4 de outubro de 2011

A cor da cidade que não suplanta o seu medo.


Observo a noite abafada de um verão tardio. A luz dos candeeiros da cidade não aumenta a fé; diminui a esperança. Pequenos insetos esvoaçam em torno das lâmpadas quentes, movendo-se imóveis pela falta da brisa noturna. O carro para num semáforo e empurra o meu corpo ligeiramente para a frente, esbatendo-me, de novo, suavemente contra o banco estofado. A oscilação foi o suficiente para que os meus cadernos coloridos e a legislação caíssem para o chão. Não me detive a apanhá-los. Congruentemente, o cinto de segurança só é retirado após a viagem terminar.

A mãe continua um pouco constipada e stressada. Vejo que não está bem, mas não a quero confrontar com o seu estado de saúde. Fragiliza-me vê-la adoentada. Coloco os headphones e ouço a versão Glee da It's Not Unusual do Tom Jones. Preciso de ânimo. A letra suave e apaixonada, todavia, não consegue afastar-me dos mais temíveis pensamentos.

                                      

Serão mais duas horas em Kampala, no Uganda; mais uma em Lilongwe, no Malawi. A noite, cá, não trará preocupações de maior. Calma e quente, a noite brilha na capital. A esta hora, alguém estará a ser agredido, violentamente torturado e preso, em alguns países africanos, por ser... gay. A reportagem visionada ontem na televisão mostrou líderes religiosos que culpam os europeus pela existência de sodomia em África. Debaixo do mesmo luar, uns sofrem na pele; outros, na consciência coletiva.

Paramos no Saldanha e compro mais um livro para a faculdade. Tantos preceitos e ética nas mãos e tão pouco nos corações dos homens. A música não teve um efeito tranquilizador. A impotência e o conformismo tomam as rédeas de um ativismo de sofá. Soltem-se os espíritos e o pop dos 60's! É chegada a altura de o som da música abafar o clamor desesperado dos inocentes. Até quando?

5 comentários:

  1. Gostei do modo como descreveste o momento. E, por vezes, a música não muda o estado de espírito para aquilo que queremos, mas para outro.

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  2. há muitos preceitos tb nos corações de muitos homens. felizmente o mundo pula e avança...

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  3. gostava de ter visto essa reportagem.. mas já sabemos como é, os direitos das pessoas ainda são muito precários nessas zonas do mundo. Percebo essa revolta mas pensa que não podes mesmo fazer nada, então o melhor é ouvir música xD ( gosto dessa )
    abc

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  4. Excelente a tua crónica; e a chamar a atenção sobre algo de muito preocupante...

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  5. Por vezes estou na cama, abraçado ao P, com ele já a dormir, e penso como o amor entre duas pessoas pode ser uma coisa maravilhosa, mas simultaneamente como há tantas pessoas no mundo empenhadas em destruir simplesmente a felicidade dos outros.

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