As recentes paralisações provocadas pelas greves levantam questões de ordem moral e jurídica. Embora ao Direito não seja relevante qualquer indagação de índole moral, em caso de colisão de direitos ou de abuso de direito é chamado a intervir. A greve é um direito consagrado no nosso ordenamento jurídico. O artigo 57.º, número 1 da Constituição da República Portuguesa diz respeito ao direito à greve. Contudo, como acontece com qualquer outro direito fundamental, e o direito à greve é-o, não é absoluto e está sujeito a restrições, nomeadamente quando estamos perante a colisão de direitos ou a salvaguarda de outros direitos constitucionalmente protegidos, estando sempre o seu exercício sujeito, como os demais direitos fundamentais, aos princípios da adequação, proporcionalidade e da necessidade (artigo 18.º da Constituição).
Há necessidades perenes que exigem a continuidade de serviços mínimos, conforme enuncia a nossa Constituição no artigo 57.º, número 3, o que obriga a que a lei ordinária defina a prestação de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, prevendo-se também os serviços mínimos que sejam indispensáveis para a satisfação de necessidades sociais permanentes e inadiáveis. No Código do Trabalho, o direito à greve encontra-se regulado entre os artigos 530.º e 543.º O artigo 537.º, número 2 enuncia os serviços impreteríveis a que a greve não pode limitar, nomeadamente serviços médicos, hospitalares e medicamentosos, de salubridade pública, funerais, entre vários outros; e, na alínea d) do referido artigo, transportes, incluindo estações de caminhos-de ferro e de camionagem (...), relativos a passageiros. A letra da lei é clara ao mencionar os transportes de passageiros, contemplando respectivas estações.
Na medida em que nenhum direito é absoluto, o direito à greve pode ser restringido nos casos previstos na lei, mas não a ponto de se esvaziar o seu alcance último e o seu núcleo essencial: sendo uma conquista das classes trabalhadoras, em caso algum o direito à greve pode ser afastado por meros inconvenientes que cause, perturbações no quotidiano. Apenas e tão-só estando em causa necessidades sociais de primeira linha, e que a lei prevê, é que podemos falar numa compressão deste direito.
Anunciando-se mais greves, desta vez abrangendo o Metro e a Carris, podemos falar de implicações que poderão ir além de meras perturbações no funcionamento normal da cidade. As situações de urgência estão abrangidas nos limites à greve, bombeiros e hospitais, mas será lícito dificultar o acesso de um doente, cuja enfermidade é grave, a uma consulta, não podendo esse mesmo doente despender dinheiro num transporte particular, ou individual, sendo público, como um táxi? Não estaremos perante uma colisão de direitos com previsão no artigo 335.º do Código Civil? E, em caso de colisão, não deveremos ponderar a importância de ambos os direitos? Questões que se levantam. Compete aos tribunais arbitrais verificar da pertinência / justiça dos serviços mínimos durante as greves e se os princípios que presidem ao exercício dos direitos estão preenchidos.
O direito à greve, ainda que fundamental, não deixará de estar sujeito aos limites impostos pelo abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil). O exercício de um direito é ilegítimo excedendo-se os limites impostos pela boa fé, o que nos interessa aqui. As sucessivas greves do Metro terão subjacente as reivindicações legítimas dos trabalhadores ou também a vontade inequívoca de causar transtornos sociais, não sendo estes uma inevitabilidade mas em si mesmo configurarem um objectivo dos grevistas? E a greve da Carris, marcada para o mesmo dia, não reforçará a pergunta retórica que fiz? O artigo 530.º, número 2 do Código do Trabalho, de redacção praticamente semelhante à do artigo 57.º, número 2 da Constituição, indica que aos trabalhadores compete definir o âmbito de interesses a defender pela greve, indo a Constituição mais longe ao referir que a lei não pode limitar o âmbito, no entanto, na minha interpretação do abuso de direito, é ilegítimo que o objecto da greve assente no único propósito de criar situações que impliquem um caos funcional. Viola o princípio da boa fé, além das considerações que façamos segundo os princípios que enumerei acima.
Posto isto, o direito à greve, que não é absoluto, pode ser restringido, sujeita-se aos princípios gerais de direito que norteiam o nosso ordenamento jurídico e às valorações que dependem dos interesses e demais direitos que estejam em causa.
Posto isto, o direito à greve, que não é absoluto, pode ser restringido, sujeita-se aos princípios gerais de direito que norteiam o nosso ordenamento jurídico e às valorações que dependem dos interesses e demais direitos que estejam em causa.
No meu tempo, quando havia greve na escola, íamos no autocarro da manhã, que ia até à capital de distrito e depois voltava para trás. O motorista até se ria quando nos via a entrar todos outra vez.
ResponderEliminarQuando havia greve nos transportes, nem sequer íamos à escola :D
Como estudei no particular, não tive "direito" a que os funcionários da escola fizessem greve, incluindo os que asseguravam o transporte. :)
EliminarA escola pública é mais "mundo real" :D
EliminarSem dúvida. :)
EliminarPois é Mark, o Brasil parou com greves como você sabe. Eu concordo com você, a greve é um direito mas não pode ser assim arbitrariamente, de qualquer jeito. Aqui teve muito abuso, muita encenação.
ResponderEliminarAbraços!!
Bom, não sei se aqui em Portugal não vamos pelo mesmo caminho. Pelo menos no que concerne a algumas empresas, o direito à greve tem sido invocado (e exercido) até à exaustão. Embora seja um direito próprio de qualquer Estado democrático, não sei se o seu exercício exaustivo não o enfraquecerá, até socialmente. Compreendo as reivindicações e não deixa de ser um direito importantíssimo dos trabalhadores, merecedor do nosso mais profundo respeito.
Eliminarum abraço.
Como assim uma "vontade inequívoca de causar transtornos sociais" para "configurar um objectivo dos grevistas"? Há outros interesses em jogo?
ResponderEliminarOlá, Anónimo.
EliminarA greve não tem como objectivo, ou não deveria ter, causar perturbações sociais. Elas surgem como uma inevitabilidade. Os trabalhadores fazem greve, cessando a sua actividade laboral. Com isso poderão causar os tais "transtornos sociais" a que me refiro. Porém, o objectivo não é esse. Quando passa a ser esse, o que se verifica quando, no mesmo dia, Metro e Carris se aliam, o direito à greve, em meu entendimento, queda desvirtuado.
O interesse em jogo, chamando-lhe assim, depende de cada movimento grevista: melhores condições de trabalho, aumentos salariais, um sem número. Por isso param.
Então a reivindicação de melhores condições de trabalho viola o princípio da boa fé, tendo em conta que trabalhadores das duas entidades fazem greve no mesmo dia, tratando-se de um caso de 'abuso de direito', é isso?
EliminarMesmo tendo sido claro no meu artigo, ainda assim lhe respondo: o que viola o princípio da boa fé, se lesse bem saberia, que fui bem explícito, é exercer o direito à greve APENAS tendo em vista o transtorno social a que aludi, bem como, e isto no caso do Metro, marcar sucessivas greves, prejudicando e em muito quem utiliza o metropolitano de Lisboa no seu quotidiano, comprando os seus títulos de transporte e não usufruindo dos serviços que contratou.
EliminarA greve no mesmo dia, uma vez que são entidades que têm "em mãos" o tráfego na cidade, parece-me claramente um abuso de direito. O que pretendem senão paralisar Lisboa? Pense um pouco. Espero que as suas dúvidas tenham sido esclarecidas.
Aproveito a deixa e digo-lhe que esta é a minha posição quanto a este assunto. Haverá outras. Permita-se concordar ou discordar de mim. Somos livres. Outros juristas pensarão de outra maneira. :)
Ah, já agora, como duvido desse anonimato tão oportuno, aconselho-o a assinar ou a comentar com a sua conta, que julgo ter. As pessoas devem "dar a cara" pelas suas opiniões. Sem vergonha. É uma questão de honra, de princípios, de honestidade. Fica a dica. :)
Sim, a reivindação da greve poderá ser 'colocada em causa' aos olhos do direito caso se pretenda puramente o transtorno social. E claro, quem depende destes transportes ficará fortemente condicionado. Contudo, é preciso não esqucer a (re)crescente precarização do trabalho. A greve conjunta é uma medida tão extrema quanto as medidas que promovem a destruição de empregos. Agora resta saber até que ponto a moral e o direito estarão dispostos a condenar ou aprovar esta decisão, tendo de um lado a revolta dos trabalhadores e do outro a indignação dos que dependem do serviço público. Abuso intencional de direitos? Uma chamada de atenção aos tempos que se vivem? Discussão intrincada, sem dúvida.
EliminarQuanto ao meu anonimato, acontece precisamente por não ter conta neste espaço. Talvez crie uma quando algo tiver um portefólio suficientemente relevante para partilhar.
O Direito não se inteira das questões morais.
EliminarParece-me, sobretudo da parte do Metro, um abuso claro do direito à greve. E a greve conjunta, detendo essas empresas o monopólio, vá, da rede de transportes públicos da cidade, paralisá-la-á. Espero que o tribunal arbitral tenha em conta esta situação.
Segundo li, parece que o Metro funcionará a 25 %. Não sei se isto é correcto. Se for assim, parece-me razoável. Até eles têm noção da irresponsabilidade de uma greve dessas proporções!...
Não precisa ter conta. Assine. :) Ninguém gosta de ser anónimo. Eu, pelo menos, não gostaria.
A greve dos transportes é a única falada, mas existem outras greves tão ou mais sérias Mark que a maioria das pessoas não se apercebe. Os dois sindicatos de guardas prisionais estão a convocar greves consecutivas, os estabelecimentos prisionais estão a cumprir serviços mínimos mas impedem que os reclusos recebam alimentos dos familiares. As cantinas estão fechadas e cada vez mais os reclusos estão a ser alvo de um tratamento sub-humano. Aquilo que deveria ser para reabilitar cada vez está pior e o objectivo destas greves é unicamente incitar ao motim por parte de reclusos e familiares que é absolutamente vergonhoso.
ResponderEliminarConcordo contigo no que diz respeito ao direito à greve por parte dos trabalhadores, mas como todos os direitos não deixam de existir deveres subjacentes como tu mencionaste. Um abraço grande Mark.
Não tinha conhecimento dessas greves, Eolo. Verificando-se abusos, estarão na mesma situação do Metro e da Carris, à luz do que penso sobre esta matéria.
EliminarFui verificar a lei e no artigo 537.º, número 2 não se faz qualquer referência aos estabelecimentos prisionais. Ainda assim, essas greves têm de ser fiscalizadas. Talvez estejamos perante uma lacuna.
Estou contigo. Permitir que os reclusos estejam em condições sub-humanas será uma clara violação dos seus direitos.
um abraço grande, amigo Eolo.
O que me espanta muitas vezes é o motivo das greves, pelo que se tornaram tão banais que embora causem transtorno (vim de carro para Lisboa nos 2 dias de greve) eu já nem ligo. mas eu não ligar até nem é o problema, o problema é os patrões já não ligarem...
ResponderEliminarSocialmente, eu diria que as pessoas não estão com o Metro. E nem precisam estar. A greve é um direito irrenunciável dos trabalhadores. Mas, como acontece com qualquer outro direito, tem de ser exercido de forma responsável. Perdi a conta à quantidade de vezes que o Metro convocou greves. Têm sido tantas ao longo dos últimos anos!...
EliminarAcabei de ler no Público que o tribunal arbitral decretou serviços mínimos. Bom, parece que a minha posição não é tão isolada assim, considerando que a paralisação prevista é bastante danosa.
http://www.publico.pt/economia/noticia/metro-de-lisboa-vai-ter-25-da-operacao-garantida-em-dia-de-greve-1691532
Parece que foi desconvocada... LOLOL...
EliminarMelhor. :)
Eliminare os call-centers? o Francisco é expert, mas trabalho mais precário e sem condições é o dele.
ResponderEliminartodos os dias greves por isto e por aquilo e quem apanha é o mexilhão, que, por acaso, até já comprou o passe e tudo...
ps: no meu caso, não uso o metro todos os dias, embora tenha passe combinado e até ande muito a pé.
bjs.
Os call-centers não têm uma lógica privada? Confesso que não estou a par da sua regulamentação. Mas sim, a precariedade deve grassar por lá. :s
EliminarEu uso o metro regularmente. Bom, em caso de greves consigo ir a pé até à faculdade. É o meio de transporte urbano mais rápido e eficaz. E o Metro sabe-o. Daí ter este comportamento. Os limites foram excedidos com esta greve conjunta, e o tribunal arbitral de Lisboa assim o achou. O Metro terá, ao que li, de prover serviços mínimos. Boa decisão do tribunal arbitral.
um beijinho.
Cresci a ouvir falar em greve, e só a senti na pele quando estudava. O que é certo é que uma colega de trabalho regressou no passado Domingo de viagem e porque tinha que apanhar um comboio até casa, perdeu mais de 4 horas até conseguir chegar a casa.
ResponderEliminarAs greves existem para alguma coisa, concordando ou não, é um direito. Se os serviços mínimos devem de estar assegurados e quando não estão é apenas mais um sinal, de como a engrenagem deste país funciona.
Nunca senti uma greve na pele (melhor dizendo, já, mas posso ir para a faculdade a pé). Compreendo é a posição de quem adquire o seu título de transporte mensal para ter mil e uma greves.
EliminarNo dia 10 vai haver serviços mínimos. Sensata decisão do tribunal arbitral. :)
Ui. Matéria deveras sensível. Percebo os dois lado, dou razão aos dois lados e confesso-me dividido perante tal questão. Mas de facto, as pessoas pagarem o passe e não serem ressarcidas nesses dias parece-me errado... mas o objectivo de uma greve é causar impacto, nem que com isso cause prejuízos a terceiros... o problema é que este modelo de luta já começa a ficar ultrapassado porque já ninguém liga.
ResponderEliminarO objectivo de uma greve não deveria ser causar impacto, Namorado, mas a reivindicação, seja ela qual for, que diga respeito à actividade laboral dos grevistas.
EliminarNo meu entender há um abuso de direito claro ao convocarem tantas greves. E a greve com a Carris é mais uma manifestação do carácter abusivo.
Greves consertadas são claramente uma violação à boa-fé de uma greve.
ResponderEliminarConcordo contigo em cada alínea.
Confesso que após tantos anos de greves regulares nos transportes públicos ainda desconheço as razões daquelas. Só as consequências e os transtornos.
Olha, querido Alex, eu também desconheço as reivindicações, acreditas?
EliminarEste país é um circo, e o Metro ainda pior lololololololol
ResponderEliminarganham balúrdios, e ainda querem mais, qualquer dia o Metro fecha os fins de semanas e sextas feiras lololololololololololol
Fechem o metro e façam parques de estacionamento ;)
A auto-europa faz um desconto nos carros novos
Abraço amigo
Hahahahahah, essa de fechar aos fins de semana é maravilhosa. :')
Eliminarum abraço, amigo Francisco.
Às vezes é bom andar atrasado nas visitas aos blogs, pois dá-me oportunidade de falar aqui na greve da TAP que agora está a monopolizar a opinião pública.
ResponderEliminarDevo dizer como ponto prévio, que concordo com as greves como um direito constitucionalmente aceite para reivindicações justas dos trabalhadores. E já fiz greves...
Mas como tudo, a greve é por vezes, mal utilizada e há algo que não admito quando se realiza uma greve que é a existência dos chamados "piquetes de greve", que são um atentado à liberdade individual de um cidadão.
Mas vamos à greve da TAP convocada pelo Sindicato dos Pilotos (um só dos muitos sindicatos daquela companhia), mas fundamental para paralisar a empresa por motivos óbvios, e marcada para um período de 10 dias (um absurdo), com fundamentos muito discutíveis, um dos quais vai mesmo contra o Sindicalismo, na sua essência, pois os pilotos reivindicam serem patrões (e com 20% do capital) em caso de privatização, ou seja querem ser patrões do resto do pessoal da TAP.
Não sei se é constitucional ou não,isto, mas esta greve é um tremendo erro e que só pretende obstar, da maneira mais violenta possível a eventual privatização da companhia, tornando-a pouco apetecível aos olhos de possíveis interessados.
Lesa extraordinariamente a imensidade dos restantes trabalhadores da TAP, pelas presumíveis consequências que tamanha grave acarretará.
Não sei se o bom senso vencerá até lá, mas de qualquer forma, mesmo que a greve seja desconvocada os prejuízos são desde já enormes.
Não isento a direcção da TAP de responsabilidades de gestão, mas não é isso que está em causa nesta altura.
Uma palavra apenas para as greves dos transportes - metro e comboios, que têm sido constantes ( a mim não me afectam), e que me parecem de todo injustificadas. Por um lado os trabalhadores em causa são dos mais bem pagos no sector do Estado, por outro nada os indicia que venham a perder regalias se forem privatizadas as suas empresas.
Dizem que estão a defender o público; como? Com a constante inutilidade dos passes que tanto lhes custou pagar?
Greves, sim, quando justas e dou o exemplo das greves na educação e no serviço de saúde, embora possam penalizar um pouco a população, mas justificam-se...
Quanto aos outros, trabalhem que o que mais há é gente que quer trabalhar e não encontra trabalho.
Não, eu não sou um conservador, e muito menos um saudosista do passado, fique-se sabendo.
O direito à greve, como os demais direitos, está sujeito aos limites impostos pelo abuso de direito. Uma greve de dez dias parece-me manifestamente abusiva, não sabendo se algum tribunal arbitral foi chamado a pronunciar-se sobre esta matéria. Sendo um direito pessoal, é livre. Os piquetes são uma clara deturpação do direito à greve. Nenhum direito pode ser exercido sob coacção.
EliminarQuanto à questão que suscitaste, não me parece haver qualquer problema, do ponto de vista da constitucionalidade, em os trabalhadores quererem participar do capital da empresa.
As greves do Metro e da CP há muito que ultrapassaram os limites da boa fé, inclusive.