29 de fevereiro de 2012

O novo professor.


 Eles gostam de furos no horário; eu não. Gostam porque vão até ao bar da faculdade discorrer sobre vários temas, desde os mais sérios aos mais fúteis, e eu só iria para beber algum sumo. Seria um bom desafio, não conhecesse eu todos os sumos da gama B!. Para mais, não há sabor "frutos dos bosques" na faculdade.
 Hoje, os planos saíram-lhes frustrados. Tivemos, finalmente, a aula prática de D. da União Europeia. Entusiasticamente, comecei o semestre admitindo, para os meus botões: "É desta que a professora-regente me convence de que a União Europeia é uma "coisa" boa!", mas, afinal, só me conseguiu - até agora - deixar com uma imagem pior do que aquela que já tinha. Sem qualquer demérito da sua parte que, verdade seja dita, é uma excelente professora.
 Quando o professor-assistente entrou na sala, senti os murmúrios exaltados de algumas colegas. Oh, big deal, é giro! Seriam capazes de viajar pelo mais ínfimo e longínquo país eurocomunitário só para poder desfrutar da sua companhia. Desde logo me incomodou a incapacidade de verem algo mais para além da primeira impressão.
 Indiferentemente, tirei o meu dossier e prontamente escrevi o nome do professor e o seu email.
 Será um homem na casa dos trinta. Estatura média, simpático e culto. Ao contrário das minhas colegas, superficiais, vi nele bem mais do que aquele charme indiscutível. Vi um desafio. Terá a capacidade, pela qualidade das suas aulas, de me tirar alguma da má imagem que tenho da U.E?
 Evidentemente, para o final da aula, eu já esboçava alguns sorrisos. A sua simpatia cativou-me. E, honestamente, comparo-o aos B! de que tanto gosto. Se é verdade que todos os sabores são bons, nem todos o serão como o de frutos dos bosques...



24 de fevereiro de 2012

De capa negra.


 Em breve poderei trajar. O meu espírito académico é nulo e, como cheguei a relatar num texto à época, não participei nas praxes. Na minha opinião - que se mantém - trata-se de um espetáculo humilhante cuja principal finalidade é a de divertir alunos que se julgam superiores aos novatos que acabaram de entrar. O facto de não ter participado, deixando-me humilhar, nesse dia infeliz, em princípio invalidaria o direito que eu teria de usar o dito traje académico. Contudo, eu não deixo que assim aconteça.
 Gosto do traje académico e consigo distingui-lo perfeitamente do fenómeno das praxes. Posso usá-lo mesmo que não tenha participado nas mesmas. Estará escrito em algum lugar que não o posso fazer? Retoricamente perguntei, mas objetivamente respondo: ao que tudo indica, há um qualquer código de praxes, o que não deixa de ser igualmente ridículo.
 Portanto, comprarei e usarei o meu traje. É um direito que me assiste. Estou quase a meio da licenciatura, tenho estudado este mundo e o outro desde setembro de 2010, logo, é mais do que um direito poder usar o meu traje sem qualquer correlação com as praxes e os enterros de caloiros que, confesso, me causa alguns arrepios.
 Os meus colegas - quase todos - participarão nessa, digamos, atividade. Não o farei, mas ainda estou em dúvida se irei, ou não, à faculdade.
 Provavelmente irei, embora saia mais cedo. Talvez passeie junto ao rio, isolando-me, como sempre foi habitual. Poderia usar a negra capa do traje como tapete mágico e encaminhar-me para um outro lugar, distante, mas isso são sonhos que deixarei para quando concluir a licenciatura.


21 de fevereiro de 2012

Riacho.


 Segunda-feira. Nas ruas, serpentinas espalhadas pelo chão. Uma varanda, que se erguia sobre um prédio amarelo torrado, exibia várias serpentinas dispostas em todo o seu comprimento. Várias crianças brincavam à medida em que caminhavam com familiares. Vi índios, fadas, princesas, cowboys, piratas e vi muita impaciência dos pais. Em criança, os pais não tinham muita paciência para mim, é verdade, mas deixavam-me viver o meu dia da forma que queria. Digamos que não tinha ninguém que me retirasse o sonho e a fantasia das mãos.
 Num jardim, parei numa ponte suspensa sobre um pequeno riacho. Debaixo, um grupo de patos nadava na água. Lembrei-me, então, dos passeios dados com a mãe pelos jardins da Gulbenkian. A perplexidade por não compreender o motivo que levava um pato a ter a penugem da cabeça verde enquanto os restantes a tinham branca. Tornava-se impossível para a mãe colocar-me no chão. O ímpeto da curiosidade de todo um mundo por explorar era um perigo. A vontade de entrar na água e de nadar com os patos era real.
 A mesma vontade que me tomou hoje. Podendo, entraria na água e nadaria riacho fora. Fiquei-me antes em terra e despi o casaco. Ao que tudo indica, a primavera chegou.
 Pode ser que ganhe embalo e voe com as andorinhas que se aproximam na época quente. Se uma quiser pousar sobre as margens do riacho, contar-lhe-ei as histórias da minha infância e dos patos.
 De noite, voltarei na corrente do curso de água.


19 de fevereiro de 2012

Mundo de Pedra.


 Chamei-lhe várias vezes de o caderno dos sonhos. Era-o, de facto. Para onde quer que fosse, ele ia comigo. Nele escrevia o que sentia naqueles momentos. Soltava o grito, muitas vezes, que tinha preso na garganta. Assinava e colocava a data por baixo de cada texto. Mais tarde, quando o abria e me dava ao trabalho de reler o que escrevera, encontrava sempre correlações com a atualidade.
 Coloquei os headphones e saí para reler o caderno. Pudera fazê-lo em casa, mas o Sol convidativo aliciava-me para que saísse. Pelo caminho, resolvi sentar-me num banco de madeira. Perto de mim, dois homens jogavam futebol, dando sucessivos chutes numa bola usada. Ao mesmo tempo que os via jogar, via também uma normalidade que não era a minha. Fora mais fácil deixar o caderno em casa e dar uns pontapés numa bola de futebol. Tratava-se de uma normalidade alheia, sim, mas também de uma realidade alheia. Não terei de ser quem não sou.
 Abri o caderno e folheei as páginas. Todavia, o meu olhar subia a cada parágrafo, podendo sentir as linhas a sumirem ante os meus olhos. Era-me humanamente impossível não reparar em como vivemos num mundo de pedra.
 Um mundo em que robôs substituíram os homens. No mundo de pedra, não mais existe lugar à diferença. Não se nasce, surge-se mediante processos de automatização. Todos iguais, sem diferenças, que - existindo - são extirpadas.
 Quis ser diferente e tornei o meu mundo real, humano. É assim que o sinto - e o caderno não me mentiu.
 Humano, assim, que um rapaz que ia a correr, escorregou, caiu e sangrou.
 Os robôs não sangram; não sentem.


16 de fevereiro de 2012

Encontros inesperados.


 Ultimamente, tenho sido assolado por situações estranhas. Não o direi porque sejam totalmente inusitadas, embora sejam verdadeiramente inesperadas.
 Há uns dias atrás, pesquisando no facebook pelos nomes de alguns colegas do Básico que saíram pelo meio, já lá vão uns aninhos, dei, finalmente, com o nome de uma das minhas melhores amigas daquele tempo. Sempre valorizei demasiado o passado e sempre perdi algum tempo pensando em pessoas com as quais perdi o contacto. Graças à minha boa memória, fixei o nome de quase todos os meus coleguinhas e, por isso, procurá-los e talvez encontrá-los não seja difícil. Por várias vezes coloquei o nome desta coleguinha no Google ou no facebook e obtinha as mesmas respostas: "Não foram encontrados resultados para o teu pedido. Verifica a ortografia ou experimenta outro termo."
 Desta vez, a minha tentativa deu frutos e encontrei-a. Adicionei-a de imediato (algo que não costumo fazer) e, para minha admiração, ela aceitou, reconhecendo-me. Éramos tão amigos. Ela saiu no 9º ano e, desde aí, os nossos destinos não voltaram a cruzar-se... até agora.

 Mas, as surpresas não ficariam por aí...
 Hoje, depois das aulas, quando me preparava para entrar no metro, resolvi não entrar no primeiro que chegou e aguardar pelo seguinte. Saíram dois polícias do metro que acabara de chegar. Dois PSP. Um deles olhou para mim e eu correspondi o olhar, reconhecendo algo naquele rosto, mas não conseguindo desvendar de onde. Colocaram-se atrás de mim. Fiquei meio constrangido. Passados uns minutos, um deles, alto, moreno, com uns olhos azuis intensos, aborda-me. Assustei-me um pouco, mas senti que iria interpelar-me, já que também sabia que o conhecia de algum lugar.
 Aproximou-se, sorrindo, e perguntou-me se eu tinha frequentado o colégio X, dizendo o meu nome, acertando em vários pormenores. Imediatamente, lembrei-me de que o conhecia do colégio, anos atrás, sendo ele um pouco mais velho do que eu. Perguntou-me que curso frequentava e disse que tinha gostado de me ver. Despediu-se, desejando-me felicidades, ao que correspondi, e afastou-se. Ao subir a escadaria do metro, olhou para trás.

 Fiquei perturbado por alguns momentos. Surgiram-me memórias na cabeça, como pequenas cenas de um filme que, lentamente, começa a passar. Recordei-me dele, de nós, em pequenos. Lembro-me - e à medida em que escrevo, vejo a cena - de estar debruçado junto a um muro e de ele surgir atrás, encostando-se a mim e insinuando-se. Fazia-o quando mais ninguém via. Era simpático, gentil. Não posso dizer que não gostava. Éramos adolescentes, na altura em que, provavelmente, as suas hormonas estavam efusivamente a serem produzidas pelo seu organismo.
 Fui tomado de uma estranha nostalgia, um desejo de regressar a esses tempos em que tudo era espontâneo. Certamente, ele lembrar-se-á desses momentos.
 Agi de uma forma fria, talvez devido à surpresa. Não me recordo do seu nome, não olhei para a sua identificação na roupa, apenas fixei um nome que me disse no momento em que me dava pistas, tentando que eu o reconhecesse. Um nome de uma terceira pessoa, na altura o seu melhor amigo no colégio.

 Comentei o sucedido com uma amiga. Disse-me que deveria ter sido mais «explícito e acessível».
 Explícito e acessível com uma pessoa que não vejo há anos? Não se trata de timidez; tratam-se de memórias. Apenas memórias. E as memórias devem ser tratadas como tal: guardadas e relembradas, quando possível, mas nunca renascidas.


15 de fevereiro de 2012

Sonolência.


 Entrei no anfiteatro. Vazio. Pensei no enorme contraste entre cada assento, disponível, e os momentos em que todas as bancadas estão preenchidas por alunos. A luz solar aclara a cor da madeira envelhecida e rabiscada durante anos. Jamais poderia imaginar em como aquele espaço, atemorizado por muitos, consegue transmitir tanta paz estando deserto. Sentei-me num lugar da bancada do meio, do lado direito para quem entra pela porta do mesmo lado. Encostei-me para trás no velho assento e senti a madeira a ranger a cada movimento que fazia. Um guincho que evidenciava anos de mau uso. Quantas vezes não os vi pular pelos assentos, fazendo acrobacias dignas de um triste circo!...
 Observei os escritos no suporte da bancada.

 "Ana Luísa 2008; Ponte da Barca the best; Amo-te Cláudia Sofia; Tou a morrer de tédio f***-**..."

 Cruzei os braços e encostei a cabeça sobre eles, tomado de uma estranha sonolência. Cerrei os olhos e consegui ouvir alunos a falarem no exterior. Invejei a energia que senti, o ânimo de «ir à biblioteca tirar apontamentos de Penal».
 Quando estava prestes a desfalecer perante um precipício, chamaram-me pelo nome e tocaram-me no braço. Era o R. Como se nunca o tivesse visto anteriormente, senti-o como um estranho que veio perturbar aqueles preciosos momentos que antecedem uma aula. Tirou o portátil e acedeu a um site de jogos online. Escutei o som de tiros e mortes, barulhos de guerras fratricidas e de bombas a despoletarem a todo o instante. A cada expressão facial minha de admiração, sorria. Pediu que me aproximasse para o ver jogar. O seu cabelo pareceu-me mais claro, embora o mesmo se devesse a um contraste com a sua camisola de capuz vermelha a condizer com os atacadores dos ténis.
 Afastei-me. Por que motivo chegara justamente naquele momento? Não, não o quero ter de novo por perto.
 O relógio do telemóvel avisou-me de que ainda tinha uns minutos.
 Naquele momento, vários alunos estavam já sentados e outros continuavam a chegar. Finalmente, os assentos começavam a ficar preenchidos, perdendo-se a paz que senti à minha chegada.
 Saí para comprar um sumo e para tirar uma bolinha na máquina dos brindes.


13 de fevereiro de 2012

Reinício.


 É sempre difícil recomeçar. Senti-me a meio de uma obrigação, impelido a regressar por pura responsabilidade. Definitivamente, não tinha saudades. Talvez porque me recorde da ansiedade vivida sempre que trespasso a ampla porta de vidro. Para amenizar, os raios fracos de sol que entravam pelas janelas do corredor aliviavam a dor de cabeça que, por momentos, me assombrou.
 Senti-me patético de dossier na mão. Senti que nunca mais cresço, embora tema querer voltar atrás quando me aperceber de que cresci.

"Olá Mark, estás bom?" (dois simpáticos beijinhos) "Oh, que giro, adoro o teu dossier!"

 A sua voz, estridente, fazia-me comprimir os olhos devido à dor latente. Será possível que reparem em tudo? Apeteceu-me esconder-me num buraco até começar a primeira aula, evitando, assim, o intenso rol de beijos e apertos de mão, dissertações enfadonhas sobre as notas e comentários acerca dos exames / orais e consequentes dias de "férias".
 As minhas mãos, agora frias, apertavam o dossier e o estojo de encontro ao corpo. Por pouco não os deixara cair, uma hora antes, durante o percurso no metro.
 Uma desculpa arranjada à pressa e consegui fugir para o anfiteatro, ainda vazio. Sentei-me no tradicional lugar a meio das bancadas e desatei a escrever o meu nome numa das folhas, por estrear, das novas cadeiras.
 Não houve aula. Atenciosamente, a professora poupou-me a ouvir a sua sapiência num dia não. Agradeci. A dor de cabeça não o pôde fazer porque, a esta altura, já se escapara, derrotada pela minha imaginação patente na folha. É bom gatafunhar às vezes.
 Saí do anfiteatro, sem olhar para trás e sem ir conviver no bar da faculdade.


12 de fevereiro de 2012

Whitney.



Para sempre, Whitney...

(1963 - 2012)



9 de fevereiro de 2012

Entre o passado e o presente.


  Portugal vive entre uma encruzilhada. Divide-se entre o seu passado, apoteótico, e o seu presente, ruinoso.
 À medida em que crescemos e mudamos, conseguimos, naturalmente, identificar semelhanças com a pessoa que fomos no passado. As marcas do tempo passam, mas há sempre sinais que nos relacionam, até quando nos detemos a olhar para uma simples foto: a pessoa é a mesma, talvez mais sofrida, contudo a mesma.
 Impossível será cortar com o passado, negando-o veementemente. O processo é uno, ininterrupto, e é esse que nos conduz até ao presente.
 Passos Coelho afirmou - indo de encontro à opinião de muitos portugueses - que o futuro de Portugal passará pelo investimento angolano. Agora como dantes, Portugal reaproxima-se das suas antigas ex-colónias, incluindo o Brasil, numa expectativa de investimento económico e apelando aos laços históricos que o une àqueles países.
 Martin Schulz, presidente do Parlamento Europeu, reagiu com indignação perante as afirmações de Passos Coelho, realçando que o futuro do país passa pela integração no quadro comunitário e não em apelos a países africanos, sobretudo porque se trata de um Estado europeu, com um modelo económico diferente que assenta, nomeadamente, e transcrevo: «num modelo democrático, estável», prevendo o «declínio» do país se não alterar as suas prioridades.
 Desvalorizando a intromissão em questões legítimas e internas de Portugal, Estado soberano (... e tantas dores de cabeça causa a soberania dos países europeus à União Europeia!...), Martin Schulz revelou um enorme desconhecimento do que são prioridades reais.
 Será difícil, admito, que um alemão entenda o que foi o passado de Portugal. A Alemanha teve colónias em África, de facto, mas as mesmas surgiram com a Conferência de Berlim e a consequente partilha de África, já nos finais de século XIX, e prolongaram-se apenas até 1919, com o Tratado de Versalhes (Paris), que acarretou graves consequências para a derrotada Alemanha, da I Guerra Mundial, que perdeu todos os seus domínios africanos. O império ultramarino alemão não durou mais de trinta anos.
 Schulz necessitaria de algumas lições. Deveria aprender que, aquando da chegada dos portugueses a Angola, em finais do século XV (1482), a União Europeia não existia sequer no imaginário do mais inspirado e sonhador homem europeu e de que a própria Alemanha, inclusivamente, não existia como moderno Estado europeu, surgindo apenas nos finais do século XIX com Bismarck. Trocar mais de quinhentos anos de História e de relações entre povos por uma organização internacional recente e moribunda parece-me despropositado, para mais porque ninguém de bom senso arriscará pedir uma desintegração portuguesa do quadro comunitário. Portugal pertence à U.E, mas não tem necessariamente de se relacionar apenas no seio da União. Há mais vida para além de Bruxelas.
 As fotografias antigas nem sempre foram belas. Muitas guardam um passado que é preferível esquecer e as cicatrizes deixadas por um colonizador nem sempre são fáceis de sarar. Mas, há fotografias belíssimas que convém guardar e estimar. Memórias de um tempo que não volta, mas de momentos que deixaram a sua marca.
 O perigo para Portugal não se resume só a um declínio irreversível. O verdadeiro perigo reside na sua capacidade de continuar, ou não, a aparecer nas fotografias. Entre o passado e o presente, que no futuro possamos dizer: "Eis aqui o meu passado!".


7 de fevereiro de 2012

O meu novo dossier.


 As aulas recomeçam em breve. Para mim, cada paragem significa bem mais do que uma simples interrupção; é o iniciar de um outro ciclo, trazendo novidades e surpresas.
 Irei às compras. Desta vez, seguindo o conselho de algumas pessoas, optarei por um dossier. Fui demasiadas vezes para a faculdade carregando os cadernos, pesados, no braço. Um dossier, para além de mais prático, permitir-me-á tirar apontamentos ao mesmo tempo que faço resumos para os testes: os apontamentos serão os resumos, uma vez que, modéstia à parte, tiro bons apontamentos nas aulas.
 Em criança, quando comprava um dossier novo, entrava feliz no colégio. Pequeno ou grande, de uma cor ou de outra, teria apenas de me deixar ansioso por utilizá-lo, colocando os separadores por disciplina e carregando-o com folhas novas prontas a serem escritas.
 Fiquei ansioso por ver o que irei comprar. Estou a criar expectativas relativamente à compra de um mero dossier, quiçá umas canetas e alguma coisa que veja e me interesse. Será, no fundo, uma necessidade de inovar, de começar algo diferente.
 Quando olho para trás, depressa me apercebo da impetuosidade do tempo. Antigamente, tudo parecia ocorrer mais devagar. A vida processava-se naturalmente, sem que desse conta de pequenos pormenores. Os dossiers, assim como o restante material escolar, surgiam na minha vida sem que programasse a sua compra.
 Segunda-feira recomeçarei as aulas, não de sorriso nos lábios, mas com o meu novo dossier.


6 de fevereiro de 2012

Sunday.


 Dia escolhido para arrumações. Não que eu necessite de guardar um dia específico para arrumar as minhas coisas, uma vez que sempre fui bastante organizado, mas os livros do primeiro semestre pediam-me um qualquer lugar numa estante. Os livros do primeiro ano tiraram-me todo o lugar disponível e como ainda não comprei uma outra estante, resta-me utilizar o espaço livre no escritório da mãe.
 Observei-os atentamente antes de os arrumar. Fico surpreendido com a minha capacidade de estudar sem causar qualquer dano visível nos manuais. Sou cuidadoso, sim, e recordo-me de ficar bastante incomodado, no passado, quando verificava que um livro tinha a capa ou alguma página dobrada, riscada ou simplesmente maltratada. O mesmo incluía as páginas, no interior. Cada livro é uma relíquia e deve ser estimado como portador de um conhecimento, mesmo os que facilmente ficam desatualizados. Naquela época, naquela edição, naquele momento, era assim que acontecia. Isso é muito importante.
 Vejo, também, o empenho da mãe e do pai em cada livro. Quantas vezes a mãe foi às livrarias comprar-me manuais difíceis de encontrar!, desviando-se da sua trajetória.
 Apenas lamento o cheiro a novo, típico de um livro saído da tipografia. Esse, perde-se a cada página lida e virada, a cada conhecimento adquirido. Salvem-se as frases não sublinhadas - e é com orgulho que o digo!
 Enquanto folheava alguns livros, a luz do Sol perdeu-se algures por entre as nuvens espessas. Pela janela, senti o quotidiano domingueiro, banal, trespassando a área circundante às árvores. Definitivamente, era domingo. Pousei o livro em cima da secretária da mãe, imaculadamente arrumada. Não gosto de domingos.


4 de fevereiro de 2012

Notas.


 Já saíram todas. O nervoso miudinho esteve até ao último momento, presente, implacável, torturador. Dizem, os entendidos no amor, que sentimos umas borboletas quaisquer no estômago, sintoma dos apaixonados, mas eu senti as mesmas borboletas a cada log in no site da faculdade. Não poderei dizer, com propriedade, que estou apaixonado pelo sítio da faculdade na internet ou até mesmo pelas cadeiras. Tentei dizer aos insetos para me deixarem sossegado, embora o pedido não surtisse efeito.
 Não foram más, o que significa que foram razoáveis. O adjetivo "bom", na faculdade, especialmente na minha licenciatura, corresponde a notas que almejamos, apesar de nem sempre as alcançarmos. Contudo - e uma vez que sou persistente / ambicioso - considero a minha prestação razoável, para que consiga, de futuro, torná-la boa. Sim, exijo demais de mim mesmo.
 Penso, penso, penso. Penso se farei, ou não, alguma oral de melhoria. Há imenso tempo que não visto um fato, com camisa branca, imaculada, e gravata. Nas orais, obrigatoriamente, temos de usar roupa formal. Gosto de gravatas. Gosto de roupa formal. Não vejo a gravata como uma corda prestes a sufocar-me; pelo contrário, é um adereço que aprecio. O problema é que sou avesso a situações de tensão e, podendo evitá-las, faço por isso.
 Vou tentar aproveitar estes dias que antecedem o início do segundo semestre. Talvez entre num foguetão e vá dar uma volta até à Lua. Poderia trazer comigo algumas pedras lunares. O que quereria mesmo era deixar uma pegada no solo lunar, assim como o fez Neil Armstrong, mesmo sabendo que não existe gravidade na Lua e que aquela pegada é surreal. Teria pena porque não poderia mergulhar em todas aquelas crateras gigantescas, com nomes de Mar, sem água.
 Pensando bem, dou uma volta por aí.



2 de fevereiro de 2012

Por entre as gotas.


 O frio não gosta da chuva. Quando chove, o frio diminui, mas os senhores da meteorologia dizem que não vai ser assim.
 Senti-me em cada gota de chuva que caiu ao início da noite. Se vivesse na floresta, perdido no meio do mato, teria colocado a panela à chuva e cozinhado. Falaria com a Natureza, teria os animais selvagens como companhia e provavelmente morreria devido às variações térmicas, se não encontrasse uma qualquer gruta ou um buraco numa árvore oca que me servisse de abrigo. Na gruta, encontraria um jaguar e deitar-me-ia sobre o seu pêlo sarapintado e espesso. O jaguar jamais me faria mal - pelo contrário - proteger-me-ia dos restantes animais ferozes. Pela manhã, quando a terra estivesse húmida, caminharia descalço e pediria ao jaguar se poderia utilizá-lo para me elevar às altas árvores, de forma a colher fruta tenra e fresca para comer. Já de tarde, poderia andar sem rumo até chegar à civilização, como poderia ficar para sempre no estado selvagem. Chegaria realmente à civilização ou entraria na selva?
 Esperei que a chuva parasse para sair de casa da avó. Tão ténue que era e não teria dado por ela se a luz de um poste elétrico não a denunciasse. Ao cair, pareciam pequenas fitas luminosas que se esbatiam no ar antes de embaterem no solo. Múltiplas e esguias, as gotas delicadas de chuva assemelhavam-se a um manto de um qualquer sonho exequível.
 Tivesse coragem e sairia calmamente sem me importunar se ficaria adoentado ou não. Arriscaria e percorreria a rua artificialmente iluminada até chegar a um destino.
 Em casa, não tive o jaguar, altivo e imponente, à minha espera. No frigorífico, encontrei fruta fresca.