Os acontecimentos dos últimos dias levaram-me a reflectir acerca do futebol e das suas repercussões nas pessoas. Em como um desporto, que em boa verdade não passa disso, jogado num campo, com uma leva de homens ou mulheres correndo atrás de uma bola, suscita tanto ódio, ressentimento, incendiando os ânimos e provocando um rasto de destruição com danos patrimoniais, e morais, em alguns dos casos.
Há muito que o futebol se tornou um negócio de milhões, afastando-se do seu propósito primitivo: distrair, alienar os adeptos por umas horas, o tempo de uma jornada; ou por mais, por uma temporada, um ano, o suficiente para esquecer a vida dura que aguardava fora do estádio. Salazar percebeu-o e estimulou esse gosto pelo desporto-rei, enaltecendo-o, associando-o ao regime. Assim foi durante décadas. Ludibriado pelas glórias alcançadas, o povo passava à margem da guerra colonial, que então começava, da pobreza que grassava no interior do país, do isolamento internacional que remetia Portugal a um canto obscuro da Europa.
A febre de domingo evidencia a tendência para a rivalidade que o futebol provoca, aliada a uma política securitária que tem atingido proporções nunca antes vistas. O vídeo propagado pela internet é uma mera gravação que demonstra o que acontece um pouco por todo o país. Uma combinação suprema de abuso de autoridade, de desrespeito pelo princípio da proporcionalidade, de irresponsabilidade de cidadãos que levam os seus filhos para o palco onde todos os excessos são cometidos, fomentados pelo consumo negligente de álcool e, sobretudo em camadas mais jovens, de drogas. Claques criminosas actuam em bandos, entoando cânticos de incentivo à violência, arrasando instalações, arremessando objectos pelas ruas em confrontos policiais. Festas que mal terminam. Festejos esses que podem lesar, dificultando, no limite, a passagem de veículos prioritários em marcha de urgência, como ambulâncias ou carros de bombeiros. Não podemos esquecer, ainda, os actos de puro vandalismo sobre o património nacional, no ano passado, nomeadamente.
As manifestações de júbilo e de euforia não podem pôr vidas em risco. Compete aos órgãos legislativos, como a Assembleia da República ou o Governo, estudar a viabilidade da aplicação de actos normativos que regulem situações destas, que se repetem ano após ano, impunemente. O bom senso o obriga. Comemorações devem ser permitidas com conta, peso e medida, respeitando-se os direitos alheios.
Sou contra qualquer esporte de competição, exatamente porque não somos suficientemente maduros pra lidar com ela. Mas como não quero ser utópico, podiam pelo menos exigir que as comemorações fossem celebradas somente dentro dos estádios. Assim qualquer prejuízo seria pago pelos torcedores e seus ingressos, apenas.
ResponderEliminarÉ uma excelente ideia, Eduardo. Não sei como será por aí, no país-irmão, mas por cá há o costume, perigoso a meu ver, de adeptos do Benfica comemorarem o campeonato na Praça Marquês de Pombal, em Lisboa, enquanto adeptos do Porto (clube / time) comemoram na Avenida dos Aliados, na cidade do Porto. As cidades param, no entanto, o perigo está nos excessos. Quase sempre tudo termina em confrontos, ora com a polícia, ora com claques rivais.
Eliminarum abraço.
Desde que o Rui Rio foi presidente da câmara do Porto, que as comemorações oficiais do clube são no estádio do dragão. Existe de facto uma marcha pela Avenida dos Aliados, mas a festa propriamente dita é no estádio.
EliminarJoão, sei disso, mas tradicionalmente os adeptos do FCP comemoravam na Avenida dos Aliados, só não o fazendo nos últimos tempos devido à implicância de Rui Rio, que não os deixava, levando a uma enorme antipatia entre este e Pinto da Costa.
EliminarNão tinha conhecimento, todavia, de as comemorações terem mudado definitivamente para o Estádio do Dragão. Obrigado pelo apontamento. :)
não se fala em outra coisa no meu trabalho, ainda mais porque tenho como colegas as duas forças de segurança.
ResponderEliminarcomportamentos abomináveis tanto de um lado como de outro.
futebol move milhões, ganâncias, qualquer miúdo quer jogar num grande clube, quantas esperanças ficam pelo caminho.
nunca assisti a um jogo ao vivo, mas confesso que me emociono quando caminho pela marginal e lá passa o autocarro do meu clube a caminho da capital. há pessoas com cachecóis, há fãs que aplaudem quando o veículo passa, mas é apenas isso.
quanto à destruição e roubo no estádio de Guimarães, uma vergonha. e mais vergonhoso estarem a roubar e saberem que estavam a ser filmados - o vídeo está no jn online. e eram de todas as idades. esta gente envergonha a camisola que trazia vestida. (repeti vergonha mas não me surge palavra melhor - nojo? pessoas nojentas e execráveis).
há esperança na humanidade quando se multiplicam comportamentos destes?
bjs.
As imagens do Estádio do Guimarães vandalizado deixaram-me perplexo. Será possível que não enxerguem que se trata de um desporto? Bem sei que mexe com os ânimos, com um lado muito emotivo, mas os adeptos não devem perder o discernimento.
EliminarSabes, o pior são as claques. O mal não está no espectador domingueiro que leva o seu filho "à bola"; reside, isso sim, nesses grupos que espalham o terror à sua volta.
Já fui ver jogos a estádios. Tenho uma simpatia pelo Sporting. Não conheço o Estádio de Alvalade. Conheço o Estádio da Luz e o Estádio do Dragão. Não ligo ao futebol das ligas de clubes. Gosto dos mundiais e dos europeus.
um beijinho.
Aqui é exatamente igual. Esse país vibra com o futebol de um jeito que eu nunca vi. O ano passado foi um trauma só com a perdida com a Alemanha. Bom, e a violência que você fala é bem pior aqui. Tem a rivalidade típica dos times e confrontos. Todos sabem como é a violência urbana nesse país..
ResponderEliminarAbraços!!
Bem sei que o Brasil é mais aficionado do que Portugal. Ou talvez a diferença resida apenas na desproporção de tamanho e população.
Eliminarum abraço. :)
Existem muitas coisas erradas neste nosso pequeno país. Este tipo de atitudes é uma delas. Infelizmente, duvido muito que órgãos legislativos consigam criar algo eficaz. Como em tantas outras coisas, as pessoas hão-de sempre querer fazer como lhes der na "veneta" esquecendo-se que a partir do momento em que quebram as regras, estão sujeitas a qualquer tipo de punidade.
ResponderEliminar:*
Bom, a Constituição contempla a liberdade de reunião, mas pacificamente. Ora, estas "aglomerações" de pessoas, usando um eufemismo, são tudo menos pacíficas. Acho muito bem que os poderes públicos intervenham, aqui com especial destaque para os órgãos legislativos.
Eliminarabração. :)
As pessoas aproveitam-se da festa do futebol para fazer "ajustes de contas" lolololol
ResponderEliminarPior, aproveitam-se dos jogos para libertar as frustrações.
EliminarApoiado! Mark!
ResponderEliminarTodo o fanatismo gera violência, e este fanatismo futebolístico não é exceção.
De vez em quando, penso ir até um estádio ver um jogo, mas depois penso nas claques de fanáticos escoltadas pela polícia a entrar nos estádios, berrando anormalidades, e desisto logo.
Não deixo de criticar os polícias que abusam da sua autoridade, como no caso de Guimarães, mas, como dizia o Miguel Sousa Tavares, hoje em dia só se realizam jogos de futebol graças à polícia...
Poucos têm coragem de apontar a raíz do problema: o fanatismo clubístico. Os governantes e os políticos não têm (perdem votos dos adeptos), os clubes muito menos, e há outros que têm tal amor à camisola, que deixam de raciocinar bem...
Tu não, Mark, tiveste coragem de dizer em voz alta o que devia ser dito. Parabéns!
Eu é que agradeço o brilhantismo do teu comentário, João. Ninguém diria melhor. Subscrevo cada palavra.
EliminarO futebol é um assunto sensível. A classe política teme enfrentar interesses que circulam em torno, bem como receia tornar-se impopular aos olhos do povo. Há muito "em jogo", bem a propósito.
Assistir a uma partida, num estádio, bem que podia ser um bom programa de fim-de-semana, não fosse este fanatismo exacerbado.
um abraço.
Eu gosto muito de futebol, o que para muita gente, dita pseudo-intelectual é quase um crime de lesa cultura, e sou simpatizante do Benfica, nem eu sei porquê, já que na minha casa paterna era tudo do Sporting.
ResponderEliminarExcessos há-os em tudo e em todo o lado e alguns "fenómenos" violentos vividos este fim de semana são não da responsabilidade do Benfica ou num conceito mais alargado da responsabilidade do futebol, mas apenas associados a ele, de forma indirecta.
refiro-me ao que se passou numa parte do Marquês em Lisboa, onde um grupo de arruaceiros, que não seriam muitos, de início, se misturou na multidão para provocar as forças policiais e que depois pela resposta violenta destas forças se generalizaram e deram na deplorável situação que aconteceu.
Muito mais grave foi o que aconteceu em Guimarães com aquela agressão absurda e gratuita a um pai e avô na frente dos filhos (e netos), fora do estádio, e executada por um subcomissário da PSP, que aliás abandonou para esse efeito, o seu local de trabalho, já que era ele o responsável pelo sector do estádio onde estavam os adeptos do Benfica.
Se esse polícia e os homens que comandavam estivessem, como deveriam estar, no final do encontro, ali, decerto não se teria dado o muito condenável assalto e roubo feito, este sim, por adeptos do clube da águia e que eu, condeno como é óbvio.
Mas, não vamos tomar a floresta pela árvore e não nos ponhamos a dizer cobras e lagartos do futebol em geral e do Benfica em particular, pelo sucedido.
Há maus e bons em todo o lado e em todas as situações...
O SLB culpa alguma tem dos excessos dos seus adeptos e simpatizantes. É um grande clube, uma verdadeira instituição, que nos merece o maior respeito, o que não implica a indiferença da AR quando está em causa a segurança das pessoas. É normal comemorar-se, as pessoas necessitam desse escape. O futebol tem esse dom de até melhorar o desempenho económico dos países. E actualmente é uma actividade desportiva transversal, apreciada por ricos e pobres. Quando vejo o Dr° Eduardo Barroso vermelho de cólera pelo Sporting, pergunto-me o que o leva a sujeitar-se àquilo. É como a fé: não se explica.
EliminarOs acontecimentos em Guimarães, desde aquele episódio verdadeiramente infeliz aos actos de vandalismo, são uma nódoa difícil de limpar. Se nada for feito, para o ano há mais, e para o outro, e o outro...
abraço.
Há muito tempo não frequento estádios... por aqui também temos sérios problemas e quase sempre a visita de um time ao estádio do outro time rende prejuízos materiais e depredações. Também colecionamos casos de mortes e brigas por conta disso...
ResponderEliminarNão há muita lógica que algo que seria para diversão se transforme em algo tão violento e bárbaro, penso que é o tal comportamento de bando mesmo. Vemos as pessoas se transformarem e perderem o juízo...
Em tempo, hoje tive contato com o vídeo de uma agressão sofrida por um pai, na frente de seus filhos, por terem saído pelo lugar errado... Muito chocante! Infelizmente partilhamos desse mesmo mal por aqui também...
É uma pena!
Abração meu amigo!.
O Brasil tem a quem puxar, amigo Latinha, se bem que incidentes com jogos de futebol são uma constante em todos os países que têm esta modalidade desportiva como a mais apreciada. Em países como o Canadá, os E.U.A ou a Austrália, o futebol europeu é pouco apreciado.
EliminarPois é, aqui houve esse episódio em que um pai de família e o seu pai, ou seja, o avô da criança, foram agredidos por um polícia à frente de dois menores, seus filhos e netos, respectivamente, num claro caso de desproporção de meios e abuso de poder de autoridade, ainda que tratando-se do corpo de intervenção da polícia. Um caso muito comentado nos últimos dias.
um grande abraço, amigo!
Fico com o Eduardo, o ser humano não é suficientemente maduro para perder! uma lastima!
ResponderEliminarÉ um facto, infelizmente. :(
EliminarO futebol é o ópio do povo.
ResponderEliminarEnquanto estão a falar de futebol, o governo pode andar a privatizar TAPs, e fazer outras tantas coisas, que ninguém se apercebe. ou passa mais despercebido, pelo menos. É uma excelente estratégia, Mark.
É um fenómeno sociológico interessante, sim. Como referi acima, ver pessoas de determinada craveira a discutir, a berrar, a dizer "palavrões" à conta de uma partida de futebol, diz tudo acerca do seu impacto.
EliminarE, evidentemente, dá imenso jeito aos governantes. Dou-te um exemplo, legislar sobre estas comemorações públicas, e já várias vozes falam disso, amedronta. É mexer com um lado emotivo muito profundo, sobretudo sendo o Benfica, clube com maior número de adeptos em Portugal.
Mark o futebol para algumas pessoas é como uma doença, acabam por viver as emoções de uma forma que não entendo, não ligo nada a futebol, apesar de que uma equipa de futebol da 1ª divisão tem o estádio com o nome do meu tio-avó, eu é que sou a ovelha ronhosa da família. Temos pena lol.
ResponderEliminarO pai gosta imenso de futebol, mas é caso raro na família. O avô paterno nunca ligou, o irmão do pai tampouco. É adepto do FCP. Cheguei a vê-lo chorar de alegria quando o Porto foi Campeão Europeu, em 2004, salvo erro.
EliminarComo em tudo na vida, há excessos. Devemos sim, penalizar os excessos, quer de quem tem o dever de controlar, como de quem abusa e acaba por ir mais além do permitido. Nos casos específicos que conhecemos, parece-me que o agente de Guimarães deverá ser penalizado (se for provado) bem como os delinquentes que roubaram material no estádio do Vitória e que arremessaram pedras no Marquês de Pombal.
ResponderEliminarO agente, ao que parece, não tem tido sossego, e até uma condecoração que ia receber acabou por ficar na gaveta. Acho bem que investiguem. Pelo que li, o próprio reconhece que se excedeu.
EliminarO que aconteceu em Guimarães foi gravíssimo. E em Lisboa. Mantenho o que disse: estas comemorações têm de ser reguladas.