31 de janeiro de 2022

O acto eleitoral.


   Ainda meio de ressaca da viagem de regresso, acompanhei o acto eleitoral de ontem. Foi uma noite longa, surpreendente, que alterou a estrutura da nossa composição parlamentar como há muito não se via. Se nas eleições de 2019 tivemos a entrada no parlamento de novas forças políticas, como o Livre, o CHEGA e a Iniciativa Liberal, agora duas delas cresceram exponencialmente em número de mandatos. Passaram de 1 a 12 e a 6, respectivamente. A extrema-direita coloca-se como terceira força política, num país que até há poucos anos era dos dois únicos na Europa sem esta corrente nos seus parlamentos. Faço minhas as palavras que escutei ontem em Daniel Oliveira: num país com 50 anos de ditadura de direita conservadora e colonialista, de certa forma até era estranho que essa parcela da população que acalenta um regresso àqueles tempos não tivesse representação parlamentar, porque sempre existiu. Acrescento eu que não tinham um líder, e agora têm-no.

    Bloco de Esquerda e PCP + PEV (CDU) sofreram os reveses do voto útil no PS para afastar o papão da direita (uma incógnita, efectivamente, sem se saber como se comportaria o PSD com a IL), e muito para isso ajudaram as sondagens com os empates técnicos entre os dois partidos do centrão. As pessoas mobilizaram-se como há muito não o faziam, e o decréscimo na abstenção isso o indica, sabendo que tudo estava em aberto e que seguramente que o seu voto contaria.

  Jamais imaginei que António Costa conseguisse a tão acalentada maioria absoluta, visto que insistentemente a pedia. Julguei até que teria um efeito contraproducente, porém, a dita incerteza que a comunicação social com tanta eficácia propagou levou a que o eleitorado se decidisse pelo seguro, e agora o PS tem quatro anos pela frente de governo blindado politicamente, com um controlo político da Assembleia da República mitigado (nas maiorias absolutas, o governo quer, o parlamento faz) e um Presidente da República que sai enfraquecido no que lhe resta deste segundo mandato. Veremos como será a coabitação entre estes dois órgãos de soberania em consonância (Governo e Assembleia da República) + Presidência da República.

     O PSD perde em toda a linha, que um partido com aspirações de governo que não consegue o poder após tantos anos de desgaste do seu adversário só pode encarar este resultado como uma derrota. Cada um julgará se a derrota se personaliza no seu líder, no posicionamento do partido na forma como se apresentou ao eleitorado ou no mérito do PS. Quanto a mim, o povo apercebeu-se de que nada mais poderia ser exigido a Costa num governo que teve de lidar com uma inesperada pandemia, além de que o país cresceu; pouco, mas cresceu (economicamente falando).

   Outra surpresa foi a não-eleição de qualquer deputado do CDS. O partido vinha em sentido decrescente desde Cristas, pelo menos, e nem sequer o seu cabeça de lista e líder conseguiu eleger. Este resultado desastroso (e não somente mau, como referiu Rodrigues dos Santos no rescaldo) merecerá alguma reflexão, uma vez que o eleitorado do CDS não é o eleitorado do CHEGA, extremista sem consequência, ou do IL, liberal sem preocupações ou consciência sociais. É um eleitorado conservador de direita, mas fundado na doutrina social da Igreja. Um eleitorado que se dispersou pelo CHEGA, pela IL e pelo PSD porque vê o partido numa indefinição. A liderança de RS tão-pouco ajudou. O melhor que podia fazer foi o que fez: apresentar a demissão. Falhou em toda a linha.

    Para concluir a ronda, o Livre elegeu um deputado (também me surpreendeu depois de toda aquela novela com a Joacine) e o PAN por pouco fica fora, o que igualmente me causou certa perplexidade. Lá foi novamente o voto útil para o PS.

   Entre vencedores e derrotados, os portugueses quiseram jogar pelo seguro (ainda que no meu entendimento as maiorias absolutas tenham pouco de seguro), dizendo ao PS que querem um governo estável, de quatro anos, e que siga o caminho que consideram correcto, afinal, trata-se de um respaldo às políticas económicas e sociais de António Costa, que assim pode igualar Cavaco Silva como o dirigente político pós-Abril de 74 que mais tempo governou, num terceiro governo, desta feita de maioria absoluta, insólita e inédita.

9 comentários:

  1. Sim, foi de facto uma maioria absoluta inesperada para o PS. Ninguém estava à espera. O PSD foi vítima da indefinição face ao Chega, e tendo como histórico o que aconteceu nos Açores, as pessoas tiveram medo. Existem muitos LGBTI+ de direita, mas que têm medo do Chega, e portanto na altura de votar pensaram mais do que uma vez.

    O BE e a CDU, foram "compensados" pelo chumbo do Orçamento. As pessoas queriam um governo do PS, mas controlado pelos partidos da esquerda. Essas forças políticas não perceberam o "recado" e em prol do seu próprio proveito político (e de alguma sobrevivência) resolveram castigar o PS, quase que a mostrar que ou se portava bem ou... e muito do eleitorado pensou: já assistimos a este filme antes, e depois entrou a Troika e os cortes além da Troika, e ganhou medo.

    Sobre o Chega, está na sua fase ascendente, que irá bater no seu teto máximo e a partir daí vai cair e desparecer. O eleitorado do Chega sempre existiu, mas estava disperso noutros partidos, noutros projetos, muitos nem sequer votavam e acima de tudo era um eleitorado envergonhado. O Ventura fez com que estas pessoas ganhassem orgulho em serem racistas, machistas, homofóbicos etc.

    Posto isto, teremos que nos manter sempre vigilantes porque a democracia não está a salvo. Nunca o está, é certo, mas agora, mais do que nunca, está mesmo ameaçada de uma forma como nunca esteve.

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    1. Como disse Catarina Martins, amanhã (hoje) temos deputados mais racistas. Confesso que ainda me parece estranho acordar sabendo que Portugal de um momento para o outro tem a extrema-direita como terceira força política.

      Não sou tão optimista. Creio que vieram para ficar, à semelhança do ocorrido em toda a Europa.

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    2. Melhor dizendo, temos mais deputados racistas (e não deputados mais racistas). Bom, se calhar também.

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  2. Eu votei IL. Portugal tem uma carga fiscal excessiva que impede o desenvolvimento do país. Basta analisar todos os rankings para ver que os portugueses são os que mais pagam impostos na Europa, e isso faz com que a economia não cresça. São impostos, taxas e taxinhas que não atraem o investimento e retraem o consumo das famílias.

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    1. Respeito, mas discordo. Concordo em que Portugal tenha uma carga fiscal excessiva, claro, é um dado objectivo, mas não acho que o liberalismo puro e duro traria nada de bom, pelo contrário. E creio que já explorei os motivos aqui no blogue. Portugal é uma sociedade desigual, cheia de injustiças sociais, e a aplicação dessas medidas acentuariam mais as desigualdades. Ficaríamos sem um sistema de saúde gratuito, com uma educação paga... seria o caos. Os mais pobres ficariam sobrecarregados de créditos para pagar aquilo que hoje têm tendencialmente gratuito, ou gratuito, efectivamente, se provarem os parcos rendimentos.

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  3. Continuo em choque pela maioria absoluta. Previa-a, é bem verdade, mas não a acreditava efetivamente.
    De acordo com a experiência, tudo o que foi maioria absoluta em Portugal nunca teve bom resultado. A corrupção e o nepotismo grassaram.
    O poder corrompe, quaisquer que sejam os governos.
    Não estou satisfeito, de forma alguma, quaisquer que sejam as razões que me apresentem para justificar este resultado.
    Desejo que tudo vos corra pelo melhor, um futuro risonho, e muitas felicidades
    Manel

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    1. Também não gostei do resultado. É tal qual o Manel disse: maiorias absolutas degeneram em abusos de todo o tipo, e ainda por cima num governo há seis anos instalado. Começa a estender os tentáculos. Enfim.

      Uma pergunta: tenho curiosidade em saber o que o Manel acha da nossa passagem por Madrid e das nossas férias em Budapeste. Confesso que fiquei expectante com uma impressão sua.

      Cumprimentos!

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  4. Madrid é uma terceira casa para mim, sendo a segunda Barcelona.
    Estou em Madrid muitas vezes, nunca deixo passar a visita ao triângulo de ouro: Prado, Thyssen e Rainha Sofia.
    E gosto de flanar pela capital espanhola, e aproveito sempre para o fazer quando a caminho de Barcelona.
    Quanto a Budapeste não conheço. Talvez passe a ser um destino posterior, visto que espero reformar-me em breve.
    Mas gosto muito de o ler e sobretudo perceber aquilo que o moveu na capital húngara.
    Li vários livros sobre esta capital, e desenvolvi ao longo do tempo alguma curiosidade. Também conheci alguns húngaros, e mantive conversas interessantes sobre aquela cidade durante muito tempo.
    Li uma obra muito interessante duma família nobre húngara, abastados, dedicados à música e à arte em geral, que se refugiou em Portugal, em que o chefe dessa família, Andor Hubay-Cebrián, acabou por ocupar o lugar de diretor artístico da Vista Alegre durante algum tempo. Sei que mantiveram uma batalha legal para reaver muitas das obras de arte que lhes foram confiscadas pelos russos, aquando da tomada do poder na Hungria. Habitavam um palácio nas margens do Danúbio, não me recordo se em Buda se em Peste.
    Mas estou a gostar de ler as suas descrições, mas não lhe posso dizer muito, pois não conheço a cidade a não ser pelas descrições e relatos.
    Fico encantado por poder usufruir destes locais míticos.
    Tudo de bom para vós, e continuem com os vossos périplos, são revitalizantes
    Manel

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    1. Olá, Manel

      Com tantas opiniões favoráveis a Barcelona, fico entusiasmadíssimo! Em Madrid, infelizmente, por uma questão de gestão do tempo e porque a viagem até ali se deu por não haver vôos para Budapeste desde a Galiza, não pudemos ir aos museus. Quis muito, mas não tivemos tempo. Vimos o essencial do essencial.

      Budapeste realmente ainda não é daqueles destinos previsíveis. Um amigo daqui chamou-lhe “exótico”. Irei continuar a publicar sobre a nossa viagem, agora estimulado por saber que o Manel está atento (já sabe que valorizo muito as suas impressões).

      Cumprimentos!

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