Os tectos das salas são altos. Tão altos que nos sentimos mínimos no meio daquelas paredes antigas, pese embora revestidas de uma tinta branca, brilhante, que contudo não afasta o cheiro bafiento a Salazar que ainda por lá se respira. As mesas e as cadeiras, fixas no velho pavimento de madeira, encontram-se a uma distância apreciável do púlpito do professor, dez metros acima das nossas cabeças, como bem mandava o respeito reverencial da época.
As janelas, amplas, deixavam correr a brisa da tarde, fresca e suave, que agitava as folhas dos amontoados de legislação dispersa, que compunham a decoração singela das mesas. Regras e preceitos definidos a rigor, a hora do término da avaliação escrita com um toco de giz no quadro empoeirado, de letras mal sumidas.
Olhos de gavião contemplavam-nos a todo o momento. Uns escondiam os livros nas prateleiras inferiores das mesas, outros fingiam uma atenção inexistente.
Lá fora, as copas das árvores agitavam-se sob a luz clarividente de um final de tarde. O silêncio ensurdecedor só era perturbado pelo som de aviões prestes a aterrar na Portela. Entre cópias de documentos impressos, do século XVI, nas paredes, o peso histórico da sala fazia-se sentir a todo o momento.
Ultimavam-se os artigos mais importante para o fim; frases construídas à última hora, um pouco mais para preencher folha. Levantavam-se e tornavam-se a sentar. Espera! Ainda há mais! Saía mais um artigo improvisado, quiçá de número e alíneas omissos e sem estipulação de fonte. Nada como a sensação de trabalho concluído.
Saí atrás do professor, enquanto ouvia um grupo de alunas para trás, trocando impressões imprecisas, conformando-se com a ideia do lanche de angústias e sentimentos de culpa que aí viria.
Pela tua descrição, dir-se-ia que a prova terá sido de poesia...
ResponderEliminarlanche de angústias e sentimentos de culpa... nunca alinhei nesses números. Para mim, feito o exame, era pensar no próximo!
ResponderEliminarestes rounds recordam-me os meus, junho sempre foi terrível, mas, após passado, era um alívio (não me lembro de deixar exames para setembro, mas foi ainda no século passado e a memória atraiçoa...).
ResponderEliminarimpressões imprecisas, :)
bjs.
A presença do ditador de vocês ainda é forte. Um pouco como acontece aqui no Brasil. A herança é ruim demais. Gostei das descrições que você fez. Muito detalhado.
ResponderEliminarAbraço-te.
João: Antes tivesse sido. :)
ResponderEliminarCoelhinho: Sabes, eu coloco os headphones para não ouvir o que eles começam a falar sobre o exame. Adoram trocar impressões sobre o que escreveram e o que deixaram de escrever... Torturam-se voluntariamente e isso não é p'ra mim. :/
Margarida: Hoje em dia a época de recurso não é mais em Setembro; agora é em Julho. Antigamente vocês tinham mais tempo para estudar. :) Bom, ainda não precisei da época especial, até à data! :)
Ty: Foram décadas a fio e a democracia ainda não tem quarenta anos. Está consolidada, mas ainda há muitas coisas que lembram os velhos tempos. Felizmente não os vivi.
<3 a todos