11 de novembro de 2013

Sunday morning.


   Pela manhã, abrindo a janela do quarto, descobri um sol bastante auspicioso. Um quarto, meia hora mais tarde, as nuvens encobriam-no, revelando uma claridade acinzentada, própria do Novembro. De temperatura amena, concordei quando optou que o nosso encontro ficasse marcado para o domingo. Aos sábados, está com a mãe, dá-lhe atenção, escuta-lhe as maleitas, conforta-a. Estuda, sai, caminha sozinho como gosta. Não sendo o que se chamará de prioridade, continua a gostar de estar comigo e, neste jogo de dá-recebe, todos ficam a ganhar.

   Não o via há três semanas. Semanas que pareceram meses e que, ou muito me engano, são um prenúncio. Achei-o um tanto ou quanto irónico, meio que despregado. Como sempre, anda aceleradamente, contudo, não mais acompanha o meu passo. Desvendei-lhe o primeiro sinal.
   Decidimos, na noite anterior, ir até ao Museu da Cidade. O jardim, agradável, propicia boas conversas. Os bancos, verdes, de uma madeira pintada até à exaustão, não poderiam ser maiores, aumentando a distância entre nós. Falou-me dos trabalhos, do curso, uma vez mais, do jantar de turma e, veja-se, de uma possível ida a um bar com colegas. As pessoas, de facto, são uma caixinha de surpresas. À minha constatação do frio que se fazia sentir, repentino, surgindo com um vento, não demonstrou qualquer preocupação. Resolvemos entrar no museu. Valeu a pena.


   Conhecendo-o de uma ponta à outra, nunca me canso de revisitar a história de Lisboa, os seus rostos por séculos. Num dia particularmente estranho, o semblante de D. Maria I, a minha monarca favorita, trouxe-me algum alento. Uma mulher inteligente, perspicaz, religiosa demais, talvez, crescendo num período difícil de grandes mudanças sócio-políticas. Não conseguiu, ou não soube, adaptar-se aos revezes da vida, caindo num longo quadro psicótico de vinte e quatro anos. Pobre D. Maria!

   Aconselho vivamente. Além de abordar a cidade desde os seus primórdios, passa pela Idade Moderna, pelo terramoto, claro está, e pelo liberalismo (século XIX) até à I República. Numa maquete, vê-se claramente as diferenças arquitectónicas entre a Lisboa medieval e a cidade nova que nasceu com o engenho e a astúcia de Pombal. Não fosse a catástrofe e, hoje, o que teríamos? Ruas estreitas, prédios inclinados, um palácio da Ribeira, paço da Corte, cheio de tesouros incalculáveis, mapas dos descobrimentos e uma biblioteca riquíssima que sucumbiu nos escombros. Estou de mal com o terramoto. Ao menos poupou-nos o Aqueduto, os Jerónimos e a Torre de Belém, malandro.


   Foi uma visita curta, tão curta quanto os olhares que trocámos. Deu para pegar nuns ramos de umas árvores e explicar-me acerca dos frutos, das flores, das pragas, dos bichos todos e mais alguns, indiferente a mim, à minha presença. Voltámos a ser dois estranhos. Sei, porque sei, que não é nada pessoal. Ele é assim, arredio. É dele. Não sabe o que quer. Acredita, provavelmente, que casará, terá filhos, será muito feliz. E espero que o seja. Mas que não deixe a mulher, de noite, e os filhos, dormindo, enquanto se perde em escapadinhas fortuitas nas camas de outros homens, cuja carne devora sofregamente. Ou pior, que se torne um decrépito homem, só, abandonado, dando o seu corpo em troca de prazer fugaz. Eu não estarei lá para ele.

    Despedi-me com um aperto de mão e virei costas. Não olhei para trás. Pela primeira vez.

28 comentários:

  1. que triste Mark, que post tão irremediavelmente triste :(
    Não sei que te dizer, espero que sejam muito felizes, juntos, ou separados, porque acredito que sejais os dois ótimos rapazes.

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    1. Continuamos amigos. Sem mais. É frio, demasiado para o meu feitio.

      Obrigado, Kyle.

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  2. Não se lamente, Mark. Se ele age desse jeito é porque não merece sua atenção, sua dedicação. Vc é um menino especial e meigo, ele que é um bobo!

    Abraços e olhe sempre o sol de manhã. Depois fala pra mim se ele não te sorriu :)

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    1. Creio que me dei demais. Isso, hoje em dia, representa um risco.

      Sorri, claro. :) abraço!

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  3. Lamento tanto, :(

    Deixo-te um grande abraço

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    1. Obrigado, Francisco.

      Bem a propósito, a Mariah lançou hoje o seu novo single que tem tudo a ver com o momento que vivo.

      " Evidently your words were merely lies, reverberating in my ears, and the echo won’t subside. Letting go ain’t easy, oh, it’s just exceedingly hurtful 'cause somebody you used to know it’s flinging your world around... And they watch as you’re falling down, down, falling down, baby... "

      abraço.

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  4. É cruel quando não somos correspondidos, mas às vezes a amizade nos faz notar que não valia pena...
    Abraços!

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    1. Correspondido até acho que sou; o rapazinho é que tem lá os seus fantasmas. E é muito 'independente', pegando numa palavra que costuma usar.

      abraço.

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  5. Uma das sensações mais terríveis é de percebermos o outro lado não nos acompanha...
    É terrível!

    Diogo

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  6. fiquei triste ao ler isto.. se não tivesse no trabalho acho até que uma lágrima entre outra pudesse ver a luz do dia.
    é sem dúvida triste ver que alguém, sem motivo aparente, ou então até com motivo (novos ares, nova realidade, perde interesse no que supostamente gostava antes) apesar de não ser um bom motivo, muda assim.
    custa sempre.. mas o tempo ajudará.
    se precisares de alguma coisa já sabes!

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    1. Mudou bastante. Parece outro rapaz. Talvez porque tenha conhecido pessoas novas.

      Deixou de se preocupar comigo.

      Eu não sou frio. Posso ser reservado, mas não consigo estar com alguém sem brincar, trocar um sorriso, demonstrar algum carinho. Ele é o oposto.

      Obrigado, Aaron. :)

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  7. ah, caramba, Mark. estavas como que a adivinhar, nos últimos posts, eram tão melancólicos, tão cinzentos.
    não tenho mais palavras :(
    bjs.

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    1. No fundo, esperava por isto. Foi se afastando e afastando...

      beijinho.

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    1. Quando li, Mark, não consegui comentar nada. É um post ao mesmo tempo tão bonito e tão triste, tão bem escrito e tão irremediavelmente conclusivo.
      Tu descrevias o moço de forma tão atenta e carinhosa que facilmente nos apaixonávamos por ele através de ti. Tu sempre tiveste uma maturidade invulgar que te dava um semblante assertivo diante desse romance entre amigos. Deus sabe o que lhe vai na cabeça e no coração, que bloqueios e desejos o povoam. A forma tão desapegada como se despediram é tão trágica. Não concordo nem gosto muito que infiras o seu futuro. Não há nada de mais incerto que um futuro, Mark, e vocês são tão jovens. Sabe lá ele o que fará da vida. Infelizmente, de facto, existem uns quantos, muitos, homens que enganam as mulheres com outros homens, e felizmente que és um gay melhor resolvido que ele, mas é preciso dar tempo ao tempo e cada qual prosseguir a sua vida e destino. Talvez um dia se cruzem, oxalá que por bons motivos.

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    2. Com tristeza minha o digo, ou melhor, escrevo: creio que é realmente conclusivo.

      Ele trilhou um caminho que, tarde ou cedo, daria nisto. É um rapaz meigo e querido, é certo, mas ao mesmo tempo consegue ser frio, consegue estar comigo sem demonstrar qualquer afeição. Quis à força que fôssemos apenas e só dois amigos, apesar de ter vivido ao meu lado momentos que acredito únicos.

      Tentei já por diversas vezes perceber qual o objectivo deste afastamento propositado. Ele lá terá os seus motivos, no entanto, recuso-me a isto. A tratá-lo como um mero rapaz, amigo, sem um toque, um abraço. Além disso, não me sujeito a 'mendigar' a sua atenção. Nunca.

      Realmente desconhecemos o futuro. Quanto a ele, enfim, não creio que mude por ora. Acredita que subsiste assim, errante. Espero que sim, para seu bem.

      Obrigado pelo apoio, Alex. És um fofinho. :)

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  9. Querido Mark, "porque foste o que tinha de ser"?
    Revi-me, de certa forma, no que escreveste. Agora, sê corajoso e segue em frente. :-)
    Alguma coisa, fala!

    Abraço, e assim, 'tá a ver?? :D

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    1. Obrigado, Inefável. Oh, eu estou bem. As desilusões também fazem parte. :)

      ahah, abraço. :'D

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  10. r: Obrigado Mark, vou tentar sempre ser fiel a mim mesmo, às vezes é complicado. | Eu aproveitei esta oportunidade de praticar desporto de graça :) O frio remedeia-se e hoje até esteve bom tempo eheh

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  11. *sento-me à janela, a olhar para a lua e suspiro triste*

    É de facto triste, que uma história bonita como a vossa era, se esteja a perder, aos poucos, fruto não só da distância que vos separa, mas certamente, porque ele, mais imaturo que tu, ainda não sabe bem o que quer. Melhor dizendo - saber sabe, só que não tem é coragem de o admitir para si mesmo.

    Amigos continuarão a sê-lo, mas o Tempo, melhor do que ninguém, revelará até que ponto manterão uma amizade que outrora foi tão bonita e cúmplice.

    Não guardes tudo para ti, sabes que tens amigos com quem podes contar e eu cá estarei para te escutar e ajudar no que puder também. E o Vappy também! :P

    Beijinho e um abraço muito terno. :)

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    1. Obrigado, João.

      Sei sim. :)

      beijinho e abraço terno.

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  12. Sinto muito Mark, imagino como te sentes.
    Estas situações são sempre difíceis mas o que não nos mata faz-nos mais fortes. E o amor é insondável, nunca se sabe donde ele aparece...:)
    Grande abraço.

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    1. É verdade, Arrakis. As palavras de pessoas experientes ajudam sempre. Quero acreditar que o meu príncipe andará por aí...

      abraço grande e obrigado. :)

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  13. Olá Mark
    pois é aqui estou a inteirar-me por via dos teus magníficos textos, do que se vai passando contigo e ainda vou ali à frente a aprender mais uma lição de História...mas isso é outro assunto.
    Como deves saber tomei a iniciativa de abandonar, de uma forma activa a blogosfera, mas é por blogs como este que aqui tens que me será impossível deixar de por "aqui andar".
    Quer seja no que se refere à tua vida académica, quer ao pretexto dum triste caso "social" para mostrares a forma bonita como os teus Pais souberam lidar com uma situação que embora difícil é bastante comum, quer principalmente aos mais recentes desenvolvimentos afectivos com o P., eu continuo a achar-te fascinante.
    És um ser muito bom, (terás como todos nós os teus defeitos e se assim não fosse não serias perfeito, como és), e fico imensamente triste com o que sentiste no teu último encontro com o P.
    Como sabes também, vivo há muito tempo (vai fazer 8 anos), um relacionamento afectivo à distância e sei do que falo: é uma prova de amor saber encarar a separação e infelizmente parece que o teu amigo não estaria preparado para tal cometimento; lamento-o por ti, pois pese embora nunca te vi completamente apaixonado por ele, sentiste da sua parte um afecto e um acompanhamento que jamais tinha acontecido; e isso, agora com a frieza que referes da parte dele, terá necessáriamente de deixar marcas em ti, apesar de saber que és suficientemente forte para superar esta "pequena" desilusão.
    Mark, são estas coisas que nos vão acontecendo na vida que nos preparam para um amor verdadeiro que hás de um dia encontrar e viver em plenitude.
    Eu tive dois relacionamentos grandes, antes deste com o Déjan, sou amigo verdadeiro de ambos eagradeço-lhes a sua quota parte da felicidade que agora usufruo.
    Que sejas muito feliz, e eu...olha, andarei sempre por aqui, às vezes com muito atraso, mas sem stress, como eu gosto.,

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    1. Olá João. Muito obrigado pelo carinho. Não tenho palavras para o agradecer.

      És um dos amigos que fiz na blogosfera e o respeito e a consideração que tenho por ti estão acima de tudo.
      Fico muito triste com a tua saída activa da blogosfera, mas compreendo os teus motivos. És uma referência e todos ficamos mais pobres. Felizmente, continuarás por aqui, na nossa companhia, e o afastamento não será total. Ainda tenho esperança de que reconsideres e vás publicando periodicamente, sem qualquer obrigação.
      Acompanhas-me há tanto tempo. Tem sido uma amizade que nasceu e foi se cimentando com o tempo, tornando-se real este ano. :)

      Posto isto, o P. é um amigo e dali não surgirá mais nada. Desiludi-me um pouco, tens razão. Via-o como um amigo e, inevitavelmente, como 'algo mais'. E esse 'mais', que era pouco, ele retirou.
      Continuo a acreditar que ainda encontrarei alguém que me faça feliz. Não busco incansavelmente o amor. Se vier, claro, não lhe fecharei a porta. Quem somos nós sem alguém que nos estime, ame, acarinhe?

      Deixo-te um grande abraço e, por favor, nunca nos deixes.

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