11 de março de 2017

Marcelo, um ano depois.


    Há um ano, por estes dias, Marcelo Rebelo de Sousa tomou posse enquanto Presidente da República. Muito aclamado, após dez anos de uma presidência impopular e anti-nação, eu diria, Marcelo iniciou o seu mandato com um enormíssimo capital de esperanças. Ser um insigne jurista, ademais constitucionalista, fazia prever aos portugueses que ninguém melhor do que ele interpretaria a Constituição em benefício do povo; a postura leve, descontraída, informal, foi também ao encontro das expectativas das pessoas, que já se indagavam acerca da necessidade de se ter um presidente.

    O ano foi pacífico para o Chefe de Estado. A coabitação Belém - São Bento não poderia ser melhor. Presidente e Primeiro-Ministro entendem-se bem, não raras vezes estão em plena sintonia. Dizem as más-línguas que Marcelo é um " porta voz do governo ". Não se deixem enganar. Não é. Marcelo é um homem inteligente, sabe que tem mais quatro anos pela frente e, se tudo lhe correr de feição, um segundo mandato, na tradição portuguesa que vem de 1980. Afrontar o governo nada lhe traria de bom, pois a geringonça dura há mais do que Pedro Passos Coelho julgou ser possível. O estado de graça não terminou, o país dá tímidos sinais de recuperação económica, posicionando-se bem nos indicadores económicos, e a Marcelo queda assistir, contente. Um árbitro que ainda não teve de intervir.

     Este ano foi um ano de conciliação. Os portugueses e o Presidente da República reataram, malgrado o PSD se queixe de falta de apoio implícito. Marcelo está em todo o lugar e tudo lhe merece um comentário. É o presidente-comentador. Só não o pode fazer em directo e em sinal aberto. Nada é deixado ao acaso. Marcelo sabe que precisa de granjear mais e mais popularidade, caindo nas boas graças do povo. Se tiver eventualmente de ser arrojado, no futuro, estará seguro por esse suporte popular. Os presidentes são alvos fáceis quando algo corre menos bem. Não acredito que nenhum dissolva a Assembleia da República levianamente. Dou este exemplo porque se trata de uma das prerrogativas presidenciais de maior vigor. Ser o presidente em que todos confiam dá-lhe essa margem de manobra. Cavaco não a tinha, sobretudo no decurso do seu segundo mandato.

     Marcelo é assim, mas não é só isto. Tivemos, há meses, uma demonstração, ligeira, dessa sua faceta mais interventiva aquando da crise na Cornucópia. Marcelo serviu de mediador e encetou negociações sem a presença do ministro que detém aquela pasta. Os comentadores não perdoaram. Até que ponto podemos traçar a fronteira entre o Marcelo que nunca governou, embora o tivesse querido, e que por isso pode sentir um apelo nesse sentido, e o Marcelo espontâneo, que quebra as regras protocolares, e que não terá agido de má-fé, é uma questão que fica em aberto.

      Nem tudo são rosas. O risco que Marcelo corre é o do descrédito. As pessoas dividem-se entre os afectos e a autoridade. A páginas tantas, não sabemos com que ânimo as decisões são tomadas. Marcelo não sabe ser convincente, mesmo quando quer. Porque ele é o homem que se banhou no Tejo quando concorreu à câmara de Lisboa, porque engraxa os sapatos na avenida, porque se senta à esplanada com o manuel das couves a beber sumo de laranja e a trocar dois dedos de conversa. O sentido de Estado não é muito, e quando se impõe, há ali um desconforto qualquer. Marcelo prefere o ameno convívio, os sorrisos soltos e a informalidade, que lhe é natural. Veremos quando chegar a hora de tomar decisões complicadas, melindrosas, como se comporta e qual a sua sensibilidade, intuição e faro político. Dou-lhe o benefício da dúvida.

12 comentários:

  1. Interessante conhecer os meandros da política lusitana!

    Beijão

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Tem que se lhe diga, tem que se lhe diga. :)

      um abraço grande.

      Eliminar
  2. Adorei este teu texto. Vamos ver os próximos 4 anos.

    Grande abraço amigo

    ResponderEliminar
  3. Boas.
    Não acredito nele... lobo em pele de cordeiro.
    Beijinhos e porta-te mal!! ;)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Também presumo que este mandato irá aquecer lá mais para a frente...

      um abraço. :)

      Eliminar
  4. No outono, vamos ver como as coisas lhe correm. Mas para já, estou a gostar de termos um Presidente assim. Fazia falta até para dar um pouco de confiança nos políticos.

    Grande abraço :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não sei como vão essas estatísticas que elaboram de quando em vez, mas acredito que MRS seja o político mais popular.

      É... Eu julgo que ele quis aproximar a Presidência das pessoas. Regra geral, os Chefes de Estado são contidos no primeiro mandato, porque já pensam na reeleição - umas das críticas dos monárquicos, e que me vejo obrigado a aceitar, prende-se a este oportunismo político num Chefe de Estado. O monarca, como não se sujeita ao escrutínio eleitoral, é mais imparcial e independente.

      Eliminar
  5. É aquilo que é e sempre foi.
    Não acho que vá mudar.

    ResponderEliminar
  6. Como já referi anteriormente, não é justo para este homem ter substituído quem substituiu, pois é difícil fazer pior que o anterior, criatura de má memória.
    Uma boa semana
    Manel

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Eu creio que, de certa forma, dá um certo conforto suceder a Cavaco, pelo motivo que o Manel enunciou: é fácil ser melhor.

      Uma boa semana, e obrigado. :)

      Eliminar