22 de dezembro de 2012

A cidade do Natal.


   A mãe não saía antes do almoço. Viagens pela manhã, não, certamente, porque dormir mais um pouco, sobretudo podendo, era um luxo que não deveria ser desperdiçado.
   Claro que o descanso era permanentemente interrompido pela minha ansiedade, pulando na sua cama até sentir os pés quentes sobre a colcha madrepérola. Tudo acabava, inevitavelmente, com um ataque de beijos. Oh, e que agradável era o seu perfume!

   A irrequietude, própria da infância, não havia lá por casa. Demasiado formal, apenas me excedia quando a excitação ruborizava o meu rosto. Nesses casos, dificilmente se evitaria um choro, por vezes prolongado, pedindo uma palmada que nunca conheci.

   Aprendi a dizer à mãe para ligar os faróis de nevoeiro. Rindo-se do conselho, cantarolava comigo algumas músicas natalícias. Quando, cansada, mergulhava no silêncio eterno dos adultos, ligava o rádio e, aleatoriamente, ouvíamos o que passava. A sua melancolia não me era indiferente - sabia que sentia a falta dos filhos mais velhos que, por decisão das partes, ficavam com os outros progenitores. Percebendo que melhor seria aproveitar o tempo que dispúnhamos, cuidava de mim como se pudesse perder-me a qualquer instante. Ganhou medo às separações - algumas assemelham-se a partos. Há cordões umbilicais que nunca se talham.




   O carro entrava nas muralhas medievais e adivinhava o destino, agora diante de nós. Via, invejando, a sua destreza em manobrar o veículo por entre as ruas de paralelepípedo, estreitas, mediadas por casas típicas e regionais. Não havia sentimento de pertença, apenas o confronto anual com uma realidade distinta da vivida até então. O tempo, em tenras idades, passa a um ritmo diferente, lento. O suficiente para o esquecimento incompreensível anos mais tarde.

   As luzes que iluminavam a praça principal eram pequenos pirilampos, estáticos, enfeitando os aros metálicos que uniam fachadas dispersas ao longo das avenidas. Pelo destaque na cidade pequena, dificilmente teriam o seu brilho eclipsado como ocorria na capital.
   Os meus olhos, impressionáveis, aprenderam a relativizar. Ano após ano, as luzes ficaram menos nítidas.
   Fundira-se a cidade do Natal.

16 comentários:

  1. Gostei muito :)

    Boas Festas :3

    Abraço

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  2. Adorei! Muito bom texto e reportou-me para o Natal de Óbidos :) Parabéns :)

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    1. Não conheço Óbidos, infelizmente. :'( Conheço tão pouco do nosso país...

      Falo de Estremoz. Os meus avós têm uma propriedade lá perto. :)

      Obrigado. :3

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  3. Não te sabia com raízes alentejanas. Gosto de Estremoz (e o castelo de Evoramonte tem um encanto especial). Tenho lá amigos e conhecidos e vou lá algumas vezes. Este verão vi lá o céu nocturno mais bonito da estação :)
    Abraço

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    1. sad, há muitas afinidades com o Alentejo, sim, por parte da minha família materna. :) Eu não conheço muito, mas do que conheço, gosto!

      abraço :3

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  4. Mark
    tens que começar a fazer umas viagens, nem é preciso serem muito longe.
    É imperdoável não conheceres Óbidos e é um saltinho aqui de Lisboa.
    Vai até Serpa e Mertola, no coração alentejano.
    Passa pela minha cidade, a Covilhã e visita a Serra da Estrela, descendo depois em direcção a Seia.
    No Verão conhece a costa alentejana, que é linda e tem praias maravilhosas.
    E no Norte, vai a Viana e a Ponte de Lima, que não te arrependes...
    Um bom Natal.

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    1. Da costa alentejana conheço um pouco. Sines, Milfontes, Porto Covo... por aí.

      É um bom roteiro. Falta de oportunidade, apenas. :)


      Bom Natal, João. :3

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  5. Feliz Natal, Mark! Gostei das suas memórias de infância.

    Abraços

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    1. Eu falo muito da minha infância por aqui. É um tema recorrente, quiçá pela sua importância na minha vida... O contraste com a vida adulta é doloroso.

      Feliz Natal e abraço :3

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  6. Que texto lindo! São memórias do coração =)
    Bom Natal para ti e para todos os teus.
    Um grande abraço.

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    1. Obrigado. :)

      Feliz Natal para ti também e respectiva família.

      abraço grande, Arrakis :3

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  7. nunca percas essas recordações da infância. são as que te alegrarão em momentos menos felizes.
    bom natal, Mark.
    bjs.

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    1. Não as perderei, Margarida. Elas completam-me e preenchem o vazio.

      Continuação de Boas Festas! '-'

      bjo :3

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  8. Estremoz tem dois restaurantes óptimos, o São Rosas e a Cadeia Quinhentista. E o Largo do Gadanha, claro. E o Castelo de Evoramonte, que me acompanhava na imaginação desde os livros da coleção Uma Aventura. E Vila Viçosa também é estupenda... ah, enfim, todo o país é fantástico.

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    1. Talvez conheça esses restaurantes, mas, pelos nomes, não estou a ver. :)
      Conheces bem a cidade! Eu conheço mais ou menos. ^^

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