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    1. Exacto. É isso que penso. Veremos depois de terminar o curso. :)

      um abraço.

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  10. Os divórcios são sempre situações traumatizantes para os filhos, especialmente quando os pais não têm o devido cuidado de os proteger, como me parece ter sido o caso!

    Mas animo para cima, o que lá vai, lá vai!!

    Gosto da nova foto! ;-)

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    1. Os pais nunca discutiram perto de mim. Nunca vi brigas ou ouvi qualquer ofensa. O que me custou foi o aparecimento desta pessoa na minha vida; na da mãe, mas, 'ao fim e ao cabo', na minha também. Outro rapaz teria ultrapassado melhor. Eu não consegui.

      Obrigado, Rúben. :)

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  11. Compreendo, ver alguém preencher o espaço do nosso pai é sempre difícil, mas a felicidade da tua Mãe também é importante. Ainda por cima, tens a sorte de ele nem viver aí em casa contigo, coisa que seria normalíssimo acontecer. Se pensares pela positiva, ainda vais perceber que és um sortudo, o que já não é mau.

    Abraço, Mark.

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    1. Obrigado, Arrakis. Fizeste-me ver as coisas numa outra perspectiva: de facto, poderia ser pior.

      Custa-me vê-los juntos. Repugna-me, de certa forma. E confesso que tenho imensos ciúmes dele. Lol

      abraço, Arrakis. :)

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  12. só posso comentar por experiência própria: quando o meu padrasto entrou na nossa vida, eu detestei-o. não só eu, como o meu cão. a minha mãe estava a dar-lhe uma fatia de pão-de-ló barrada com mousse e ele ferrou-lhe uma dentada na canela que lhe rompeu as calças. passaram-se muitos anos até eu o aceitar como companheiro da minha mãe. e se a minha mãe naquela altura me tivesse perguntado se eu gostaria que ele ficasse a viver connosco, eu, uma adolescente mimada, orgulhosa e parva, diria 'nunca, tu és minha, és minha mãe e ele é um estranho'. só há poucos anos amadureci e pensei que a minha mãe tinha todo o direito de ser feliz. tinha 37 anos e estava a viver os melhores anos da vida dela a cuidar de dois filhos sozinha. e eu nunca tinha pensado nisso. era a minha mãe, mãe, não uma pessoa que merecia ser feliz, repito, ser amada, como mãe, era um ser assexual e que nunca faria amor com ninguém. alguns anos depois, nascia a minha irmã :)
    bjs.

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    1. O episódio com o cão é realmente engraçado. Os animais conseguem ter uma sensibilidade impressionante. Claro que ele agiu por impulso próprio dos animais e não por saber que era 'o padrasto'. Agiria assim com qualquer estranho. :D

      Pois, eu há alguns anos pensava exactamente como tu: "odeio-o, larga esse homem!" Agora, sendo mais velho, e mais maduro, tenho absoluta noção de que a mãe merece ser feliz. Isso não mudará o que sinto por aquele sujeito. Continuará a ser um estranho para mim, nem que estejam juntos por mais trinta anos. Jamais lhe dei espaço para me conhecer ou para desenvolver qualquer tipo de intimidade ou de relação comigo.

      Não sinto que ele tenha roubado o espaço do pai. Roubou foi um pedacinho do meu, embora saiba que são sentimentos que não se confundem. Sou muito possessivo em relação à mãe. Também sei que a mãe ainda é uma mulher nova, com todo o direito de refazer a sua vida. Só lamento que tenha procurado tanto em vão. Enfim.

      Em relação a irmãos, apesar de a mãe ainda poder desfrutar das alegrias da maternidade, espero bem que não o faça. LOL Já a avisei nesse sentido. Vou ser politicamente incorrecto, mas não aceitaria, nem gostaria, de um irmão mais novo, para mais filho daquela criatura. :)

      um beijinho.

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    2. Foi muito generoso o testemunho na 1ª pessoa, da Margarida. Poucos o fazem!
      Procura ver os aspetos positivos. Pela experiência que me toca, no que a filho único diz respeito, e vivendo agora esta situação de pais com problemas oncológicos... um irmão faz muita falta! Aliás, pelos meus 16 já sentia esse vazio. Contudo, inúmeros são os casos que me podes referir de irmãos de sangue que nem da mesma família parecem (veja-se a minha mãe e a irmã que não mais quis saber da mãe, desde que esta adoeceu com alzheimer...).
      Abraço.

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    3. É verdade. A Margarida é uma vencedora.

      Eu tenho vários meios-irmãos. De pai e mãe, sou único, de facto.

      Atitude inominável da tua tia. Não se abandona um familiar, muito menos na doença.

      um abraço, Paulo.

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  13. Mark,
    Sinto muito cara, acho que no seu lugar faria o mesmo. Sempre fui muito próximo a minha mãe, e se isto fosse comigo, com certeza também odiaria o traste (mesmo que não fosse um) procuraria seus defeitos para conseguir pintá-lo de forma horrível e justificar meu ódio. A mãe da gente é um ser sagrado, e qualquer um que dela se aproximasse, com excessão do meu pai, teria, na melhor das hipóteses o meu desprezo.
    Sei que isto não é bonito, mas estou sendo profundamente sincero. Não escolhemos a quem amar assim como muitas vezes também não escolhemos a quem odiar, basta estar na posição errada e já é o bastante para não ser querido.
    Espero que fiques muito bem ;)

    Abraçoo.

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    1. Exacto, Tiago! Fiz isso tudo. LOL Peguei em todos os pormenores para diminuir a criatura aos olhos da mãe. Mas, às vezes, tem outro efeito: só conseguimos que o que sentem saia fortalecido. Faz lembrar aquelas garotas cujos pais odeiam os namorados e não as autorizam a casar com eles; elas fogem de casa, casam e vão morar bem longe. LOL

      Sim, é isso. Provavelmente se conhecesse aquele homem noutras circunstâncias teria uma imagem diferente a seu respeito (ou não, que eu sou muito esquisito com as pessoas que escolho para se relacionarem comigo). Seguramente não sentiria tanto desprezo.

      Muito obrigado, Tiago. Também espero que fiques bem e que tudo corra bem nesta nova fase da tua vida! :)

      um abraço.

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  14. Se o tratares como um colega da faculdade, um cliente do teu futuro trabalho ou algo assim do género, talvez se torne mais fácil lidares com a sua presença... :)

    A tua mãe tem o direito de ser feliz mas também devia ter-se preocupado mais contigo e ter conversado contigo teria certamente mostrado um pouco disso. No entanto, "errāre hūmānum est"...nem sempre é fácil compreendermos e perdoarmos. Perdoar não significa esquecer...significa que aos poucos aquilo que perdoamos deixa de nos magoar e afectar. :)

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    1. Mas pensas que lhe dou alguma importância? Eu não o trato de forma alguma; desprezo-o.

      Exacto. Jamais falou comigo ou perguntou o que pensava acerca disto tudo. Tomou as decisões que quis de forma unilateral, mesmo sabendo, creio, que implicariam mudanças significativas na minha vida.

      Nada há a perdoar. Não estou zangado com a mãe. Esquecer, claro, não esqueço. E dói.

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  15. Na altura que li este post ainda não havia comentários, e achei que talvez tivesses a ser demasiado 'sequestrador' do direito à felicidade da tua mãe. Agora que li os comentários e as tuas respostas, compreendo a tua posição um pouco melhor. Não és obrigado a gostar do actual namorado da tua mãe, claro. Será sempre um elemento estranho para ti, um elemento a mais. Só espero que te seja indiferente, mas que não te faça sofrer.

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    1. Às vezes também me pergunto se não serei injusto, tendo em conta o direito da mãe a ser feliz. Se calhar está na hora de procurar a minha vida e deixá-la ser feliz sossegada,

      Coelhito, não é um 'namorado'. É esposo.

      Sofrer, oh, sofre-se sempre.

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