19 de janeiro de 2022

Da Inveja.


   Suponho que no ano passado terei escrito uma publicação semelhante, quiçá mais concisa. Agora que penso nisso, creio que publiquei uma única frase: “nunca o invejoso medrou nem quem ao pé dele morou”. Medrar, e em galego inclusive, significa crescer. Há pouco, a propósito do atavismo português, comentei que uma das causas que me parecem justificar o atraso estrutural de Portugal no contexto europeu é a cultural, de que pouco se fala, mas que explica muito. À inércia e ao comodismo, junta-se a inveja, um dos verdadeiros males que impedem que cada um faça por si deixando de olhar para os outros, para o seu êxito, ou ainda alimentando-se dos seus fracassos.

    O traço da pessoa cronicamente invejosa é fácil de determinar. Regra geral, a pessoa invejosa é mal-sucedida. Os planos frustraram-se-lhe a determinado momento da vida, em razão do avançar da idade ou da incapacidade de melhorar, provocando-lhe uma amargura permanente que se reflecte, por exemplo, na maledicência. A pessoa invejosa diz mal de tudo e de todos, queixa-se permanentemente, procura bodes expiatórios para os seus problemas e os conjunturais, lança boatos, propaga mentiras.

   A pessoa invejosa é, sobretudo, solitária, e a sua solidão advém-lhe da incapacidade de partilhar a alegria com os sucessos de outrem. Não significa isto que a pessoa invejosa não tenha a necessidade de manter relações com os demais, mas essas relações não perduram no tempo, são frágeis, instáveis, o que a leva constantemente a estabelecer outros vínculos, efémeros, pontuais.

    Depois, a pessoa invejosa pode ou não ser cobarde. Geralmente, é-o. Faltam-lhe vários atributos para poder progredir, ou tão-somente para poder provocar um verdadeiro dano a alguém. Resigna-se na sua condição, e fermenta, ano após ano, ao estar fatalmente sozinha, todas as características más que reúne em si.

  Não as devemos temer, nem dar-lhes importância excessiva. Devemos mantê-las à parte, cautelosamente afastadas, onde devem estar, e jamais deixarmo-nos influenciar pelo que dizem ou fazem. Ao invés, a compaixão, porque finalmente são pessoas que sofrem, ainda que o procurem dissimular, deve ser o sentimento presente quando a elas nos referimos ou quando com elas tratamos.

6 comentários:

  1. A inveja corrói-nos e não resolve nada :)

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  2. Tem razão quando refere a negatividade relacionada com este tipo de sentimento.
    No entanto creio que de inveja, em todas as suas vertentes, mais ou menos corrosivas, sofrem mais pessoas do que pensamos ou, na nossa ingenuidade, poderemos ser levados a acreditar.
    Não penso que eu esteja isento, muitas vezes dou por mim a invejar e, em simultâneo, admirar, mentes brilhantes, com as quais tenho o prazer de cruzar caminho.
    Quantas vezes não fico invejoso da facilidade com que discorrem, ultrapassam dificuldades (que para mim são intransponíveis), criam soluções (as quais nem sequer me acorriam à minha racionalidade) e resolvem problemas, que me são irresolúveis. Não consigo deixar de invejar estas mentes e aproximar-me delas, talvez à espera que, quiçá por osmose, as facilidades que têm a sorte de possuir ultrapassem barreiras e me invadam.
    Inveja de coisas materiais, creio que não me afligem muito, pois, até hoje, aquilo que necessitei, consegui mais ou menos possuir, ou, pode igualmente acontecer, talvez eu não seja muito ambicioso - talvez seja este o meu problema.
    As minhas invejas, e não deixam de o ser, são viradas para o saber e capacidades de trabalho e de raciocínio, ou pelos menos, são destas que dou conta.
    Invejas de outra índole, estou seguro que existem à minha volta, e talvez não me aflijam muito (terceiros, que me rodeiem, poderão ter uma opinião mais avalizada sobre este assunto, pois não é fácil olharmo-nos de forma neutra e imparcial).
    No entanto o seu discurso tem razão de ser, e nunca é demais alhearmo-nos de pessoas negativas. Não se combatem, antes se evitam cuidadosamente, ou pelo menos, este é o meu método
    Um bem-haja e continue com o seu caminho tranquilo e assertivo. Ele faz sentido
    Manel

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    1. Olá, Manel.

      Obrigado, uma vez mais, pelo testemunho e pela análise.

      Todos, de uma forma ou outra, invejamos e invejámos. Eu creio que devemos fazer uma distinção entre aquilo a que chamo “inveja boa”, quando vemos algo -material ou não, inclusive um estado, uma situação- em alguém que gostaríamos de ter, o que é legítimo, e a “inveja má”, quando vemos algo, mais uma vez material ou não, que gostaríamos de ter e que nos faz alimentar sentimentos negativos pela pessoa em questão, porque tem e nós não, e ao mesmo tempo nos amargura, no faz ser piores. A primeira deve até ser assumida. Quer dizer, eu não acho que nos devamos sentir culpados por querer algo que outro tem. Se tal não fosse assim, não seríamos praticamente todos iguais nas roupas, nos carros, nas ambições… Se o Manel reparar, poucos são os que se distinguem entre os seus pares, seja no que for. Influenciamos e somos influenciados. Inova-se pouco.

      Também não quero, com esta reflexão, passar a ideia de que me acho uma excelente pessoa. Não o sou. Tenho imensos defeitos. Mas sei os que não tenho, e isso é importante. Por exemplo, não sou cobarde. O que tenho a dizer, digo. Não me escondo atrás de um anonimato, como me fazem e vejo fazer. Prefiro que o outro pense mal de mim por aquilo que lhe disse do que o fazer sem que saiba que sou eu, confortavelmente anónimo. Nas redes sociais, designadamente.

      Cumprimentos, e obrigado pelo apoio lá no canal. Recebi um comentário que quase de certeza é do Manel. :)

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  3. Sim Mark, o comentário é meu, e fiquei encantado com a sua iniciativa. Vá em frente pois a sua voz é necessária em muitos campos. Os parabéns.
    Manel

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    1. Muito obrigado! O Manel nem imagina o quão valorizo a sua opinião!

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