14 de dezembro de 2012

Paracetamol.


   Quando pousei os livros no assento do lado, senti um formigueiro no braço. Estivera mais de uma hora de pé, segurando-os com precisão e técnica, afastando a menor possibilidade de algum resvalar e cair num pedaço de terra enlameada, o que nunca aconteceu.
   Ouvi as conversas gastas e desinteressantes sobre esta e aquela personagem que poderia perfeitamente ter saído da imaginação profícua de Almodóvar. Há pessoas mágicas e aquelas há que têm o dom de revirar a  vida do avesso, dando-lhe cor e, sobretudo, motivo de discussões dignas de uma qualquer idosa viúva que passa os dias entre o sofá carmim e a janela rente ao chão, onde afaga o seu gato enquanto fala com a vizinha.

   Agora estou a entrar na carruagem e a ver-me no reflexo do vidro da porta imediatamente à minha frente. Tento evitar os solavancos próprios da deslocação do comboio. Um rapaz, mulato, observa-me dos lugares. Identifico-o subtilmente. O seu rosto não me era estranho, embora não pudesse ter qualquer certeza evitando um contacto directo, o que rejeitei. A cabeça deixou subitamente de latejar após um intenso dia em que o mínimo movimento era doloroso.
   
   Soube que chuviscava lá fora. Dividi os livros entre mãos e segui para casa.

9 comentários:

  1. Excelente!
    Ler-te é um exercício de puro regalo.

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  2. Mulato?!

    Quero saber mais :)

    Abraço amigo

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  3. Tb gosto muito da tua escrita.
    Abraço

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  4. adorei, o metro serve tanto de inspiração. o meu problema é colocar no papel o que surge na memória à velocidade da luz. quem me dera conseguir como tu o fazes tão bem.
    bjs.

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  5. João: Obrigado! :)


    Francisco: Pareceu-me um primo de uma amiga, apenas. :)


    sad: Obrigado! E, mais uma vez, parabéns pelo PIXEL. Adoro. :')


    Margarida: Oh, escreves tão bem. No desafio dos contos revelaste-te uma exímia escritora. Além disso, a escrita não deve ser rápida; pelo contrário, deve levar o tempo necessário. :) Eu escrevo sempre num caderno. Só posteriormente passo para o blogue.



    abraços e beijinho :3

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  6. O que dizer pra você que ainda não tenham falado? Você escreve bem e sua escrita se lê docemente. Não cansa, é pausada no lugar certo! Continue sempre.

    Abraços!

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  7. O contacto visual seria a tua submissão. Já não conseguirias escapar pelo menos do cumprimento informal. Mas, quem sabe, até não poderia ser proveitoso... ;)

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    1. Sim, quem sabe. :) Além disso, não quis que ele percebesse que o tinha visto.

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