31 de março de 2019

Missing (1982).


   Em 1973, mais precisamente no dia 11 de Setembro, Augusto Pinochet promove um golpe de estado, derruba o governo socialista de Salvador Allende e instaura uma ditadura militar que se estende até 1990. O número de desaparecidos é ainda desconhecido. As violações dos direitos humanos foram uma constante.

   Missing passa-se nos tempos iniciais do golpe, retrocedendo, em alguns momentos, ao próprio dia 11. Um periodista norte-americano, Charles Horman (John Shea), a morar no Chile com a mulher, Beth (Sissy Spacek), desaparece misteriosamente. O seu desaparecimento levanta suspeitas desde logo. Por um lado, poderia estar escondido, pelas suas ligações à esquerda. Pelo outro, impedido de regressar. O Chile estava em estado de sítio decretado, com recolher obrigatório. E ainda se punha a hipótese de haver fugido do país, com outros jornalistas norte-americanos. É nesse contexto que o pai, Edmund (Jack Lemmon), viaja desde Nova Iorque até Viña del Mar, no Chile, onde o filho e a nora residiam, encetando, com esta, uma investigação particular, todavia com o auxílio do consulado e da embaixada dos EUA.



   Costa-Gavras, o realizador, foi exímio no retrato daqueles penosos dias para os chilenos. As pessoas eram abatidas como tordos pelos militares. O Chile suspendeu por completo todas as convenções internacionais de protecção da pessoa humana. Vemos cadáveres por todo o lado. Chega a ser incomodativo ouvir o som do alarme do recolher e das armas a disparar, permanentemente. Os militares ocupavam as ruas. Ir ao mercado, um quarteirão abaixo, era pôr em perigo a própria vida. Tudo podemos observar no filme. Não admira que tenha sido proibido durante a era Pinochet.

   Depois, percebemos as relações de extrema proximidade entre os EUA e a ditadura militar chilena. Aliás, nunca fica claro se os norte-americanos deram o seu consentimento para a execução de Charles Horman. É que se impunha a questão de se saber se os militares chilenos ousariam tomar a decisão de eliminar um norte-americano sem a anuência de Washington. Parece difícil. Tal atitude poderia pôr em causa as relações entre Pinochet e Nixon, e o primeiro precisava do apoio dos EUA para derrubar a ameaça socialista nos Andes. Horman sabia demasiado, e sabia inclusive que os EUA poderiam - à época era só uma suspeita - estar envolvidos no golpe de estado. Estavam-no.

   A acção do filme, não obstante termos cenas em abundância com John Shea, desenrola-se entre Sissy Spacek e Jack Lemmon, em duas interpretações fantásticas, com destaque para Lemmon, que veste as peles de um pai que toma conhecimento das atrocidades que os militares chilenos, com o apoio do seu governo, cometem no Chile. Um empresário americano, cidadão médio, e uma nora, também ela oriunda dos EUA, que alternam entre a negação e as evidências: os americanos tinham as mãos manchadas de sangue, inclusivamente do sangue do seu filho único e marido. A própria sociedade americana se dividia: apoiar ou não a política intervencionista do seu país em questões internas de outros?

   Resta acrescentar que o filme ganhou o Oscar para Melhor Argumento Adaptado. A estória é real, verídica. Após a sua estreia, causou uma onda de protestos que atingiriam também a administração norte-americana (Nixon e Kissinger). Houve processos judiciais, de um e do outro lado, do pai e até do embaixador dos EUA.

   O maior mérito de Missing, se lhe podemos chamar assim, é, de uma forma honesta, brutal e verdadeira, testemunhar um acontecimento trágico, pela violência, e aqui sem valorações políticas, que afectou não só o Chile como todo o mundo, bipolarizado durante aqueles anos e até à queda do bloco soviético.

6 comentários:

  1. Fiquei curioso em ir ver o filme

    ;)

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    1. Só se for na internet. Eu vi-o na Cinemateca.

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  2. Sensacional! Jack está portentoso, como sempre, neste filme.

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  3. Vi este filme há vários anos, e, na altura, impressionou-me, pois todos sabíamos a situação vivida naquele país após o golpe de estado do famigerado e de má memória Augusto Pinochet.
    Esta personagem tenebrosa, nos últimos anos de vida, andava pela Europa fora, qual simpático e triste avozinho, a pedinchar ajuda para os seus problemas de saúde, que os mauzões do juiz espanhol, de alguns ingleses (porque a famigerada Dama de Ferro até o apoiou) e das pessoas com memória em geral lhe negavam. Isto é, não lha negavam, mas pretendia-se que pagasse pelos crimes que tinha cometido, e foram muitos, de todo o tipo e qualidade.
    Gosto imenso dos filmes de Costa-Gavras, o francês de origem grega que soube filmar como poucos, e produziu obras cheias de situações estranhas mas muito cativantes, como é o caso do "Enigma da Caixa de Música", que ainda hoje revejo com prazer.
    Uma boa semana
    Manel

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    1. Olá, Manel.

      Esse que citou ainda não vi. Obrigado pela sugestão.

      Pinochet morreu antes de responder pelos seus crimes. Recordo-me dessa situação aqui na Europa.

      Uma boa semana.

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