11 de novembro de 2018

Portugal na I Guerra Mundial, por ocasião do centenário do Armistício (1918).


   A I Guerra Mundial terminou há precisamente cem anos, com a assinatura do Armistício, a 11 de Novembro de 1918. Há historiadores, entre os quais Boxer, que discordam desta nomenclatura, "I Guerra Mundial", aplicada ao conflito de 1914 - 1918, argumentando, e bem, a meu ver, que a verdadeira primeira guerra mundial terá sido o conflito que opôs Portugal à República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos, travada em todos os continentes da Terra e envolvendo potências terceiras, designadamente a Inglaterra e Castela.

   Independentemente destas divergências, a I Guerra Mundial, cujo final hoje assinalamos, foi o primeiro conflito a ceifar a vida a tanta gente, acrescendo-se-lhe, ainda, esforços de guerra nunca antes vistos - precisaríamos de mais vinte anos para assistir a algo em maior escala.

   Portugal participou na I Guerra Mundial a partir de 1916, com a formal declaração de guerra da Alemanha na sequência do aprisionamento de navios alemães em portos nacionais, não obstante já estarmos envolvidos em escaramuças com os germânicos desde 1914, pelas ambições territoriais destes em Angola e em Moçambique, sobretudo neste último. A nossa participação veio, também, num quadro de aliança com os britânicos, secular, e em colaboração com estes. No início do século passado, Portugal vivia um período conturbadíssimo a nível político, com a I República. A decisão desta, de se envolver no conflito, terá ajudado a ditar o seu fim abrupto, em 1926, com o golpe de estado que instituiu a ditadura militar. Conta-se, de modo desapropriado, quanto a mim, que a nossa entrada na guerra se deu unicamente à acção dos britânicos, que alguns anos antes, em 1890, até nos haviam sujeitado a um humilhante ultimatum. Não é verdade, como se sabe, porque urgia defender as nossas possessões africanas. Uma eventual vitória alemã escorraçar-nos-ia de territórios cuja presença remontava há quatro séculos e meio. Além disso, a  República Portuguesa, com meros seis anos, carecia de legitimação internacional. Houve um conjunto de factores que nos empurraram para as trincheiras.

Despedida de militares portugueses antes da partida para a Flandres

   Por forma a que saibam mais sobre o dia a dia dos militares portugueses que partiram para a Flandres, para combater, eu aconselhar-lhes-ia um livro de uma autora que também foi minha docente de História no Secundário e que é uma das mais destacadas especialistas nacionais nesta matéria. Falo-lhes de Isabel Pestana Marques. Tem várias obras editadas, destacando eu Das trincheiras, com saudade - a vida quotidiana dos portugueses na Primeira Guerra Mundial, da Esfera dos Livros. Como é sabido (e retratado no cinema e na literatura), as tropas estavam mal preparadas, desnutridas, exauridas. A participação do Corpo Expedicionário Português entre os Aliados foi desastrosa. Perdemos milhares de homens, sofremos uma derrota em La Lys, ainda que a ofensiva alemã haja sido sustida. Destacou-se, nesta batalha, o célebre soldado Milhões, Aníbal Augusto Milhais, que, sozinho, cobriu com fogo a retirada de soldados portugueses e ingleses, munido de uma metralhadora. Tal acto de heroísmo e coragem levou-o a ser condecorado com a mais alta insígnia militar portuguesa.

   A I Guerra Mundial pôs cobro aos grandes impérios europeus, o Alemão, Austro-Húngaro, o Russo e o Otomano. Criou-se uma ineficaz Sociedade das Nações, precursora da ONU e, sobretudo, enfureceu-se a Alemanha, sedenta por vingança. Os termos de paz impostos foram considerados vexatórios da sua honra e dignidade, e vieram permitir que Hitler, mestre da retórica, incendiasse a ira do povo. O caminho estava aberto para a guerra de 1939 - 1945.

10 comentários:

  1. Não entendo como alguém que posta sobre história de forma tão maravilhosa, dando créditos a historiadores de verdade como C. R. Boxer ao falar da história do Brasil prefere acreditar no Olavo de Carvalho!
    Nick

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  2. Aprendemos com os erros da primeira, ficámos neutros e amigos na segunda... Depois foi a bandalheira completa e está à vista de todos

    Abraço amigo

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  3. Sempre que li sobre esta dita I Guerra Mundial fiquei arrepiado, não só como a forma bárbara como os homens foram tratados (carne para canhão - ou balas, ou gaseamentos tóxicos, é igual), a forma desumana como a guerra era levada avante com líderes bélicos, um pior que o anterior, incompetentes e mal formados, e a introdução de forma de morte maciça fazendo uso de produtos químicos que fizeram razias, e, se não mataram, deixaram-os a morrer lentamente, algumas vezes durante anos, ou deixaram-nos incapacitados permanentemente.
    Claro que o nosso contingente estava mal armado, mal equipado e foi pura e simplesmente lançado para a morte na célebre batalha de La Lys, que aqui refere, onde cerca de 15 000 portugueses, comandados por Gomes da Costa, desapareceram numa questão de horas, mortos, estropiados ou feitos prisioneiros!!!!
    À posteriori, a situação tornou-se tão desesperada que muitos homens preferiram a insubordinação, a deserção ou ... o suicídio!!!!
    Várias localidades exibem monumentos dedicados à memória deste morticínio, como é o caso de Estremoz ou Soure, os quais conheço, mas devem existir mais, claro.
    Na região que rodeia esta última localidade desapareceu quase toda uma geração de homens, e, os poucos que regressaram, tinham sido gaseados e encontravam-se com doenças graves do foro pulmonar, que os matou lentamente no curso de vários meses, ou cegou-os, como foi o caso de um pobre homem, pai de meia dúzia de filhos, que, era eu miúdo, ainda vivia da caridade pública numa localidade próximo de Soure, pois o estado nem sequer se tinha dignado conceder-lhe uma pensão de sobrevivência, e ele, que não sabia ler ou escrever, também não teve o "know how" para conseguir acudir à sua situação tão aflitiva.
    Foi o meu pai, nos anos 50, que virou o céu e a terra para que a família tivesse acesso a essa forma de sobrevivência, o que conseguiu, após anos de tentativas anteriores, infrutíferas.
    Ainda hoje fico arrepiado perante os meios de combate destes pobres homens, para não falar dos dos outros todos, pois as condições não seriam muito melhores, se bem que, os contingentes das grandes potências deveriam estar melhor equipados e treinados que os nossos.
    E o dito soldado Milhais só ficou conhecido para a posteridade, dada a sua ajuda a um oficial escocês, salvando-o de morrer afogado num pântano, o qual, em agradecimento, tratou de o imortalizar como o "bravo do pelotão", senão até isso ficaria esquecido para sempre nos campos de morte entre a França e a Bélgica.
    Concordo consigo sobre os motivos de entrada de Portugal no conflito, pois doutra forma creio que as colónias portuguesas em África teriam tido um futuro diferente (e, falando hoje, talvez tivesse sido melhor que assim fosse).
    Portugal, recentemente saído de uma transição de regime, tinha razões políticas para marcar a sua presença na Europa e aumentar o seu prestígio internacional, mas a que preço!!!!!!!
    Por outro lado, e como outra consequência do resultado deste conflito, a Portugal foi-lhe perdoada a dívida internacional, que era imensa, à época.
    Mas ninguém nos pagou a perda de quase 35 000 homens!!!!
    E, se antes estávamos fragilizados em termos económicos, continuámos!
    As debilidades socais de que Portugal padecia agravaram-se.
    O regime continuou com graves problemas económico-políticos, que se acentuaram e que culminou com o final da Primeira República com a revolução de 28 de maio, e o aparecimento do que se denomina hoje de Estado Novo, com o "salvador da Pátria", António de Oliveira Salazar.
    Portugal teve que pagar uma dura pena!
    Continuação de uma boa semana e gostei muito deste seu texto, vale a pena recordar
    Manel

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    1. Olá, Manel. Uma vez mais, perdoe pela aceitação tardia do seu comentário. Nem sempre posso ir ao PC, pelos horários. Costumava aceitar os comentários e responder a estes através do telemóvel. Ora, ultimamente vem-me dando erro. Se nós falhamos, como é que estas maquinetas não hão-de falhar?

      A nossa participação, repetindo-me e repetindo-o, foi catastrófica. Fomos para lá quase arrastados. Nem fazia sentido, como continua a não fazer, que um país politicamente insignificante como Portugal se meta nestes “barulhos”. Naquela época, é bem verdade, ainda tínhamos um vasto império colonial, que era objecto de cobiça. Li algures que o Reino Unido e a Alemanha chegaram a acordar a cessão da nossa África aos alemães. Os ingleses sempre foram uns belos traidores.

      O episódio que o Manel relata, sobre o Milhais, eu pude ver recentemente num filme. Creio que no ano passado. Vemo-lo a salvar o dito britânico. Um filme interessante, por acaso.

      Obrigado. Ainda bem que gostou. :)

      Uma continuação de boa semana.

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  4. Aceite o meu comentário quando puder ou tiver tempo. Isto não são "fúrias desatadas".
    Mas gosto muito do seu "feed back", sem o qual não passo :) e leio-o com toda a atenção.
    Manel

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    1. Também o leio sempre com toda a atenção. Já lhe disse: estou sempre à espera do que me tem a dizer. :)

      Bom fim-de-semana!

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