31 de outubro de 2017

Catalunya, once again.


   Longe de estar encerrado, o capítulo Catalunha continua a merecer a nossa atenção. Eu, como todos os jovens da minha geração, não tive lutas. Os nossos pais tiveram-nas: o 25 de Abril, a Guerra do Vietname, a independência de Timor... Sempre senti esse vácuo. A necessidade de um combate político. Recordo-me, em adolescente, de adoptar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo como uma causa, mas perdi os anos de combatividade acesa. O instituto haveria de ser aprovado pelo parlamento, em 2010.

   Vi no processo independentista catalão uma oportunidade de dar sentido a uma juventude fútil. Quis ver nascer um novo país. Pareceu-me que quem defendia acerrimamente a autodeterminação dos povos não poderia ficar indiferente aos anseios catalães. Mas uns houve que só viram a autodeterminação pela metade, talvez temendo um processo semelhante ao da Jugoslávia, quando a Carta das Nações Unidas, quando a prevê, não faz distinção entre povos subjugados. Como se os povos africanos, nomeadamente, merecessem mais a liberdade. Alguma incoerência, submissão a Espanha e manifesta má vontade com a causa catalã.

   A Europa,  pelo efeito-contágio expectável, apressou-se em não reconhecer a independência da Catalunha, declarada há poucos dias. O Governo espanhol fez circular uma minuta pelos países amigos, para que todos repudiassem o golpe dos revoltosos. A aplicação do artigo 155, a sujeição das instituições catalães ao governo central e a convocação de novas eleições, para finais de Dezembro, fazem crer que o pior já passou. Com o afastamento de Puigdemont, que provavelmente quererá evitar mais confrontos, Madrid tem o caminho livre para impor a sua ordem constitucional.


   Continuo a não acreditar na passividade dos catalães que querem poder decidir o seu futuro. Tão-pouco acredito nas manifestações pela união, fomentadas por Madrid com espanhóis de todo o país fazendo-se passar por catalães. Não será a Constituição espanhola a segurar a obstinação daquele povo, se essa for a sua vontade maioritária.

26 de outubro de 2017

(In)justiças.


   Determinado excerto de um acórdão da Relação do Porto circula pelas redes sociais. A Comunicação Social deu-lhe amplo destaque. Eu tive curiosidade e procurei encontrá-lo, ou, se tanto, ao conteúdo que suscitou tamanha indignação entre as pessoas. E pude comprovar, por mim, que as reacções de desagrado eram mais do que fundadas.

   Os magistrados decidem de acordo com a lei, com os factos e com o juízo que fazem dos factos. No caso deste desembargador, creio que lhe terá faltado sensibilidade. Transpôs os seus preconceitos para o acórdão. Desviou-se da lei e seguiu a religião e a crendice. O mais grave, quanto a mim, prende-se à sustentação e à confirmação dos sentimentos populares nos casos de adultério, que fazem pender sobre a mulher um juízo de censurabilidade muitíssimo superior, quando a Constituição, através do princípio da igualdade, consignado no artigo 13º, afasta por completo toda e qualquer discriminação de género. A mulher e o homem são iguais perante a lei. É, efectivamente, o cultuar da misoginia.

    Os tribunais são independentes. Administram a justiça em nome do povo. Ora, a decisão jurisdicional é, ela mesma, desfasada da realidade do país. Compreender-se-ia se vivêssemos num país em que ainda se observasse a mulher daquele modo. Os tribunais não podem apartar-se por completo do contexto social em que se inserem. Não é o caso. Ao ter tomado conhecimento da fundamentação do acórdão, as pessoas revoltaram-se. E naturalmente. Ninguém de bom senso fica indiferente àquilo que ali está.

    Portugal está vinculado, mas não apenas na ordem interna, à observância dos princípios constitucionais. Há convenções e tratados, dos quais somos signatários, que também eles não nos permitem fazer tais distinções intoleráveis de género. Este magistrado em concreto não deve, jamais, de futuro, julgar casos análogos. Será o Conselho Superior de Magistratura o órgão competente para se pronunciar e agir em consonância. Simultaneamente, e embora compreenda o alarme social, não devemos, deste caso, tirar ilações para todo o país. Temos magistrados e magistradas competentes, homens e mulheres do conhecimento, que em caso algum decidiriam assim. Recorrendo a um adágio popular conhecido, « em todos os pomares há maçãs podres ».

      Para quem não conhece o acórdão, pode lê-lo aqui. A polémica está na pág. 19.

21 de outubro de 2017

Klaus Nomi.


    Este post será ligeiramente contracorrente. Há muito que não me dedico a intérpretes ou canções; melhor dito, há muito que nenhum, ou nenhuma, me merece um destaque especial. Por estes meses, entre as minhas pesquisas, redescobri Klaus Nomi. Já lhe tinha passado os olhos há anos, sem me deter o suficiente. Klaus Nomi foi um artista ímpar. Hoje mesmo, se vivo fosse, estou em crer que seria incompreendido.

    Klaus era alemão. A carreira teve tanto de curta quanto de meteórica. No final dos anos 70, seria catapultada quando se mudou para Nova Iorque. Enquanto esteve na sua terra-natal, actuava na Ópera Alemã. Já nos EUA, impressionou a todos pelas suas vestes histriónicas, pelo penteado exuberante e pelas performances inusitadas e teatrais. Klaus, que era contra-tenor, soube conjugar o canto clássico e a pop-rock, uma junção que, na sua voz, soava sublimemente. Nos finais da década de 70, em torno de 1979, o não menos carismático David Bowie assistiu a uma das suas apresentações e convidou-o para actuar ao seu lado no programa televisivo Saturday Night Live. A comparência no programa tornou-o conhecido para o grande público norte-americano, permitindo-lhe gravar um álbum sob o selo da RCA, de título homónimo, encetando uma breve tour pela Europa e pela América, além de ter colaborado em projectos paralelos com outros nomes do meio.

    Em 1983, a sua saúde começou a acusar sinais de debilidade. Enfraqueceu, emagreceu, surgindo-lhe umas manchas estranhíssimas na pele, sobretudo no pescoço, que prontamente disfarçou ao usar uma gorjeira, adereço muito comum nas cortes europeias pelos séculos XVI e XVII. Acabou por falecer em consequência de complicações causadas pelo então desconhecido HIV.

    Antevendo a morte iminente, Klaus interpretou, em meados de 1983 (haveria de morrer em Agosto do mesmo ano, com trinta e nove anos), a ária Cold Genius, do Rei Artur, por Henry Purcell, compositor. Tratou-se de um momento emocionante e pejado de simbolismo. Um homem que, a morrer, canta a morte.

     Eis o depoimento, duro, de um dos poucos amigos que não o abandonaram durante as suas últimas semanas, Joey Arias: « Os médicos obrigaram-me a usar um traje de plástico quando o visitei. Eu estava proibido de lhe tocar. Depois de algumas semanas, pareceu ter melhorado. Tinha força para andar. Então, saiu do hospital e foi para casa. O seu gerente fê-lo assinar todos os papéis, como se a sua vida valesse quinhentos dólares. Ele desenvolveu kaposis (um tipo de lesão associada ao sarcoma de Kaposi, que é uma forma estranha de cancro de pele relacionado à SIDA) e começou a tomar interferon. Isso afectou-o terrivelmente. Tinha marcas em todo o corpo e os seus olhos tinham fissuras roxas. Era como se alguém o estivesse a destruir. Só costumava brincar com isso: "Agora chama-me o Nomi de pontos". Então, ele realmente enfraqueceu e nós levámo-lo para o hospital. Não podia comer comida por dias porque tinha cancro de estômago. O herpes brotou-lhe por todo o corpo. Ele tornou-se um monstro. Doía-me muito vê-lo assim. Falei com ele na noite de 5 de agosto, e ele disse-me: "Joey, e agora o que é que eu faço? Eles não me querem mais no hospital. Já me desligaram de todas as máquinas. Tenho de parar com tudo isto porque não estou a melhorar". Tive um sonho de que Klaus ficaria melhor e cantava novamente, só que desta vez um pouco deformado, de modo em que ele tinha de estar atrás de um ecrã ou algo assim. Eu disse: "Agora serás o fantasma da ópera. Vamos fazer apresentações juntas", e ele respondeu: "Sim, possivelmente". Mas Klaus morreu naquela noite enquanto dormia. »

       Deixo-vos o vídeo e algumas fotos deste artista tão ignorado.






18 de outubro de 2017

A nódoa negra.


   Debrucei-me, em Junho, sobre Pedrógão. Aquela mortandade apanhou-me de surpresa. Não julguei ser possível ver morrer tanta gente em dias, uns nas suas casas, outros encurralados pelo fogo enquanto dele tentavam fugir. Logo aí, dei-me conta do rotundo falhanço do Estado português e das instituições, um descompromisso inadmissível com a segurança dos cidadãos e com a sustentabilidade e o ordenamento das nossas florestas. Quatro meses depois, repetiu-se a tragédia, e devo dizer que o que mais me custou foi ver a leveza com que o Governo encarou o fim de semana mais assombroso da história recente. Vi um Primeiro-Ministro calmo, quase que relativizando o sucedido, e uma Ministra da Administração Interna que fazia finca-pé, insistindo em manter-se no cargo, quando tutelava a pasta que lhe teria permitido adoptar todas as medidas necessárias de prevenção para evitar os fogos e os seus efeitos devastadores - num país em que os incêndios são recorrentes.

   A reacção da oposição foi a única possível. Não é só a MAI a responsável. Os ministros são politicamente responsáveis perante o Primeiro-Ministro, que encabeça o executivo. Em última instância, a responsabilidade não pode ser negada ao Chefe do Governo. No seguimento dessa dupla responsabilização, Ministra / Primeiro-Ministro, naturalmente toda a estrutura governativa é posta em causa, o que justifica, da parte do CDS-PP, uma moção de censura, que, ao que consta, será votada favoravelmente pelo PSD.

   O CDS tem sido coerente nas suas decisões. Assumiu-se como verdadeiro partido da oposição, a meio da crise de credibilidade do PSD, e Assunção Cristas, já em Junho, com Pedrógão, havia sido implacável quando criticou a actuação do Governo e a aparente desresponsabilização face a uma tragédia sem precedentes. A moção de censura enquadra-se bem como instrumento de ultima ratio (artigo 194º, número 1 da CRP). Aprovada com maioria absoluta, implica a queda do executivo (artigo 195º, número 1, alínea f)). É bem pouco provável que tal aconteça, porque os partidos que já anunciaram que a votarão favoravelmente, CDS-PP, o proponente, e PSD, não reúnem a maioria exigida pela Constituição, ou seja os 116 deputados. Quando a queda do executivo está afastada, o que parece ser o caso, há uma interpretação a fazer da moção de censura: para o CDS-PP, o Governo não tem condições para se manter em função - daí que não o possa voltar a fazer (propor outra moção) até ao término da legislatura. Sendo a Assembleia da República soberana, a rejeição da moção dará novo fôlego ao Governo, uma vez que o parlamento reitera, assim, a sua confiança no executivo (não confundir com a moção de confiança, cuja iniciativa parte do Governo). Para que a moção acarrete a demissão do Governo, alguns deputados da extrema-esquerda teriam de se aliar à direita, o que não é razoável, não obstante os acordos entre o PS, PCP-PEV e BE nada preverem quanto a cenários semelhantes. Admitindo que alguns deputados votassem a favor da moção e que o Governo caísse, ou mesmo que António Costa apresentasse a sua demissão ao Presidente da República, as novas eleições poderiam reforçar a representatividade parlamentar do PS.


     O discurso do Presidente da República foi duro, e deixou recados ao Governo. A remodelação governamental, cirúrgica ou não, foi dita entrelinhas. Veio o merecido pedido de desculpas aos portugueses, e o Presidente, que não tem quaisquer competências executivas, percebeu que essas palavras eram merecidas àquelas populações, num gesto de humildade que o Governo não soube ter. Também, como figura máxima da hierarquia do Estado, vem o reconhecimento de que este falhou na salvaguarda da segurança e da vida dos cidadãos. Pontos para Marcelo, fracassos para Costa. O pedido de demissão da MAI, junto do Primeiro-Ministro, veio ao encontro dos apelos do Presidente. Constança Urbano de Sousa estava desacreditada perante a opinião pública, profundamente fragilizada desde Pedrógão. Creio que tomou a decisão certa, até para preservar um pouco da sua imagem pública, desgastada após tantos desaires políticos.

     Deve, nesta matéria, haver um consenso político entre os partidos com responsabilidades governativas. Ano após ano, deparamo-nos com o flagelo dos incêndios; neste ano, em particular, com a perda de mais de cem vidas humanas, um número demasiado elevado para ser esquecido, deliberadamente ou não.

16 de outubro de 2017

iPhone.


   Pensei em se deveria ou não escrever sobre uma compra. Fazia-o com frequência nos anos iniciais do blogue. Entretanto, cresci, progressivamente comecei a falar menos e menos de mim, da minha vida pessoal, e achei que falar em compras seria demasiado fútil. A futilidade pode ser benéfica. Ajuda-nos a descomprimir.

   Há muito tempo que queria fazer a transição para a Apple. Gosto da marca, gosto da forma como se publicita. Os produtos são bons. O pós-venda, dito por todos, é excelente. Apenas o preço desmotiva, e muito. No meu caso, queria começar por, gradualmente, adquirir o telefone, o tablet, o portátil e, sendo caso disso, o fixo. Ontem, finalmente, dei o primeiro passo. Adquiri, no El Corte Inglés, o último iPhone 8 Plus. Sim, foi caro. Muito caro. Nunca tinha dado tanto por um equipamento. O meu Surface, que gosto da linha da Microsoft, ainda assim, foi mais barato.

   Estive indeciso entre o 7 Plus e o 8 Plus - o modelo mais recente. Pelo preço a que estava disposto a pagar, tinha o 7 Plus com 128 GB e o 8 Plus com 64 GB. O 7 saiu há um ano, é um óptimo telefone, e com 128 GB permite armazenar muito. O 8, aquele pelo qual me decidi, e embora sendo mais caro - pouco mais - tem menos memória. O que ponderou na minha decisão foi o facto de não querer gastar tanto dinheiro num equipamento que saiu há um ano, havendo um mais recente. E conseguirei gerir perfeitamente os 64 GB, que, a bem ver, é espaço mais do que suficiente. Do Plus não prescindiria. Queria um aparelho razoavelmente grande.

    Para completar o pack, comprei uma capa da Apple para o telemóvel. Caríssima. Para terem uma ideia, porque é deselegantíssimo falar em números, paguei três vezes mais o preço de uma capa normal. É a capa oficial, digamos assim, em couro preto. E o telemóvel, claro, adquiri-o na tonalidade clássica. Também já tratei do Nano SIM.

     Foi uma compra cara. A primeira de outras, que o próximo passo será um iPad. Deixo-vos a foto.


11 de outubro de 2017

Al Berto.


    Dirigi-me à sala de cinema com grande expectativa. Al Berto é uma figura relativamente desconhecida e obscura fora dos circuitos culturais. Um poeta maldito, como todos os que afrontaram as convenções, numa época particularmente conturbada da história portuguesa contemporânea.
    Al Berto, e aqui fazendo um paralelismo com António Variações, na música, autoexilou-se nos anos da ditadura, tendo residido em Bruxelas, embebendo no seu espírito novas correntes. Regressado a Sines, deparou-se com uma terriola parada no período pós-revolucionário, com uma sociedade fortemente patriarcal, onde tudo o que transpirava a modernidade era sumariamente rejeitado. E Al Berto ousou nos costumes, junto ao seu pouco convencional grupo de amigos, suscitando todo o tipo de reacções de desaprovação, desde o insulto barato ao mais vil vandalismo.

     O filme é quase iconoclasta, se bem que não senti um esforço sobre-humano, da parte de Vicente Alves do Ó, para retratar um Al Berto diferente e amoral. Era-o. Havia, nele, um misto de modernidade e de apego às raízes, uma vontade de que tudo funcionasse no processo custoso de reconciliação com o passado. Um passado associado às tradições locais, ao palácio devoluto, à actividade piscatória da terra, àquelas gentes que desprezava e que, simultaneamente, o seduziam.

     O que para mim também releva, e digo-o despretensiosamente e sem pudor, é o facto de o filme se inserir em cinema português sem aparentar ser cinema português. Há um jeito novo de realizar, de fazer discorrer a narrativa, sem aborrecer o espectador. Convém que assim seja, porque atrai o público que desconfia das fórmulas antigas de se fazer cinema. Al Berto é, nesse sentido, um filme novo sobre uma realidade de há quarenta anos, e bem conseguido. Houve uma preocupação claríssima em não descurar os pormenores. O maço de cigarros de Al Berto e de João Maria era um SG dos setenta. Detalhes aparentemente ínfimos mas que podem elevar uma obra ao prestígio ou arrasá-la na crítica.

     Pelo meio, temos uma visão política bem demarcada. Sines, reduto comunista, na era das expropriações - que visaram também a burguesia local, entre a qual cresceu Al Berto. Um desejo de mudança, que tardava em chegar. Depressa Al Berto percebeu que a pequena localidade alentejana não estava preparada para os planos que traçara: a livraria - um sonho - a relação com um cantor libertino - que o amava - os saraus e as festas hippies. Sines não sonhou consigo, como fez chegar a uma das suas amigas.

     Gostei realmente muito, e aconselho. A interpretação de Ricardo Teixeira, o actor principal, seguramente ajudará a recuperar a memória e o legado de Al Berto junto do grande público.

9 de outubro de 2017

Da direita.


   Pedro Passos Coelho anunciou a sua não-recandidatura à liderança do PSD. Bem como referi no artigo atinente às autárquicas, não há muitas individualidades no seio do partido dispostas a tirá-lo do lamaçal em que o ainda presidente o jogou. Ouvimos falar de Rui Rio, de Luís Montenegro, de Paulo Rangel e, curioso, de Pedro Santana Lopes.

   O PSD é um dos partidos do centrão. Numa democracia como a portuguesa, exige-se que haja uma alternativa credível ao poder instalado. É saudável que assim seja. O PSD pós-2015 insistiu, muito por culpa do seu líder, num discurso derrotista que não encontrou correspondência com os factos, com a realidade do país. A natural consequência foi a do descrédito do partido, e da sua orientação manifestamente neoliberal, junto do eleitorado. A pesada derrota de 1 de Outubro e o anúncio da não-recandidatura de Pedro Passos Coelho darão um outro fôlego ao PSD, no momento em que Rui Rio se prepara para comunicar aos sociais-democratas e ao país as suas intenções de se apresentar como candidato à presidência.

    Rui Rio é um homem moderado, interessado em encontrar consensos, adepto dos pactos de regime. O bloco central, que assusta o Presidente da República e determinada ala no PSD. Eu, entretanto, defendo que quer o PS, quer o PSD devem assumir-se como diferentes, muito embora, em matérias sensíveis e de superior interesse nacional, saibam convergir quando é necessário. O PSD afastou-se sobremodo do seu ideário fundador, perdeu votos entre os jovens, entre os moderados. Extremou posições. Importa recolocá-lo ao centro sem medos, porque é ao centro que se ganham as eleições.

     Santana Lopes, com a decisão conjunta, mas não combinada, suponho, de Paulo Rangel e de Luís Montenegro de afastarem qualquer intenção de se candidatar, surge como segundo nome. Santana Lopes dispensa apresentações. O currículo político e pessoal fala por si. O período, curto, felizmente, em que governou não deixa saudades. Em sua defesa, devo dizer que não governou em circunstâncias favoráveis. Grosso modo, como Passos Coelho.
    Para liderar um partido com aspirações de poder, convém ter certa envergadura, credibilidade pública, inspirar confiança nas pessoas. Pedro Santana Lopes não reúne estas condições. Acredito que aceite o desafio; é um homem que não teme comprometer-se - verdade seja dita, tem pouco a perder.

     Há muito que se fala em Rui Rio. O ex-autarca nunca quis avançar, talvez por sentido de estratégia, talvez por não estar preparado para embates nacionais. Liderar o PSD é distinto de liderar a Câmara Municipal do Porto. É bem provável que o faça agora, dado que nenhum adversário de peso se lhe pode opor. Fala-se em cerca de sessenta por cento do partido favorável à sua candidatura.


     A direita portuguesa deve reestruturar-se. O CDS, pela deriva a que assistimos no PSD, tem sabido capitalizar os votos e o apoio daquela direita que não cede ao centro. Passos Coelho deixa, a Rui Rio, uma herança bafienta que cabe ao próximo líder repudiar. Recuperar um pouco do PPD, reconquistar aqueles que acreditam na afirmação do sector privado face ao público, na diminuição do Estado na vida dos cidadãos, particularmente do Estado português, pouco amigo, pesado. Incentivar ao investimento. Mais importante ainda, ter outro discurso. Não apresentar ao eleitorado um caminho obstinado e surdo de contenção. Não vai ser fácil. Compreendo as reticências de Rio.

6 de outubro de 2017

Outono.


   Eis que é chegada a estação de que mais gosto, o Outono. Em adulto, pois em criança adorava o Verão. Associava-o às férias grandes, à praia, ao descanso. Não há, todavia, melhor do que o Outono. O Outono, ao contrário da Primavera, diminui-nos os dias, que se tornam progressivamente mais frios, em contagem decrescente para o solstício de Inverno e para o Natal. É, portanto, no Outono que desço as avenidas para ver a iluminação; é no Outono que como as castanhas assadas; é no Outono que organizo as ideias para a minha lista de presentes, que me divirto com as decorações de Halloween - muito embora não ligue nada a essa festividade importada; prefiro as nossas tradições nortenhas. Também é no Outono que visito os meus mortos, que os tenho espalhados por três cemitérios da capital.

   Nos últimos anos, infortúnio meu, pelo aquecimento global ou pelo raio que nos valha, o Verão tem-se prolongado. Chegamos a Outubro com temperaturas de Verão, exageradamente elevadas, roubando-nos, pelo menos quanto a mim, o encanto da época, a ponto de nem se dar a queda atempada da folha, tão conotada ao Outono; talvez, diria eu, a primeira imagem que nos ocorre quando nos lembramos destes meses.

   Neste Outono, entretanto, pelo evento que irei realizar, terei, a par da faculdade - que ainda lhe devo algumas palavras - o tempo preenchido. Mais à frente, no início do mês que vem, adiantarei mais detalhes. Posso apenas desvendar que, tratando-se o Natal da minha quadra predilecta, é um período que convida à confraternização. Fico-me por aqui. Está em fase de maturação.

    Por ora, aguardo pelo fim da época quente. Este período de transição Verão-Outono / ócio-aulas está a ser particularmente turbulento e conturbado. Aguardo a acalmia.

2 de outubro de 2017

Autárquicas '17.


   Sem grandes surpresas ao centro, as eleições autárquicas deste domingo vieram confirmar as nossas suspeitas. O Partido Socialista, pela retoma económica do país, foi o grande vencedor da noite eleitoral, ao ter atingindo um resultado histórico em autárquicas, muito embora, em Lisboa, tenha perdido a maioria, o que obrigará a consensos. Nos antípodas, o PSD teve o pior  em quarenta e três anos de democracia. Um corte definitivo com o passado, a ruptura com Pedro Passos Coelho e com as suas políticas, que em verdade não deixaram saudades nos portugueses. O presidente do PSD prejudicou mesmo a marca "PSD" e alguns bons autarcas, que acredito que os haja, no seio do seu partido. É um homem teimoso, que insiste no suicídio político. Foi penoso ouvi-lo ontem, no seguimento do desastre em Lisboa, no Porto e em vários municípios do norte do país. Nos dois principais centros urbanos, posicionou-se como terceira força. A mensagem política é clara. Afastada que está a demissão, é provável que aguarde pelas primárias de Janeiro. Recandidatar-se à liderança é que não adivinho como possível, a menos que tenha perdido toda a dignidade e o que lhe resta, se restar, de bom senso.

    A estupefacção, quanto a mim, veio com os resultados da extrema-esquerda. O BE elegeu um vereador em Lisboa e aumentou a representatividade pelo país, mas a CDU perdeu bastiões comunistas no Alentejo e no distrito de Setúbal, como Almada e o Barreiro desde 1976. As forças de suporte ao Governo, pelo bom desempenho deste, saem prejudicadas. Para favorecer o PS, o eleitorado retirou peso político à CDU. Imagino a inquietação entre os comunistas, e estou de certo modo curioso para ver quais serão as suas relações com o PS a partir de agora. A extrema-esquerda portuguesa é, por natureza, contrapoder. A "geringonça", como lhe chamam, surgiu da necessidade de quebrar com um ciclo de austeridade. Com a economia estabilizada e com uma derrota eleitoral no saco, não vislumbro um PCP submisso, em consonância como até então, embora Jerónimo de Sousa evite traçar o paralelismo.

   Quanto ao CDS, conseguiu mais um município e obteve uma votação muito favorável em Lisboa. Eu, todavia, refrearia estes ânimos na capital, salvaguardando o conjunto. Quem ouvir Assunção Cristas, julgará que está perante a nova presidente da câmara. Em abono da verdade, fez uma boa campanha em Lisboa, pelo que merece os louros. Pôs o PSD para trás e reconfirmou a liderança no partido. Vejo-a como uma potencial líder da direita, que está órfã de uma referência. O partido soube fazer a transição entre um Paulo Portas desgastado por quatro terríveis anos de poder e uma centrista carismática.

    No Porto, o independente Rui Moreira, com maioria absoluta, renovou o mandato. Será em Isaltino Morais, passando pelos independentes, que temos a prova inequívoca de que a fama bate a idoneidade. Eleito com maioria absoluta à frente de Oeiras.

    As autárquicas têm uma leitura política nacional, como bem se viu.  Não raras vezes servem de cartão amarelo à governação, sendo que estas, de 2017, ficarão para a história como um castigo ao maior partido da oposição pelas suas políticas de 2011 a 2015, pela retórica gasta e crispada de Pedro Passos Coelho e pela desorientação e falta de visão política do PSD.  Há muito que aludo a uma urgente mudança. Entretanto, ninguém dá sinais de querer assumir as rédeas do partido. Todos se divorciaram desse passado negro intimamente ligado à dita troika. O grande erro, ainda voltando a Pedro Passos Coelho, foi o de supor que ou o país naufragaria ou os acordos com a extrema-esquerda não iriam tão longe. Falhou em ambas as análises.

     E em Loures, cidade limítrofe tão falada ultimamente, e para terminar, André Ventura, o populista candidato, não foi além de um terceiro lugar. A retórica extremista, em Portugal, decididamente não tem espaço. Foi uma má aposta, perdida. Os costumes do país não se compatibilizam com discursos reaccionários, sem prejuízo, devo dizer, de lhe reconhecer alguma razão no que disse ao longo da campanha - e foi também o entendimento do eleitorado, que deu, em Loures, um vereador ao PSD.