19 de fevereiro de 2017

Os portugueses no Brasil.


    Há dias, perdi um amigo. Zangámo-nos. Um amigo que não conheço pessoalmente, que mora do outro lado do Atlântico, no Brasil.
    Não subestimo as amizades virtuais. Tenho amigos que o começaram por ser através de redes sociais. Isso não me causa qualquer problema de maior. Considerava-o um amigo. Partilhávamos um pouco da nossa vida, chegámos a conversar através da cam, acompanhávamos a rotina um do outro. Brigámos devido a divergências históricas e ideológicas. Há aquela velha trilogia, "futebol, política e religião", que periga muitas amizades. Assim foi.

     A História não é uma ciência exacta. Os factos, esses sim, são exactos. As perspectivas são divergentes. Pela Europa, tendemos a romantizar a ocupação que efectuámos, assumo, mas pela América, nomeadamente, tendem a diabolizar os europeus, sobretudo pelo ensino escolar, que fomenta estes rancores. Ambos estão certos e errados, simultaneamente. Eu não isento os portugueses de erros. Claro que os cometemos. Mas não fomos, nem de longe e nem de perto, os vilões. Não chegámos ao paraíso. Os ameríndios praticavam a antropofagia. Na América espanhola, faziam sacrifícios humanos. Não há melhores e nem piores. Somos todos homens e somos imperfeitos, independentemente da nossa procedência. Se por cá aprendemos a vermo-nos como os grandes civilizadores, por lá somos os terríveis invasores que trouxeram o caos a um mundo de beatitude, salvo raras excepções: conheço brasileiros que têm, quanto a esta matéria, uma visão esclarecida.

      Procuro adoptar uma postura justa. Sim, tomámos terras alheias, mas fomos os obreiros do Brasil. Expandimo-nos para lá do que nos pertencia por direito, conforme o delimitado em sucessivos tratados com os espanhóis, e deixámos, em 1822, o Brasil com praticamente a sua configuração actual (o Acre viria depois, já após a independência). Deixámos um país com uma massa geográfica que o torna no quinto maior do mundo, com uma língua que o une e evita a desagregação, com uma cultura que o torna distinto. Não haveria Brasil sem os portugueses. Ponto final. Por mais que à esquerda revolucionária custe, assumamos a verdade sem medos. Haveria outros países, com outras línguas, com outras culturas. Basta observar a miríade de países que resultaram das independências dos vice-reinados espanhóis. Os neerlandeses não fariam melhor. Ocuparam o território que hoje compreende o Suriname e que é um dos países mais pobres da América, independente apenas em 1975.

      No que concerne ao Brasil, de pouco a consciência me acusa enquanto português. Fomos bem piores, sim, com Timor, que deixámos ao abandono, proporcionando a invasão e posterior anexação da Indonésia, num genocídio que durou 25 longos anos; com Goa, Damão e Diu e os seus habitantes, que não puderam escolher entre a independência ou a integração na União Indiana; com Angola, Moçambique e a Guiné-Bissau, tardiamente independentes, envolvidos numa guerra colonial e em posteriores guerras civis de décadas, ficando sem infraestruturas, sem profissionais qualificados nos mais diversos domínios. Aquando da independência de Moçambique, num território sete vezes maior do que Portugal, ficaram três magistrados. Três.

       Estes ressentimentos de pouco adiantarão. Só poderão obstar a que nos possamos entender melhor. Não esperem que me associe ao coro de vozes odiosas. Os portugueses já têm quem os ostracize e procure anular o seu legado. Como diria um amigo meu, espanhol, seriam capazes de dinamitar os aquedutos romanos porque simbolizam o imperialismo romano. E fico com aquele sentimento de que houve colonialismo de primeira e de segunda. O colonialismo inglês é tido, por muita da historiografia brasileira, como de ocupação, sendo bom, por isso; em contrapartida, o colonialismo português (e o espanhol) foi de exploração. Um absurdo só explicado pelo preconceito. Se condenamos a ocupação europeia, condenamo-la unânime e coerentemente. Os ingleses cometeram das piores atrocidades na América, mas a sua hegemonia, a anglo-saxónica, cultural na América Latina leva a que se branqueie o extermínio de indígenas. Os espanhóis são bastante acesos quando relembram, e bem, que os ingleses propagaram uma odiosa lenda negra sobre a ocupação espanhola.
       Nem aprofundo a discussão acerca da incorrecção histórica e jurídica na terminologia associada. O termo colónia é anacrónico. O Brasil começou por ser dividido em capitanias, passou por ser o Estado do Maranhão e o Estado do Brasil, posteriormente unificados, até ser um Principado (com a criação do título de Príncipe do Brasil, atribuído ao presuntivo herdeiro da Coroa) e um Reino (unido a Portugal). Nunca por nunca, repito, em qualquer documento da época, surge a expressão "Brasil Colónia", que é utilizado, não ponho em causa se bem ou mal, para designar uma realidade que lhe é anterior, daí que opte pelo termo "ocupação", que me parece menos politizado e parcial. Os portugueses ocuparam, e não em número substancial, o território brasileiro. Fomos poucos em mais de trezentos anos. Não levávamos mulheres nas embarcações. Miscigenámo-nos com os locais e com os africanos, deixando descendência. A cultura brasileira é o somatório de várias, inclusive da portuguesa.

         Doravante, ainda que não deixe de expor as minhas posições, pensarei duas vezes na pertinência de se alimentar uma discussão infrutífera, que só trará mágoas. Afinal, ninguém ganhou. Ambos perdemos.


* Na medida em que não quero trocas de palavras desrespeitosas, reservo-me o direito de não publicar comentários xenófobos que visem o Brasil ou Portugal, ou que sejam passíveis de suscitar confrontos.

17 comentários:

  1. Mark nunca deixes de opinar, sempre o fizeste com o bom senso e inteligência que aqui demonstras sem falar pessoalmente.
    Abraço

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  2. é triste perder um amigo desta forma. ele terá a sua razão e tu tens a tua e decidiste explicar. depende é da forma como se expressa a opinião. ultrapassando certos limites, maneira de se expor, insultos, etc., só trará dissabores e ressentimentos e a amizade acabará. talvez, no futuro, se reate. o tempo ajuda.
    bjs.

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    1. Não houve insultos, felizmente. Temos essa elegância. Creio apenas que nos exaltámos. São perspectivas muito íntimas, dizem respeito à pátria de cada um.

      Talvez possamos reatar de futuro. O tempo é excelente.

      Obrigado, Margarida.

      um beijinho.

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  3. Se o perdeste, não eram amigos. Sorry

    Os amigos são isso mesmo, tem pontos de vista diferentes e que se respeitam...

    Coitado de mim, se cada meu amigo meu de verdade, se zangasse com o que eu digo, vivia isolado numa ilha....

    Todos nós temos as nossas opiniões, e vivemos em Democracia

    Grande abraço amigo

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    1. Ora bem! Subscrevo. :)

      um grande abraço, amigo.

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  4. Há dias conversei com um português que mora no Brasil e ele falou-me da falta de conhecimento que os brasileiros têm em relação a Portugal. Para o brasileiro tudo o que corre mal é culpa de Portugal, assim ele me dizia. Afinal fomos ladrões, usurpadores, senhores de um povo escravo. Deixá-los continuar na ignorância, afinal nós é que somos um grandioso povo.

    PS: Até nós já nos zangámos no passado e sempre tivemos a inteligência suficiente para ultrapassar as nossas diferenças, vais ver que o tempo tudo cura. É claro que entre nós não existe um Atlântico. Tenhamos esperança apenas...

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    1. Muitos ainda pensam que somos todos padeiros, que usamos bigode e ostentamos o nome próprio "Joaquim". Estereótipos criados a partir do imigrante português do século XIX.

      Entre nós existe uma lezíria. :)

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  5. Creio que me recordo dessa troca de ideias, e não me pareceu que estivesse numa posição radical, antes tentou criar algum raciocínio e até tentou contemporizar.
    Do outro lado houve uma certa forma intransigente de ver as coisas e de radicalização de opinião, que não se coaduna com a forma como as pessoas devem interagir, se acaso quiserem ser levadas a sério ou se acaso quiserem iniciar ou manter uma relação de amizade (ou outra, seja lá qual for).
    Segundo o que penso, o termo que usou -"amigos"- não seja talvez o mais apropriado, pois amizade, é algo mais profundo, implica um conhecimento vasto do outro, o perceber as diferenças e aceitá-las como algo que nos define/os define, é necessário algo que se alastre ao mundo real, e não se fique pelo virtual, um respeito que o outro nos incute e com o qual sentimos prazer em partilhar os momentos da vida. É igualmente verdadeiro o oposto, pois, só na partilha e na aceitação, as relações de amizade se desenvolvem no dia-a-dia.
    Se me disser que valorizo em demasia o termo "amigo", talvez, mas é assim que eu o vejo. Doutra forma somos só conhecidos, próximos ou não.
    Talvez por isso tenha tão poucos amigos, é verdade.

    As relações de país e "colónia" é algo que se estabeleceu quando a Europa se tornou demasiado pequena para a sua população e necessitou de expandir para o resto do mundo. Calhou ser a Europa porque se encontrava num estado civilizacional mais diferenciado, poderia ter sido outro continente qualquer. A história da humanidade assim o determinou.
    Não creio haver necessidade de culpabilização de qualquer parte.
    Sou originário de Moçambique (nasci na própria Ilha, cuja ocupação portuguesa remonta ao século XVI), e não creio que algum dia vá culpar Portugal pelo que está mal ou bem em Moçambique, nem tal me lembraria, e para isso basta conhecer um pouco de história.
    A história é algo que se está a construir diariamente, fez dos países aquilo que eles são hoje, uns de uma forma mais tranquila outras menos, os povos encontram-se em níveis de desenvolvimento diferente, claro, e isso origina diferenciações que por vezes se revelam catastróficas.
    Mas a Europa, e não há muito tempo atrás, ainda que feita de povos ditos civilizados, acabou por se ver envolvida em duas guerras terríveis, onde morreram milhões.
    O conhecimento dos processos históricos é fundamental para entender os processos evolucionários dos povos.
    Atirar culpas para este ou para aquele, para justificar as situação em que se está, é tão fácil quanto pueril, além de ser perfeitamente estéril.
    Creio ser com base naquilo que se possui que os povos terão de arranjar forma de "caminhar" e se desenvolver.
    Claro que é ridículo da minha parte tratar deste tema aqui, em meia dúzia de linhas de um comentário, estou só a referir algumas coisas que me parecem básicas, pois o facto de eu tentar explicar o que quer que seja neste curto espaço que ocupo (e ainda assim muito longo), seria um exercício de estilo sem qualquer sentido.
    Antes de mais reputo como importante a educação dos povos, e o acesso ao ensino, pelos menos no sentido de um auto conhecimento importante para se perceber o que é necessário fazer para o seu desenvolvimento futuro, e que, idealmente, esse esforço de desenvolvimento seja partilhados pelo maior número de cidadãos possível, para que não se caia na divisão e na discórdia.
    Há os que dizem que os portugueses são dos povos que mais difícil é governar :-)
    Já ultrapassei todos os limites, e peço desculpa.
    Uma boa semana
    Manel

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    1. Olá, Manel. Como está?

      A menos que sejamos amigos em outra rede social, creio que não assistiu ao confronto. :) Eu considerava-o um amigo, com as devidas distâncias. É capaz de ter razão. Amizades que não passam do virtual não serão verdadeiras amizades. Sempre julguei que o poderia vir a conhecer. Foram alguns anos de contacto. O virtual nunca passou para real pelo factor geográfico.

      O meu pai e a minha avó nasceram em Moçambique. Tenho, quanto a essa matéria, uma posição clara: faz realmente sentido culpabilizar Portugal do subdesenvolvimento crónico. Como não? Salazar poderia ter pensado, se inteligente fosse, numa solução alternativa. Dez, quinze anos antes. A situação arrastou-se, conduzindo-nos a todos à guerra colonial, que teve inegáveis repercussões nas guerras civis (que Moçambique teve). Foi o caos e ficou o caos. O Manel perdoará, mas não podemos efectivamente negar uma participação, que me parece demasiado clara, no estado catastrófico em que Moçambique, já que é de Moçambique que falamos, se encontra. A miséria é assombrosa. Não acautelámos a posição dos "colonos" e nem daquelas populações. Largámos. Deixámo-los entregues à sua sorte. Poderia ter sido tudo diferente, e inclusive até poderíamos ter evitado aqueles confrontos entre as facções opostas. Digladiaram-se pelo poder.
      Concordo que poderá ser estéril e inútil, mas não podemos virar a cara e nem lavar as mãos, como Pilatos. Nem isso seria justo ou moralmente correcto.

      Cumprimentos, obrigado, e uma boa semana. :)

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  6. Terá razão com certeza, visto que não partilho qualquer rede social com quem quer que seja.
    Julguei que referia uma troca de comentários mais animados, há já algum tempo, quando postou algo subordinado ao tema das relações históricas entre Portugal e Brasil.
    Peço desculpa pela intromissão pois devo ter "metido a pata na poça" :)
    Manel

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    1. Não meteu nada "a pata na poça". Vejo que tem boa memória. É verdade. Aqui há meses tive uma troca de comentários mais acesa com um ou dois brasileiros. :)

      Gosto muito de o ter por cá e de ler os seus comentários. Muito mesmo. :)

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  7. O Francisco mais uma vez foi preciso e subscrevo também: "Se o perdeste, não eram amigos. Sorry

    Os amigos são isso mesmo, tem pontos de vista diferentes e que se respeitam...

    Coitado de mim, se cada meu amigo meu de verdade, se zangasse com o que eu digo, vivia isolado numa ilha....

    Todos nós temos as nossas opiniões, e vivemos em Democracia

    Grande abraço amigo"

    Por aqui, infelizmente, temos uma cultura extremamente tupiniquim, preconceituosa e ignorante. Poucos são os brasileiros que conhecem e reconhecem a importância de nossa colonização pelos irmãos do além Tejo. Se temos uma unidade nacional devemos aos irmãos Portugueses.

    Mas enfim! Tudo faz parte ...

    Beijo grande amigo Mark

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    1. Não diria melhor.

      Até o compreendo em determinada medida: provavelmente cresceu envenenado pelo ódio que propagam nas escolas.

      Obrigado por adoptar uma posição esclarecida quanto a esta matéria, meu bom amigo.

      um grande abraço.

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    2. Várias vezes me disseram no Brasil, que nós tinhamos lá deixado a escumalha toda. Achava estas opiniões pequeninas para não dizer outra coisa.
      Dava vontade de responder mal, mas o que fazer com a ignorancia?
      Sorrir e seguir.

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  8. Cresci a ouvir falar mal de Espanha e dos Espanhóis... Hoje sou um apaixonado por Espanha, sua história, suas cidades, cultura, costumes e tapas... gosto tanto, mas tanto das tapas... e gosto muito dos espanhóis, o que dito assim pode trazer-me alguns problemas e como tal rectifico, tenho muitos amigos por lá.
    Tudo isto para dizer que, independente de opiniões, uma amizade não quebra por divergências/opiniões adversas. Se for amizade está a salvo e será recuperável... abraços

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    1. Eu nunca gostei muito deles (espanhóis). Era preconceito. Há-os bons e maus, como em todo o lugar, e tenho alguns amigos. É curioso como a vida nos troca as voltas.

      Sim, uma verdadeira amizade sobrevive a impressões diferentes.

      um abraço.

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