Parecia que caminhava sobre brasas, sentindo a pele a latejar na areia. A terrível mania que tenho de me descalçar mal entre na praia. De pequenos em pequenos pulos, aproximei-me, por fim, do lugar onde ficaríamos.
Molhei os pés na água fria do Atlântico. Adiei imediatamente a busca por tesouros perdidos; a temperatura não estava absolutamente nada convidativa. Reparei na limpidez da água, quando pude observar a areia sem pedras no fundo, agitando-se apenas um pequeno peixe que rapidamente se desviou de mim. Vi que estava numa baía, entre dois paredões que se circunscreviam sobre a porção de água que mais se assemelhava a um pequeno mar. Os barcos, pequenos e pouco velozes, deslocavam-se da esquerda para a direita e vice-versa, por vezes saindo da baía. Perguntei-me para onde iriam.
Os avisos feitos à mãe aquando da nossa chegada revelaram-se infundados. Uma primeira impressão, atenta, levou-me a gostar do lugar e da praia, calma e semi-deserta, como gosto. O ambiente algo familiar tranquilizou-me.
Ouvia-se castelhano à distância, por entre algum alemão e francês. Nas ruas, provavelmente mais solitárias pela crise, alguns turistas desafiam os revés da economia europeia, destacando-se os turistas espanhóis, cuja alegria e a boa disposição, típicas, contrastam com o manto negro, xaile de misérias, do lado de cá da fronteira. Passam mulheres de meia idade, de sacos na mão, cambaleando entre as pernas inchadas, queixando-se da vida num sotaque imperceptível aos ouvidos não acostumados, num dialecto que identifiquei como sendo uma mescla de alentejano e algarvio.
tac... tac... (...) tac... tac... (...) tac... tac... (...) tac... tac... (...) tac... tac... (...) tac... tac... (...)
O som de uma bola, que supus de ténis, levou-me a abrir os olhos. Por momentos esqueci-me de que não estava deitado, em casa. Síndrome de desabituação a viagens longas de carro. Um rapaz, quase esquelético, de cabelo aparado nos lados e mais comprido à frente, caído sobre o lado direito da sua cabeça, jogava com uma mulher da nossa idade, provavelmente, ruiva, que pressupus sua namorada. Todavia, um olhar mais atento revelou uma relação familiar, quiçá de irmãos. Turistas espanhóis.
Por cima da minha cabeça passava o fumo do cigarro da mãe, denotando a ausência de vento. Falava ao telemóvel com um empresário qualquer, justificando os seus dias de férias como se de um capricho se tratasse. Dei especial atenção ao som da bola de ténis cor-de-rosa, de forma a abafar a voz da mãe e as suas lamúrias.
Desta vez fiz poucas cerimónias e molhei o corpo até à cabeça. O rapaz espanhol decidiu entrar na água na mesma altura, mergulhando destemidamente (algo que nunca consegui fazer, nem nos anos em que tive natação por imposição do pediatra). Ao emergir, sacudiu a cabeça e olhou para mim. O seu cabelo ficara engraçado, colado à cabeça esguia. Parecia mais desordenado do que o meu, mesmo tendo-o mais comprido. Virei costas e continuei a nadar em direcção oposta.
Vi que continuava atento à minha presença, aproximando-se subtilmente. Murmurou umas palavras quaisquer, às quais acedi com um sorriso contemplativo e aí começámos a falar, em português e castelhano, despacito, de forma a nos entendermos. Soube que, habitualmente, vem a Portugal nas férias, é quase da minha idade, não aprendeu nada da língua portuguesa por preguiça e lamenta as águas frias da nossa costa atlântica.
Diariamente, o ritual repetia-se. Chegava mais cedo à praia e, algum tempo depois, chegava ele e a sua família. Trocávamos acenos, chegámos a jogar ténis de praia (sendo que fiz má figura).
Três dias bastaram para que me desse o seu email, que prontamente aceitei, tentando-o escrever na perna molhada com a ponta do dedo indicador. A pele absorveu cada letra soletrada. Não houve outro remédio que não memorizá-lo no telemóvel.
O meu último pensamento, ao regressar, viajou até aos rochedos, na praia, onde, sem saber o porquê, fui por momentos feliz.
Uma amizade de verão ;)
ResponderEliminarJá estabeleceste contacto pós-férias?
Estou a gostar das tuas férias, bem interessantes que as minhas ;)
Horatius: Oh, não aconteceu nada de especial. :3
ResponderEliminarNão. Provavelmente ele ainda estará pelo litoral alentejano. ;s
Achei que ele merecia que relatasse o contacto que se estabeleceu entre nós. : )
Quero saber mais :)
ResponderEliminarContinuação de boas férias ;)
Abraço amigo
Mark, que bom que suas férias foram bacanas. Gosto bastante de seus textos narrativos. Sua capacidade de escrever com uma lógica que não se perde na imensidão das frases.
ResponderEliminarAbraços brasileiros!
Francisco: Oh, nada há de mais relevante para contar. : )
ResponderEliminarTy: Obrigado. : )
abraços :3
Estou sempre encantado pela beleza como descreves as coisas, Mark. É bom ler-te :)
ResponderEliminartambém gostei muito, Mark, descreves os pequenos pormenores, como a bola de ténis, o corte do cabelo dele, a perna molhada com a sensibilidade que já nos habituaste.
ResponderEliminarse ele merece um contacto, por que não o fazes? :)
bjs.
Anónimo, o selvagem: Obrigado. : )
ResponderEliminarMargarida: Obrigado. : )
Já o adicionei para falarmos. : )
beijinhos :*
Delicioso!
ResponderEliminarQue essa amizade continue.
Abraço-te
Paulo: Abraço :3
ResponderEliminarWaaa! *w*
ResponderEliminarUma amizade nova! ^^
Que bom fofinho, bem mereces!
Tenho a certeza que vais gostar imenso de conversar com ele! :D
Tal como o Paulo, também faço votos que essa amizade continue e evolua! ^w^
Beijinhos e abraços :3
Horus: Obrigado, querido. ^^
ResponderEliminarhughie :333