Fui ao Espaço Nimas, ali na 5 de Outubro. Interessou-me o documentário sobre a diva da ópera, Maria Callas, em cartaz. Adoro a Callas, não só enquanto soprano - tenho as suas principais actuações na biblioteca de música - mas também enquanto mulher, e era nesta última que a minha curiosidade incidia. Sabemos, todos, do percurso pessoal acidentado, sobretudo no que respeita à vida amorosa. Este documentário mostra-nos filmagens da própria, algumas inéditas, entrevistas que deu, inclusive, e ainda passa pelas suas actuações memoráveis nas principais casas de espectáculo da Europa e dos EUA. Callas passou por Portugal, aliás, em 1958, alguns meses depois da actuação falhada em Roma, naquele que seria o começo do fim.
Desconhecia alguns pormenores da vida de Callas. Não sabia que havia sido a sua mãe a principal impulsionadora da carreira, carreira essa que atingiu o zénite na década de 50. A voz de Callas era inigualável. Contudo, o que prendia a atenção do público não era apenas a voz extraordinária, com uma capacidade de atingir notas agudas surpreendentes; a sua interpretação, que aliada à voz prometia actos de inigualável encanto, rendendo-lhe ovações entusiastas, diferenciava Callas das demais sopranos. Era uma diva, e foi-o em todas as acepções da palavra. Temperamental, era exigente consigo e com quem trabalhava. Perfeccionista também. Esse seu lado irascível não é tão abordado assim no documentário, mas adivinha-se.
Se, no palco, Callas era a melhor, a Maria, fora dele, só queria ser feliz. Os espectáculos desgastavam-na pelas óperas completas. Cantar e interpretar, manter a afinação e conter os críticos exigia-lhe um esforço sobre-humano. A carreira de Callas manteve-se em alta durante toda a década de 50. Ao conhecer Onassis e ao pôr cobro ao primeiro casamento, Callas dedica-se mais àquela relação com o magnata grego, descurando a carreira e comprometendo a qualidade da sua voz. O declínio tornou-se visível na década de 60. Callas, por vezes, via-se obrigada a cancelar as árias, não regressando ao palco e deixando o público furioso e os críticos fascinados, tendo ali matéria para mais escândalos.
Onassis proporcionou-lhe esses momentos de descontracção e harmonia, ao contrário do seu primeiro marido, a quem a carreira de Callas se sobrepôs à mulher. Onassis, pelo contrário, respeitava-a e protegia-a, pouco se intrometendo na sua vida profissional. Foi o homem que Callas amou. Se chegou a ser feliz, foi-o com ele, nos maravilhosos cruzeiros que faziam, na companhia dos seus amigos mais chegados e dos animais de estimação. Callas, sempre sofisticada, diva nos palcos, era simplíssima nas relações pessoais. Apercebemo-nos disso ao ouvi-la falar. Ela não o nega: teria deixado a carreira e a ópera para ser uma mãe esmerada, uma mulher dedicada. Só que sê-lo e ser a melhor cantora do mundo eram incompatíveis. Quando Onassis se junta à recém-viúva Jacqueline Kennedy, e com ela se casa, Callas recebe talvez o mais duro dos golpes.
A década de 70 trouxe-lhe o desencanto da passagem do tempo e a solidão. Callas passou a refugiar-se cada vez mais, muito embora continuasse a ensaiar e até se apresentasse em espectáculos. Londres e Tóquio foram as suas derradeiras apresentações. A voz mudara muito. A desilusão com a vida, com Onassis, estava-lhe estampada no rosto. A morte deste prenunciou a sua. Meros dois anos depois de Onassis falecer, Callas sucumbiu a um ataque cardíaco fulminante na sua casa de Paris.
O documentário, realizado por Tom Volf, não tem o pendor quase voyeur sobre a vida pessoal de Maria Callas. É natural que se tenha de falar nela. A determinado momento, a vida pessoal começa a prejudicar a vida profissional. Não podemos percorrer a carreira de Callas sem falar em Onassis, nomeadamente. Mas este documentário foca mais a artista, com filmagens, entrevistas e actuações. Como se fosse um filme, tendo a própria como actriz principal. Extenso, com quase duras horas, será de imprescindível utilidade para fãs e para quem a quer descobrir, à Callas, a mais bela das vozes do século XX.
Uma diva mesmo. Não conhecia detalhes de sua vida. Muito legal este compartilhamento ...
ResponderEliminarSe gosta da Callas, assista a este documentário, meu bom amigo.
EliminarAinda que uma criança de colo, onde dificilmente as coisas se lembram (ou talvez tenha inventado, não sei), mas parece que recordo o borburinho que a sua passagem por Lisboa causou na minha casa, a milhares de quilómetros de distância. Bem, não me admiraria se tivesse inventado, pois parece-me impossível que uma criança de colo consiga lembrar tal facto. Ou talvez mo tivessem referido mais tarde ... não sei deslindar o facto.
ResponderEliminarAinda estava com a sua voz algo intacta, mas não por muito mais tempo.
Era sobretudo uma "performer". Foi contemporânea e grande rival da Tebaldi, que ainda hoje penso que fosse melhor a cantar, não obstante, continuo a manter a Calas como uma das deusas do meu altar, mas por razões diferentes da sua capacidade de cantora.
Tebaldi era uma lírica e Calas uma dramática, e são totalmente diferentes na sua abordagem ao canto e capacidades interpretativas.
Tornou-se lendária pelas altas notas que atingiu (os célebres "mi bemol" que, não só atingia, como os mantinha, o que espantava as audiências), após o que a sua voz começou a ser imprevisível.
Há pessoas que culpam a sua curtíssima carreira como cantora (a Tebaldi manteve a sua carreira durante 30 anos), à perda de peso súbita que experimentou, e que a transformou de um "patinho feio" num belo cisne, e esses tais "mi bemol" que mantinha, muitas vezes fazia-o mesmo durante os ensaios, o que seria impensável para outras cantoras, pois é um esforço tremendo nas capacidades vocais das sopranos, com consequências imprevisíveis na sua voz, como veio a verificar-se.
Soube no entanto adaptar-se e compensar esta falha mercê da sua imensa capacidade performativa.
Apesar de terem surgido milhares de cantoras após Calas, e muitas delas até melhores (se bem que a comparação é sempre difícil), ficará para sempre ligada à lenda e à qualidade que soube impor à sua arte performativa, no que a sua ligação a Zeffirelli não foi em vão.
Manel
Sim. Conheço a Tebaldi. Enormíssima também. A rivalidade entre ambas era muito conhecida e muito comentada.
EliminarEu creio que a Callas, pelo contrário, veio provar que as grandes divas da ópera não precisam, necessariamente, de ser gordinhas. Ela era magra e, ainda assim, conseguia atingir aquelas notas fantásticas, além de mantê-las. Callas revolucionou o canto lírico.
Cumprimentos.
Muito bom :) mais uma dica tua a ter em consideração :)
ResponderEliminarabraço amigo
Se puderes, vai ver. Estou certo de que irás gostar!
EliminarUm abraço.