Em 1973, mais precisamente no dia 11 de Setembro, Augusto Pinochet promove um golpe de estado, derruba o governo socialista de Salvador Allende e instaura uma ditadura militar que se estende até 1990. O número de desaparecidos é ainda desconhecido. As violações dos direitos humanos foram uma constante.
Missing passa-se nos tempos iniciais do golpe, retrocedendo, em alguns momentos, ao próprio dia 11. Um periodista norte-americano, Charles Horman (John Shea), a morar no Chile com a mulher, Beth (Sissy Spacek), desaparece misteriosamente. O seu desaparecimento levanta suspeitas desde logo. Por um lado, poderia estar escondido, pelas suas ligações à esquerda. Pelo outro, impedido de regressar. O Chile estava em estado de sítio decretado, com recolher obrigatório. E ainda se punha a hipótese de haver fugido do país, com outros jornalistas norte-americanos. É nesse contexto que o pai, Edmund (Jack Lemmon), viaja desde Nova Iorque até Viña del Mar, no Chile, onde o filho e a nora residiam, encetando, com esta, uma investigação particular, todavia com o auxílio do consulado e da embaixada dos EUA.
Costa-Gavras, o realizador, foi exímio no retrato daqueles penosos dias para os chilenos. As pessoas eram abatidas como tordos pelos militares. O Chile suspendeu por completo todas as convenções internacionais de protecção da pessoa humana. Vemos cadáveres por todo o lado. Chega a ser incomodativo ouvir o som do alarme do recolher e das armas a disparar, permanentemente. Os militares ocupavam as ruas. Ir ao mercado, um quarteirão abaixo, era pôr em perigo a própria vida. Tudo podemos observar no filme. Não admira que tenha sido proibido durante a era Pinochet.
Depois, percebemos as relações de extrema proximidade entre os EUA e a ditadura militar chilena. Aliás, nunca fica claro se os norte-americanos deram o seu consentimento para a execução de Charles Horman. É que se impunha a questão de se saber se os militares chilenos ousariam tomar a decisão de eliminar um norte-americano sem a anuência de Washington. Parece difícil. Tal atitude poderia pôr em causa as relações entre Pinochet e Nixon, e o primeiro precisava do apoio dos EUA para derrubar a ameaça socialista nos Andes. Horman sabia demasiado, e sabia inclusive que os EUA poderiam - à época era só uma suspeita - estar envolvidos no golpe de estado. Estavam-no.
A acção do filme, não obstante termos cenas em abundância com John Shea, desenrola-se entre Sissy Spacek e Jack Lemmon, em duas interpretações fantásticas, com destaque para Lemmon, que veste as peles de um pai que toma conhecimento das atrocidades que os militares chilenos, com o apoio do seu governo, cometem no Chile. Um empresário americano, cidadão médio, e uma nora, também ela oriunda dos EUA, que alternam entre a negação e as evidências: os americanos tinham as mãos manchadas de sangue, inclusivamente do sangue do seu filho único e marido. A própria sociedade americana se dividia: apoiar ou não a política intervencionista do seu país em questões internas de outros?
Resta acrescentar que o filme ganhou o Oscar para Melhor Argumento Adaptado. A estória é real, verídica. Após a sua estreia, causou uma onda de protestos que atingiriam também a administração norte-americana (Nixon e Kissinger). Houve processos judiciais, de um e do outro lado, do pai e até do embaixador dos EUA.
O maior mérito de Missing, se lhe podemos chamar assim, é, de uma forma honesta, brutal e verdadeira, testemunhar um acontecimento trágico, pela violência, e aqui sem valorações políticas, que afectou não só o Chile como todo o mundo, bipolarizado durante aqueles anos e até à queda do bloco soviético.