26 de março de 2017

Mário Cesariny.


   Um génio, um louco. Pouco conhecimento tenho da obra de Mário Cesariny, a literária e a plástica. Foi, como todos os surrealistas, excêntrico, atrevido, incompreendido. O documentário a que assisti no CCB, esta tarde, contribuiu muito para me aproximar do seu legado. Julgo-o como um homem lúcido na sua transcendência. Não passou inerte pela vida. Observou, experienciou, pintou, escreveu, foi perseguido pela PIDE por ser assumidamente homossexual.

    Naqueles noventa minutos, a alma do homem criativo evadia-se do corpo raquítico. A idade é cruel. Soube, extra-documentário, que a inspiração de Cesariny aumentou nos últimos anos. Quando somos mais maduros, experientes pelos erros, perecemos. Cesariny orgulhava-se das suas múltiplas conquistas amorosas e do fracasso com as mulheres. O pai, austero, disciplinou severamente o filho (e as filhas), e as memórias que deixou não foram as melhores. Surpreendeu-me ver que Henriette, irmã de Cesariny, com quem partilhava a casa, diabolizava o pai, vaticinando-lhe o mais cruel dos castigos no outro mundo.

    Custava-lhe ver os amigos partir. Como dizia, « Lisboa morreu e não foi a enterrar ». A poesia não lhe chegava em casa, mas nos cafés, nas ruas. Teve um amor que o quis matar. Não matou. Escreveu para incautos marinheiros que aportavam na capital. Os brasileiros, dizia, eram os melhores. « Vem cá, minha flor. » A voz doce e o sotaque açucarado levavam-no na certa...

     No ocaso da vida, era um homem permanentemente de cigarro na mão, desgastado pelo tempo, sem muitas ilusões. Era cru nas suas convicções, dolorosamente assertivo e genuíno. Não precisava de um psiquiatra, « mas dum homem ». Não escrevia para enriquecer o editor, não pintava para que as galerias julgassem que conheciam a arte, que tinham qualquer coisinha de surrealismo exposta. Foi livre na sua criação, poeta de si mesmo. Culto.

      Gostava de voar, de sonhar que voava. De ser livre. De olhar no espelho e ver-se ao ver o outro. A sua singularidade sobreviveu-lhe na recordação de todos, e é na diferença que encontramos o nosso traço distintivo. Mortais são os iguais.


4 comentários:

  1. Gostei muito do texto Mark mas, muitas vezes penso se não são loucos os que se desgastam na rotinas do dia-a-dia.

    Realmente o documentário foi muito bom. Já agora conhece este "Ama como a estrada começa"( https://www.youtube.com/watch?v=7PTNQsfSqNo) ?
    ...E este " As cartas do Rei Artur" ( https://vimeo.com/187659355 ) ?
    Uma outra perspectiva do mesmo Homem e ,claro , do seu amigo.

    Beijinhos

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    1. O da RTP, sim. Já vi há uns anos. O outro, não. Obrigado, Magg. :)

      um beijinho.

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  2. Gostava de voar, de sonhar que voava. De ser livre. De olhar no espelho e ver-se ao ver o outro. A sua singularidade sobreviveu-lhe na recordação de todos, e é na diferença que encontramos o nosso traço distintivo. Mortais são os iguais.

    Copiei e imprimi! Está afixado em minha escrivaninha ...

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