A vida ensina-nos. Sempre o ouvimos vindo de pessoas mais velhas que nos precedem em anos e experiência, mas frequentemente só entendemos a dimensão desta lição quando passamos por determinados acontecimentos que nos provocam verdadeira dor. A partir daí, aprendemos a relativizar tudo o que antes colocávamos no epicentro das nossas preocupações.
A separação dos meus pais, em 2006, pareceu-me o fim do mundo. Tinha vinte anos. Nunca antes houvera passado por um período tão duro. Foi o desmoronar dos meus alicerces, da estrutura que me suportava mentalmente. Vi-me sozinho, com uma pessoa nova na minha vida, cuja existência não se deveu a uma decisão que tenha tomado. Vi-me, em suma, no meio de um caos total que os meus pais provocaram. Foi o culminar de anos de decisões erradas que me prejudicaram tanto... A custo, a muito custo, fui-me reerguendo, e (re)nasci mais forte, é certo. Aquele ano trouxe uma viragem decisiva, crucial, contudo, pelo sofrimento que me acarretou, ficou conhecido por mim como o meu annus horribilis. Sabia -é fácil deduzi-lo- que outros chegariam. Talvez não tão cedo.
Perdi a minha mãe. Creio que agora o consigo escrever. Como escrever sempre me foi mais natural do que falar, paradoxalmente, consegui dizê-lo antes de o conseguir escrever. Como se o escrevê-lo o tornasse num facto assumido, consolidado, irreversível. Cinco dias antes, não perdi, mas morreu o seu companheiro de dezasseis anos, o homem que demonizei por tanto tempo, apercebendo-me agora de que fora excessivo. Só nos damos conta da futilidade dos ódios quando as pessoas partem. Na debilidade dos outros vemos a nossa própria. Tudo se acaba tão rapidamente. E aquele homem que quis longe dos meus olhos, a quem desejei tudo do pior, foi-se. Não fomos amigos. Nem sequer nos respeitámos. Hoje, entretanto, vejo que algum bem me fez, que não lho reconheci, e que dou por mim a pensar nele todos os dias.
Na sexta-feira santa, a minha avó paterna, a avó Maria, adoeceu. Adoeceu de um momento para o outro. Entre internamentos e exames, descobriu-se-lhe um cancro de pulmão. Morreu no dia 3 deste mês.
Este ano, num espaço temporal inferior a quatro meses, perdi duas das mulheres mais importantes: a mais importante de todas, a minha mãe, e a minha avó que, com a minha mãe e o meu pai, também me criou. Duas perdas dolorosas, abruptas, inesperadas. À sensação de estranheza, de abandono, dificilmente dou corpo. Em primeiro lugar, vem a evidência de nunca mais voltarmos a ver aquelas pessoas que sempre estiveram presentes, para o bem e para o mal. De seguida, a certeza de que já lá não estarão para nós se precisarmos. É um confronto com a nossa solidão, com o desamparo. E vêm as tentativas de remediar isto e aquilo, reunir este e aquele caco, resolver esta e aquela pendência, sempre com o fito, mais ou menos consciente, de procurar escapar à causa primária de tamanho desconforto.
Daqui em diante, não sei o que irá suceder. Vivo um período de profundas transformações que se iniciou em 2020. Estes terramotos que me sucedem de tempos em tempos, que me provocam um medo tremendo, e que nunca sei como me deixarão.
Deixo te 3 fortes abraços com muita amizade. Um dia de cada vez e começamos a relativizar algumas coisa, não dar importância a outras e importamos nos com o que realmente importa
ResponderEliminarFrancisco
Cada vez mais sinto que o que verdadeiramente importa é aproveitar o tempo que partilhamos com as pessoas enquanto as temos connosco. Depois, não há nada a fazer senão lamentar o que desperdiçámos em futilidades e discussões infrutíferas. Somos tão efémeros…
EliminarObrigado, amigo.
Mark
Foi difícil ler o teu post sentindo a tua dor, o que estás a passar é incrivelmente difícil. Um abraço forte!
ResponderEliminarMuito obrigado.
EliminarVoltaste! Quando vi o teu username, lembrei-me logo de ti.
Um grande abraço.
Mark