Acabara de sair de casa da avó. Não tenho por hábito passar por lá de manhã; apeteceu-me. Precisava de falar com aquela que considero como uma amiga, antes de mais e sobretudo. Os seus conselhos inspiram-me e o som da sua voz, tolerante e vivida, acalmam-me os receios, muitos dos quais infundados.
Almoçámos juntos. O espírito aberto e sadio da avó contrasta até com a sua educação, tradicional, católica. Outros tempos e, essencialmente, outras perspectivas e formas de encarar a realidade. No seu tempo, as meninas não tinham a liberdade de hoje em dia; existia uma quase submissão aos esposos, apesar do mesmo não ser uma regra geral na sociedade informada e esclarecida. O avó sempre foi um homem diferente, talvez mais educado e isso propiciou que, enquanto casal, sempre mantivessem uma postura distinta, eu diria até bem mais avançada para a época. Apesar de não saber em concreto o que pensará o avô acerca do tema controverso, a avó aceita e apoia o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, a adoção, etc.
Quando saí da sua casa, curiosamente e por um mero acaso, entrei numa pastelaria não muito longe para beber um café. O café estimula-me e tem um efeito vespertino em mim. Não sou o mesmo sem uma dose - uma e controlada - de cafeína diária. Na mesa, ao meu lado, duas raparigas sentadas e um menino falavam e brincavam. Assim que as vi, apercebi-me logo de que se tratava de um casal homossexual. Talvez o famoso sexto sentido funcione também com casais de mulheres... A forma terna em como se olhavam foi o primeiro indício. Envergonho-me, de certo modo, por o dizer, mas o aspecto algo masculino de uma acentuou também a ideia inicial. O cabelo curto, a pose de chefe de família, o ar pouco dado a manifestações entusiastas de feminilidade...
A um dado momento, tocam-se com as mãos, afagam os cabelos mutuamente. A pastelaria tinha um número considerável de pessoas e é evidente que olharam. Uns com repulsa; outros com curiosidade. Pouco lhes importou.
Em que lugar fica o menino no meio disto tudo?
O verdadeiro motivo desta exposição escrita é aquela criança, que deveria ter uns sete, oito anos. Era um menino... feliz. Muito feliz, eu diria. Sorridente, brincando com ambas, a ponto de eu não conseguir decifrar qual, de facto, seria a progenitora. Soube quando uma disse: "... não te escondas atrás da tua mãe." O menino corria atrás da frias cadeiras metalizadas, sorrindo expressivamente. Brincavam com o menino e o mesmo encarava aquelas manifestações de carinho entre as duas de forma tão natural que chegou a emocionar-me. Vi, como nunca antes e afirmo-o perentoriamente, uma família feliz. A outra parceira, companheira da mãe do menino, amava-o e isso era visível, bem como o era o carinho da parte deste último.
A educação daquela criança quando se dirigiu ao balcão para pedir uma caixa de pastilhas elásticas, o trabalho nobre que aquelas mulheres tiveram em educar tão bem aquele ser ainda tão suscetível ao preconceito exterior.
Não vou tecer considerações desnecessárias, refutando inverdades, desconstruindo discursos que destilam ódio, a pessoas que em nada merecem - sequer - uma simples menção neste texto. Nem elas, nem o preconceito amargo que usam nos seus falsos argumentos.
Existia amor, carinho, respeito. Isto é uma família - tomara muitas, "normais".
Pudesse ser sempre assim, amigo Mark...
ResponderEliminarBom, espero que um dia as sociedades comecem a entender o sentido de democracia. Ainda temos muito que aprender. Acho um absurdo que até os dias de hoje, temos que lutar por um direito tão simples que é o direito de ser feliz do jeito que é, sem medo. Portugal já deu o primeiro passo com a legalização do casamento igualitário (prefiro chamar assim do que casamento de pessoas do mesmo sexo). o Brasil ainda tá engatinhando. Beijos do Brasil!
ResponderEliminarbem, se não me escapou nada no teu texto, as duas poderiam ser bem duas irmãs :).
ResponderEliminarpinguim: Mesmo, amigo. (:
ResponderEliminarDespreocupado consciente: O Brasil - o belo país-irmão - lá chegará. De facto, é absurdo ter de lutar para ser feliz. Parece-nos tão óbvio, não é? (:
Obrigado pelo comentário.
P.S.: Curioso o seu nick. Eu seria um preocupado consciente. LOL :)
Speedy: Acredita que não... As manifestações de carinho não eram filiais: eram carnais, quase sexuais. ^^
Despreocupado por ser um tipo de pessoa que leva a vida numa boa,relaxado. Consciente porque sou uma pessoa que gosta de discutir sobre vários assuntos que muitas vezes,as pessoas não gostam muito,por exemplo, política. ha ha ha!
ResponderEliminarEsquenta não... coisa de brasileiro.
ps: tou acompanhando a história do R. Espero q role um lance maneiro entre vcs. Bj do Brasil
Despreocupado: Eu entendi. (:
ResponderEliminarOhhh :$ muito obrigado pelo carinho e pelas palavras. Beijo ou abraço. ^^
Mark, neste que está a ser um fds nada agradável, a expressão "famílias ditas normais" faz-me refletir, mantendo-me na tua linha de pensamento. Eu, que com tantas "normais" trabalho e afinal tão poucas o são... Cada vez menos!
ResponderEliminarMas tal como o Pinguim, deixo o pé um pouco atrás... No meu caso, apenas porque quando se é feliz, as manifestações de afeto quase sexuais não necessitam ser expressas num café. Normalmente, os casais que o fazem estão associados à violência doméstica. Repara, quantos casais amigos dos teus pais conheces cuja relação sabes ser caótica mas que na rua não passa de uma encenação da maior "love story"?
Grande abraço.
(e escreve!!! esta vai ser uma semana super dolorosa, com as avaliações dos alunos, existindo apenas 5 pcs para todos os dts com o programa respectivo. Se puderes, envia mail pois talvez nem tempo tenha para passar no blogger buahhhh)
Paulo: Realmente, há imensos casos em que as demonstrações de afeto são visíveis apenas na rua; em casa, as coisas não são bem assim... Mas, sabes, referia-me ao carinho entre os três, sem essas presunções à posteriori. Em princípio, deve tratar-se de uma família normal, onde impera o carinho. Como se costuma dizer: "até prova em contrário...". (:
ResponderEliminarSim, enviar-te-ei um e-mail.
Grande abraço. ^^
Aqui no Brasil só conseguimos o reconhecimento, perante o judiciário, da relação estável homoafetivo (acho que aí é chamado de união de facto), pois o Supremo Tribunal Federal julgou que os casais homoafetivos têm os mesmos direitos que o casal heteroafetivo. Por conta disso, muitos casais conseguiram se casar no civil, (a constituição versa que a união estável pode ser convertida em casamento), mesmo assim, por não ter uma lei expressa, fica tudo muito a cargo do juiz autorizar ou não o casamento. Quanto à adoção, alguns casais conseguem adotar conjuntamente, pois não há nenhuma lei que os proíba, ainda sim, tem que entrar com uma ação na justiça para conseguir o direito. Há propostas de emenda constitucional para mudar a lei, mas ainda não existe um interesse do poder legislativo. Não sei se você leu meu post a respeito do Estatuto da diversidade sexual proposto pela O.A.B achei uma proposta interessante. Queria saber sua opinião, se quiser, te mando uma cópia do anteprojeto.
ResponderEliminarAbraços do Brasil!