11 de dezembro de 2014

Carta.


   Lisboa, aos onze de Dezembro de dois mil e catorze,

   A ti,

 
   Outro Natal se aproxima. Em todo o lugar me pedem sorrisos, os mesmos que forço para não ser questionado sobre o que me leva a não ter o optimismo e a sagacidade próprios da idade. E não preocuparia a mãe e a avó em vão, dado que nós sabemos o que sentimos e os nossos limites, mas os que nos amam não o sabem. Apoquentar quem mais me quer não consta dos meus planos para esta Consoada.

  Os estudos correm bem, felizmente. Estou quase de férias, depois de inúmeros relatórios e demais apresentações orais. Creio que venci a hesitação em falar, que demonstrei por variadíssimas vezes durante a licenciatura. Enriqueci as minhas capacidades de orador. Da vez inicial, o coração batia acelerado, a respiração era mais ofegante, as mãos estavam enregeladas. Para o fim, já o fazia razoavelmente descontraído e com o à-vontade exigível.

   Os dias não têm sido fáceis. Por fora, uma paz aparente; por dentro, estou aos gritos. Há dias, deixei cair a garrafa de água, a pasta, alguns livros e o estojo ao chão. Peguei em tudo aquilo de modo brusco, tremendo, sentindo a cólera no rosto, embora em silêncio, e só depois, olhando em redor, percebi que a minha reacção não fora normal. Desastres acontecem. Um rapaz com o qual troquei olhares, meses antes, observou-me movido por alguma compaixão, talvez desalento. Não soube interpretar o significado da sua expressão.

  Pondero nada comprar, inclusive para mim. Não há essa vontade, esse ânimo em encher-me de bens materiais que apenas abrandariam os ventos mais agrestes que sopram por aqui. Nenhum objecto traz conforto quando a instabilidade habita cá dentro. Alguns passeios têm surtido efeito. Por vezes, afastar-me, ainda que momentaneamente, tem sido benéfico. Munido de um caderninho, onde imprimo, a cunho, breves notas do que me rodeia, e ideias. Aguardo por uns dias de descanso físico.

    Não há pedidos a fazer, desejos a ver concretizados. Quem sabe possa depositar esta pequena cartinha aos pés da árvore, que ainda não viu, este ano, a luz do dia.

     Vai olhando pelos homens e, quando te distraíres, por mim.


lots of love,

Mark

24 comentários:

  1. Bem escrita, como seria de esperar, denota uma instabilidade, que não te conhecia, ou por apenas agora se manifestar ou por sempre a teres ocultado. Estarei errado?

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    1. A instabilidade existe desde que nasci. Eu sou emocionalmente instável, o que acentuou bastante com a separação dos meus pais.

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  2. Deixo-te um grande abracinho :)

    abraço amigo

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  3. tudo vai correr bem. é esta quadra. e este frio...
    bjs.

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    1. É uma época muito dada a introspecções...

      um beijinho.

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  4. Desculpa a comparação mas quando leio os teus textos vêm-me sempre à memória um filme que vi - "The Perks of being a wallflower". Inconscientemente dou por mim a comparar-te com o protogonista, Charlie :) Um abraço..

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    1. Olá, Ricardo.

      Não conheço o filme. :) Mas vou pesquisar.

      um abraço.

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    2. Não sei qual o teu género favorito, mas vê :) eu gostei! abraço

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    3. Eu não ligo muito a cinema, portanto, vejo todo o tipo de filmes. :)

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  5. Que os dias de descanso melhorem um pouco está fase.

    Grande beijo!

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  6. Bonito texto. Muitos parabéns e que o vento traga felicidade :)

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  7. Mark, o início do teu texto parece o início das atas das reuniões de uma associação a que pertenço (e que tenho de ser eu a fazer as ditas atas... )
    Um Feliz Natal :)

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    1. É... eu sou muito formal.

      És o primeiro a desejar-me um feliz Natal. Eu, geralmente, faço-o mais tarde. Ainda nem entrámos na "recta final" para o Natal. Um Feliz Natal para ti. :)

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    2. Eu sou assim. Comento aquilo que ninguém comenta e sou apressado a desejar um feliz natal xD

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    3. É bom. Marcas a diferença. :)

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  8. Mark, não recebeste um comentário meu, assinado da plataforma wordpress como sonhosdesencontrados?
    Não utilizei o blogger dado já o não utilizar. Apenas o wordpress e sapo blogs. Tinha eu escrito e escrito...

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    1. Paulo, recebi um comentário teu, como "sonhosdesencontrados", mas num outro post, o Despojos, que de imediato publiquei e ao qual respondi. Aqui não recebi nada. Ou não o submeteste, ou foi algum erro do Blogger. :/

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  9. Meu melancólico favorito. <3 Se eu estivesse aí, te dava um abraço apertado.

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  10. Em Fevereiro, devo ir a Lisboa.
    Mark, eu gostava muito de poder estar contigo! ^^
    Temos de combinar algo!
    Quanto ao Pai Natal, quem sabe ele não te respondeu de alguma forma? :D
    Abraço :3

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  11. Mark, tua carta é daquelas que não se lê, mas se escuta com o coração em silêncio. É um desabafo embrulhado em papel de honestidade crua, com laço de lucidez rara — daquelas que rasgam mais do que confortam, mas que precisam ser ditas, como um grito educado que ainda assim ecoa.

    Esse Natal que te pedem com sorrisos prontos — como se o calendário fosse mágico e não apenas insistente — encontra em ti não uma recusa, mas uma resistência digna. E que resistência bela, Mark. Porque mesmo aos gritos por dentro, segues firme no que acreditas: não preocupar quem ama, não vestir a alegria emprestada de vitrines iluminadas.

    Teu relato dos estudos, das apresentações, do coração que já não treme tanto — isso é conquista, ainda que o mundo interno não esteja celebrando com fanfarra. Saber falar em público é uma coisa. Ter a coragem de escrever isso aqui é outra muito maior.

    Essa garrafa caída, os livros ao chão, o gesto brusco... não são falhas. São sinais. O corpo às vezes grita antes da boca — e não precisa ser interpretado por olhares de terceiros. Basta ser acolhido por ti mesmo.

    Teu caderninho, esse companheiro silencioso, vale mais do que qualquer embrulho de loja. Porque nele tu guardas não o que se compra, mas o que se salva.

    E sim, coloca essa carta aos pés da árvore — mesmo que ela ainda não tenha luz. Porque, convenhamos, ela não precisa piscar se tua palavra já brilha.

    Abração
    Dan
    https://gagopoetico.blogspot.com/2025/04/entre-o-canto-e-calma.html

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