11 de outubro de 2012

Os clássicos e a pena.


   A finalidade última de uma sanção penal é bastante antiga. A ideia de que a determinada conduta, errada, corresponderá uma medida punitiva, existe desde o início dos tempos. Arriscaria mesmo a dizer que em qualquer sociedade, mesmo na mais primitiva, existirão regras e as correspondentes consequências negativas para o incumprimento das normas pré-estabelecidas. De outra forma teríamos o caos.

   A ideia retributiva já estava presente em Platão (séc. V - IV a. C) e, mais tarde, em Kant (1724 - 1804). Dos tempos em que vigorava a Lei de Talião, «olho por olho, dente por dente», uma espécie de catarse, de vingança da vítima, já podemos encontrar este simbolismo. Para Platão, não existia um fim exterior à pena. A pena serviria para conciliar a pessoa consigo mesma. O próprio, assim, libertar-se-ia da injustiça cometida, da sua intemperança. Já Kant, na sua obra (fantástica, digo eu) Fundamentação da Metafísica dos Costumes, defendeu a tese de que a pena teria inevitavelmente de ser aplicada. O extremo do seu racionalismo é visível nesta obra. A pena serviria para que, cito, «o sangue derramado pelo assassino não recaia sobre os outros».

   Esta visão kantiana encontra também fundamento no Antigo Testamento: a responsabilidade colectiva, que é facilmente observável nas pragas infligidas aos egípcios por Deus, através de Moisés. Ou seja, se uma sociedade não pune uma conduta reprovável, assume-a. Existirá aqui, porventura, alguma leitura moral da pena.

   Hegel (1770 - 1831) não utilizava o sentido moral como ideia fulcral. Para este autor, o crime é a negação do direito; a pena é a negação do crime, logo, é a afirmação do direito. Hegel detestava as realidades substanciais: preteria-as às suas considerações lógico-formais. Pensava no crime como uma ideia; na pena como uma ideia. A pena, em si, é algo que se sofre.

   O crime é uma negatividade, sendo o nada e existindo como referência. Existe em relação ao direito, que se dirige como uma vontade da comunidade alicerçada em bens e valores. Ao negá-lo, o crime vê-se na sua força, o que implica um reconhecimento tácito do direito. É uma relação lógica de necessidade.

   Em Hegel e em Kant encontramos a racionalidade do agente. Para Hegel, punindo o criminoso, o direito reconhece-o como ser racional que conhece as regras a que está sujeito. Hegel vai mais longe: é como se o criminoso pedisse a pena. A pena honra-o, fazendo jus à sua racionalidade. Também em Kant, o criminoso sabe que vai ser punido: quer, decide, age.

   No plano das ideias, não haverá um vínculo lógico entre o crime e a pena. Todavia, como é evidente, não há pena sem crime.

10 comentários:

  1. Bom texto, Mark. Apesar de não estudar Direto, sei que ele é muito importante para o nosso dia a dia. O fato de não estarmos constamente à par dos nosso direitos e obrigações,não quer dizer que estaremos isentos de possíveis punições, caso algum crime cometemos.

    Sabemos que certos atos são condenáveis pela sociedade, por mais que não saibamos das consequências dos nossos atos.

    Abraços apertados,Mark.

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  2. Ah, uma aula de Direito, que bom...
    Fez-me regressar aos meus primeiros anos de faculdade onde também estudei Direito e tive como professor uma lenda desse tempo, o Didi!
    Já ouviste falar, suponho...Era o Prof.Dias Marques, não sei se ainda vive.

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  3. Francisco: Ainda bem. :)


    Citizen: É verdade, sem prejuízo de existirem os inimputáveis (menores até uma determinada idade e pessoas a quem os tribunais reconheçam a sua incapacidade de responder criminalmente). Mas, sim, regra geral, tenho de concordar em parte com Kant e com Hegel: sabemos as consequências dos nossos actos; somos responsáveis por eles.


    João: Achei que seria interessante esta dissertação. Envolve o Direito e um pouco de História, afinal. :)
    Por acaso, nunca ouvi falar desse professor, apesar de o nome não me ser totalmente estranho.


    abraços x3 :3

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  4. Direito, História e Filosofia. Que mais podemos dizer sobre a abrangência da tua análise?
    sabes que gosto muito do que escreves. Tanto podes escrever sobre o anfiteatro, a aula, sobre ti, matérias mais afectivas, como pegas num tema que para muitos é insosso - Direito - (para mim é), e cativas.
    és único.
    bjs.

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  5. Margarida: Muito obrigado! :)


    beijinhos :*

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  6. É curiosa a fundamentação filosófica do direito, sempre tão preocupado em justificar-se a si próprio. A filosofia kantiana era uma das minhas preferidas.

    E agora, num registo completamente diferente, andas a detestar a Nicki Minaj por estes dias?

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  7. Coelhinho: De certa forma. O Direito existe por algum motivo. :)


    Ahahahahah, ri-me imenso quando li a pergunta. xD Acho-a vulgar demais e o seu comportamento foi totalmente reprovável. Eu fiquei surpreendido, uma vez que elas até trabalharam juntas num single.


    abraço :3

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  8. Meu querido Mark:
    Com o título "Os clássicos e a pena" escreves sobre direito e história. Bem, como sempre, mas sobre direito e história... sei tão pouco para te deixar um comentário à altura.
    Deixa-me mudar o significado de 'pena' - aqui entendida no campo do direito para 'pena' - entendida no campo da escrita; sim a pena dos que escrevem; aí posso dizer-te que o modo como usas a tua 'pena' me deixa encantado sempre. Leio, mesmo que o assunto me seja estranho... mas leio com muito gosto, porque tu escreves muito bem.
    Um abraço com todo o carinho de quem te gosta muito.

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  9. Pedro: Muito obrigado! :)

    Oh, tudo o que possa ser escrito tem o seu valor. Quem sou eu? Tantas coisas que tu saberás e que eu não sei; tanto que terás para me ensinar; tanto que terei para aprender. Cada um de nós é um poço de sabedoria individual.


    abraço carinhoso :3

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