6 de julho de 2015

Os deuses estão loucos.


    Por semanas tenho evitado abordar a crise grega, que em bom ver ultrapassa as fronteiras do país helénico. A situação actual da Grécia apenas se distinguirá da realidade portuguesa pela extensão das graves consequências que tem tido. Sem financiamento para garantir a liquidez da sua banca e com o pagamento dos empréstimos ao seu principal credor, o FMI, em atraso, a Grécia vê-se num limbo extremamente perigoso, comprometendo-se a sua permanência na moeda única, falando-se desde há muito nesta hipótese.
 
    Os líderes da Comissão Europeia, do Conselho Europeu, do Eurogrupo e do BCE, bem como Angela Merkel e o seu ministro das finanças, têm presente o efeito contágio que uma eventual saída da Grécia da moeda única europeia poderá ter em países cuja estabilidade da economia é discutível. Muitos foram aqueles que viram a vitória do Syriza como uma possível lufada na sociedade grega. Mantendo-me cauteloso, percebi que nem sempre o populismo se coaduna com negociações sérias. E a Grécia precisa que o BCE e o FMI a financiem. Sem acordo, e com esta vitória contundente do "Não" num referendo em que pesou mais o descontentamento do que a razão, não será difícil de prever que o Euro, num primeiro momento, e a UE, seguindo-lhe os passos, ressentir-se-ão dos efeitos que esta crise agravada inevitavelmente terá. No quotidiano do povo grego é perceptível: instituições de crédito encerradas, levantamentos de remessas condicionados, afluência desmesurada de pessoas aos estabelecimentos comerciais procurando precaver-se de uma escassez que já se vislumbra.
 
     Nunca fui partidário da austeridade. Numa lógica simples, meramente económica ou matemática, medidas de austeridade levam à contracção da economia. As famílias não compram. Não se consumindo, não se produz, não há emprego, não há o menor desenvolvimento. E escuso-me, por ser desnecessário - todos as conhecem, a considerações de ordem moral.
 
      Não me revejo na linha ideológica extremista do partido que governa a Grécia. Creio que a demissão do seu ministro das finanças peca por ser demasiado teatral. O curioso é que a posição radical e inflexível, inicial, de Tsipras e de Varoufakis deu lugar a um discurso moderado. Hoje falam em negociações, aludindo sempre à malfadada austeridade, mas sabem que uma eventual solução passará por ajustar as condições de financiamento. Sabem que não há Grécia fora da UE, não neste momento, e que o que esperará à Grécia se regressar ao dracma, emitindo moeda própria, será a desvalorização imediata e a consequente inflação, conduzindo o país à mais absoluta miséria. Um triste fim, que os países não o têm. O regozijo pela vitória do "Não" deveria ser mais moderado. O que está em causa não é o finca-pé entre o governo grego e os credores; é chegado o momento de ver, entre o mau, o que é pior. Porque há pior. E quem ergue a sua voz contra a austeridade irracional pela qual os gregos passam, e nós por cá sabemos qual é, tem o dever de esclarecer o povo acerca do que poderá vir a acontecer se a saída do impasse for a que ninguém quer. Em bom português, a honra de barriga vazia de nada valerá, e o orgulho, por vezes, tem um preço bem elevado. Claro está que não será Tsipras nem os seus ministros que sofrerão. O povo, por eles influenciado, será responsabilizado pelo que decidiu nas urnas. Referendar medidas desta natureza é um puro golpe estratégico. Eu sabia que o resultado seria este. Para isto o povo tem vindo a ser adestrado.
 
      As soluções mágicas existem nas fábulas. Na vida real, na vida concreta das pessoas, na governabilidade de um país, o equilíbrio encontra-se no consenso. O que é difícil de atingir. Temendo o contágio que referi acima, sim, mas ainda assim revelando uma condescendência quase divina, os credores gregos estão dispostos à negociação. E o primeiro-ministro grego também. Com serenidade, mas depressa, terão de se entender. Para o bem deles... e o nosso.
 

18 comentários:

  1. Gosto de suas visões neste campo. Comedidas e inteligentes. Hoje tenho uma postura mais ortodoxa qto às questões políticas e econômicas. Minha fase de utopia de esquerda já passou. Mas nada como uma boa postura de diálogo prático, sem rigidez ideológica.

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    1. Obrigado, Paulo.

      Procuro ser moderado. Extremismos não se enquadram comigo, mesmo considerando-me um homem predominantemente de centro-esquerda. :)

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  2. eu também não me revejo. de todo. não conheço a realidade da Grécia, se aquilo que o José R. dos Santos declarou num directo e que causou incómodo é a realidade por lá, e que continua. por outro lado, temos o FMI e a UE, demasiado intransigentes, a austeridade nunca foi remédio, como estamos a ver por cá, cofres cheios à custa do trabalhador mas os poderosos continuam incólumes. a ironia é que a Grécia vai pedir ao FMI mais dinheiro para pagar ao FMI e por mais não sei quantos anos... e nós aqui até sofremos muito mais do que eles. mas somos uns pacíficos. só fizemos uma grande manif, contra a TSU, e depois foi o que se viu, cada um a olhar o seu próprio umbigo. duvido que por cá os transportes fossem gratuitos como lá, por exemplo.
    entretanto, os mercados financeiros é que reinam, os juros são reis e senhores.
    indigno é vermos as imagens dos idosos à porta dos bancos. não merecem ser assim tratados. ninguém merece.
    bjs.

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    1. A realidade da Grécia é aquela que nos chega através dos meios de informação, talvez para pior. Idosos, como bem disseste, Margarida, à porta dos bancos.

      O que me perturba é a insensatez dos dirigentes, seja os do governo grego ou os credores do país. Parece uma guerra para ver quem leva a melhor, não reparando, porém, que "brincam" com a vida de milhões. Eu não quero ser alarmista, mas não sei o que faria se chegasse a uma prateleira de supermercado e não houvesse comida - a Grécia anda perto deste cenário.

      um beijinho.

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  3. Sem dúvida, Mark. Este referendo vai alterar e muito o quotidiano dos gregos...

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    1. Como se vem dizendo: as dívidas não são para pagar, são para negociar. Ora, o que uns propõem é isto, sucintamente: não à austeridade, não aos compromissos, não a nenhuma responsabilidade. Estes discursos são de uma leviandade sem precedente. A Grécia tem de renegociar a sua dívida, e eventualmente pagá-la a prazo.

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  4. Política não é comigo, confesso que tenho estado um pouco afastado das noticias, não porque não tenha interessa, até porque se a Grécia sair da UE é estarem a abrir a porta para que no futuro outros possam também ser delicadamente convidados a saírem.

    A austeridade tem um preço, depois os políticos além de manhosos sabem que o povo tem memória curta, daí que facilmente consigam dar a volta a muito gente.
    A Grécia precisava de uma remexida em termos políticos, teve e não resultou mas está mais que visto que alguns países têm que "viver" atrelados às normas impostas pelos mais ricos.

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    1. Por enquanto apenas se fala de uma possível saída da zona euro, o que eu acredito que acarretaria graves consequências para a estabilidade da moeda. A economia grega ficaria de rastos.

      Sabes, o projecto europeu era bonito e bem intencionado. Falta é a paridade. Não há apenas uma, mas várias velocidades na UE.

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  5. Engraçado que os Portugueses falam mais da Grécia, do que do Aumento dos Impostos em Portugal. Todos votam, todos iam às urnas. Todos especialistas...

    No entanto em Portugal, não se manifestam (mais manifestantes com bandeiras gregas em Lisboa, do que bandeiras portuguesas), e no dia das eleições estão todos na praia ou no campo...

    Como designar esta mentalidade tuga?! Quantos países tem a moeda como euro?! Só oiço o Costinha, e o Coelhito lololol Fora a Alemanha e França. Ninguém mais se pronuncia dasssssssssssssssssssssssssssssss

    Grande Abraço amigo

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    1. Fala-se muito da precária situação da nossa economia, amigo Francisco. Naturalmente, a crise grega a todos deixa motivos para alguma apreensão. Não estamos bem, contrariamente ao que vem na propaganda política da coligação governamental.

      O ministro das finanças espanhol pronunciou-se, salvo erro.

      um abraço grande. :)

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    2. Francisco, só ouves o costa e o coelho,porque é só a esses que a comunicação social da tempo de antena... Os outros também falam, mas não convém que o povo oiça o que eles dizem...

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    3. Há outros líderes partidários que falam, claro. Por cá e por lá.

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  6. Ando há anos a dizer que nenhum país sairá do Euro. O Euro, tal como está, não sobrevive sem a Grécia, sem Portugal, sem a Irlanda, etc... A economia europeia e a economia da UE, no geral, e a economia de cada um dos 28 estados membros da UE e dos 19 estados que compõe o Euro, em particular, não resistiria, não resistirá, se um, apenas um país saía do Eurogrupo.
    O referendo grego é tão importante, para cada um de nós europeus, pois os gregos foram votar o futuro da Europa. Até ao final do ano, segundo a minha futurologia, nascerá uma nova Europa, um novo modelo europeu. Daí que o OXI seja tão importante, ainda por cima tendo sido mais de 61%. Mesmo que agora pareçam mais moderados... e aparentemente anteriormente não o seriam...

    Francisco concordo contigo, de momento fala-se bastante da crise grega e não tanto da crise portuguesa. O (desprezível) governo português tem aproveitado todo este fogo para impor mais medidas de austeridade encapuzadas de outras coisas. A ver vamos em quem é que a maioria dos portugueses deposita o seu voto nas próximas Eleições Legislativas em Outubro...

    Há quem diga que as dívidas gregas e portuguesas são impagáveis, que são impossíveis de pagar no modelo que actualmente foi imposto pelo FMI e demais credores.

    Em relação a tudo isto, acho importante ainda relembrar que após a II Guerra Mundial, a Alemanha (ainda antes de ser dividida em duas) tinha uma dívida incomportável e impagável, contraída pelo III Reich, essa mesma dívida foi perdoada. O Plano Marshall foi, em parte, isto. Contudo, não foi apenas a dívida financeira que lhe foi perdoada, foi igualmente a dívida de sangue provocada pelo banho de sangue que se espalhou pela Europa e pelo Mundo. A Alemanha parece esquecer-se um pouco disso...

    Já agora, Mark, fizeste uma excelente análise. Obrigado.

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    1. Bem se tenta que nenhum membro da moeda única saia. O tal efeito contágio que mencionei. Eles sabem disso. Mas a saída poderá colocar-se, o que abriria um precedente grave. O Euro não sobreviveria sem a Grécia pelas repercussões que a sua saída teria em mercados débeis como o português, por exemplo. A fúria dos mercados que paira sobre os gregos recairia sobre nós.

      Não sei se os gregos votaram o futuro da Europa. Votaram uma reacção à crise, à austeridade, mas de uma forma ou de outra terão de negociar. Não podem simplesmente abandonar os compromissos firmados. Ainda que a dívida lhe fosse perdoada, a Grécia perderia toda a credibilidade junto dos mercados. Se simplesmente ignorar os seus compromissos, o caminho que se adivinha não lhe será nada favorável. Vivemos num mundo globalizado, numa realidade diferente da que existia pós-1945. A Grécia não subsiste por si só (já no pós-guerra isso se viu). Precisa de ajuda, precisa de se permitir a um entendimento. Da parte dos dirigentes europeus, claro está, e do governo grego, tem de haver sensibilidade para saber medir os custos que medidas de contenção têm na vida diária das pessoas.

      Como bem disseste, e no seguimento do que eu respondi ao Sam, as dívidas vão sendo negociadas. Pagar um colosso como o que os gregos (ou nós) devem é irrealista. Vão pagando...

      O Plano Marshall impulsionou a economia europeia, tratando-se de um plano de ajuda / financiamento. Num pós-guerra, é natural que os países, lentamente, recuperem. À destruição segue-se a bonança, o que espero que aconteça à Grécia.

      Luís, permite-me que discorde. A Alemanha foi dividida em duas e sofreu fortes sanções - começando desde logo pela divisão - no pós-guerra. A dívida de sangue não lhe foi perdoada. Houve, inclusive, os julgamentos de Nuremberga. A Alemanha não saiu incólume da II Guerra Mundial.

      Obrigado, Luís. Obrigado pela participação e pelo valioso contributo. :)

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  7. É uma daquelas situações que não são fáceis, mas já deixei expressa a minha opinião por lá...

    Abraço

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    1. «Por lá», suponho que te referes ao teu blogue. Irei ler. :)

      um abraço.

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  8. O NÃO, não me espanta num pais onde 60% dos jovens está desempregado e sem perspetiva... o que têm a perder? Já não têm emprego, nem salário nem terão certamente pensão... por isso o voto NÃO, não me espanta.

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    1. Exacto. Não espanta, mas ainda têm a perder...

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