6 de junho de 2012

Terceiro Round.


 Os tectos das salas são altos. Tão altos que nos sentimos mínimos no meio daquelas paredes antigas, pese embora revestidas de uma tinta branca, brilhante, que contudo não afasta o cheiro bafiento a Salazar que ainda por lá se respira. As mesas e as cadeiras, fixas no velho pavimento de madeira, encontram-se a uma distância apreciável do púlpito do professor, dez metros acima das nossas cabeças, como bem mandava o respeito reverencial da época.
 As janelas, amplas, deixavam correr a brisa da tarde, fresca e suave, que agitava as folhas dos amontoados de legislação dispersa, que compunham a decoração singela das mesas. Regras e preceitos definidos a rigor, a hora do término da avaliação escrita com um toco de giz no quadro empoeirado, de letras mal sumidas.
 Olhos de gavião contemplavam-nos a todo o momento. Uns escondiam os livros nas prateleiras inferiores das mesas, outros fingiam uma atenção inexistente.
 Lá fora, as copas das árvores agitavam-se sob a luz clarividente de um final de tarde. O silêncio ensurdecedor só era perturbado pelo som de aviões prestes a aterrar na Portela. Entre cópias de documentos impressos, do século XVI, nas paredes, o peso histórico da sala fazia-se sentir a todo o momento.

 Ultimavam-se os artigos mais importante para o fim; frases construídas à última hora, um pouco mais para preencher folha. Levantavam-se e tornavam-se a sentar. Espera! Ainda há mais! Saía mais um artigo improvisado, quiçá de número e alíneas omissos e sem estipulação de fonte. Nada como a sensação de trabalho concluído.
 Saí atrás do professor, enquanto ouvia um grupo de alunas para trás, trocando impressões imprecisas, conformando-se com a ideia do lanche de angústias e sentimentos de culpa que aí viria.


5 comentários:

  1. Pela tua descrição, dir-se-ia que a prova terá sido de poesia...

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  2. lanche de angústias e sentimentos de culpa... nunca alinhei nesses números. Para mim, feito o exame, era pensar no próximo!

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  3. estes rounds recordam-me os meus, junho sempre foi terrível, mas, após passado, era um alívio (não me lembro de deixar exames para setembro, mas foi ainda no século passado e a memória atraiçoa...).
    impressões imprecisas, :)
    bjs.

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  4. A presença do ditador de vocês ainda é forte. Um pouco como acontece aqui no Brasil. A herança é ruim demais. Gostei das descrições que você fez. Muito detalhado.

    Abraço-te.

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  5. João: Antes tivesse sido. :)

    Coelhinho: Sabes, eu coloco os headphones para não ouvir o que eles começam a falar sobre o exame. Adoram trocar impressões sobre o que escreveram e o que deixaram de escrever... Torturam-se voluntariamente e isso não é p'ra mim. :/

    Margarida: Hoje em dia a época de recurso não é mais em Setembro; agora é em Julho. Antigamente vocês tinham mais tempo para estudar. :) Bom, ainda não precisei da época especial, até à data! :)

    Ty: Foram décadas a fio e a democracia ainda não tem quarenta anos. Está consolidada, mas ainda há muitas coisas que lembram os velhos tempos. Felizmente não os vivi.


    <3 a todos

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