O convite surgiu atempadamente, enquanto lia o Animal Farm do Orwell. Fomos à sessão da meia noite nas Amoreiras; em rigor, a sessão da uma, a hora a que o filme começou pela quantidade extenuante de comerciais que o precederam.
Scorsese teve uma boa ideia. Quando tomei conhecimento da história, fiquei feliz por Hollywood querer abordar um capítulo que não tem merecido a atenção suficiente da indústria cinematográfica. A penosa vida dos missionários portugueses no Japão, em tentativas de levar a palavra de Deus contida nos evangelhos. No zénite da presença portuguesa, centenas de milhares de japoneses aderiram à nova fé, que, entretanto, lesava os interesses das autoridades locais. Os neerlandeses, por seu turno, contrariamente a portugueses e castelhanos, respeitavam, regra geral, os costumes e as práticas religiosas dos povos, não se arrogando dessa atitude messiânica, que foi interpretada, no Japão, como uma fé hostil e forasteira, merecendo a reprovação, a perseguição e, no limite, a expulsão dos jesuítas.
O filme tem o típico pendor religioso dos seus congéneres, o que se verifica na envolvência espiritual. As densas paisagens verdejantes transportam-nos a uma realidade de tal modo distante, geográfica e culturalmente, que sentimos verdadeira compaixão pela missão hercúlea daqueles dois padres portugueses, que partiram um busca de um terceiro, também ele português, de quem se dizia perdido na crença, um apóstata.
A vida dos japoneses convertidos ao cristianismo era terrivelmente sofrível. Professavam a sua fé no mais absoluto segredo. Qualquer símbolo cristão, como uma cruz ou um simples rosário, representava a redenção absoluta, a presença de Deus no seio dos homens. À chegada dos padres, aqueles modestos aldeões reagiam como se estivessem diante do próprio Filho de Deus, arriscando as suas vidas se preciso fosse, morrendo pela fé, recusando-se a blasfemar e a renegar a Cristo. Essa faceta não é conhecida no ocidente. Parafraseando um dos padres, ali, entre aqueles homens, Deus teria as mais devotas das suas criaturas. As interpretações foram magistralmente conseguidas. Tanto amor a Cristo, tamanha fé inabalável, mesmo em pessoas que tudo quanto conheciam não ia além daqueles casebres improvisados no meio do nada.
Andrew Garfield, o actor principal, encarnou, a meu ver, na perfeição o papel de jovem sacerdote, obstinado, corajoso, com crises de fé, naturalmente, mas que soube adaptar a profunda religiosidade, com chamamento divino, à vida que o aguardava naquelas paragens, sob o olhar atento e voraz do inquisidor-mor.
O filme é demasiado extenso, e não deixa de pecar por alguns clichés. A traição de Judas no Getsémani, o caminho do calvário; nem as vis moedas, jogadas pelo algoz aos pés do camponês dissoluto, foram esquecidas. Não obstante, o suplício de todos quanto se recusavam a abjurar a Cristo, relembrando os martírios dos primeiros cristãos no tempo dos romanos, impressionável aos mais sensíveis, leva-nos a questionar os limites da fé, assumindo que tem limites, e até onde estamos dispostos a ir em sua defesa.
Aconselho o filme. O circunstancialismo histórico tem muito interesse, os actores saíram-se bem, e a obra em si é nem mais e nem menos do que um testemunho de fé, no silêncio, como perceberão.
Andrew Garfield, o actor principal, encarnou, a meu ver, na perfeição o papel de jovem sacerdote, obstinado, corajoso, com crises de fé, naturalmente, mas que soube adaptar a profunda religiosidade, com chamamento divino, à vida que o aguardava naquelas paragens, sob o olhar atento e voraz do inquisidor-mor.
O filme é demasiado extenso, e não deixa de pecar por alguns clichés. A traição de Judas no Getsémani, o caminho do calvário; nem as vis moedas, jogadas pelo algoz aos pés do camponês dissoluto, foram esquecidas. Não obstante, o suplício de todos quanto se recusavam a abjurar a Cristo, relembrando os martírios dos primeiros cristãos no tempo dos romanos, impressionável aos mais sensíveis, leva-nos a questionar os limites da fé, assumindo que tem limites, e até onde estamos dispostos a ir em sua defesa.
Aconselho o filme. O circunstancialismo histórico tem muito interesse, os actores saíram-se bem, e a obra em si é nem mais e nem menos do que um testemunho de fé, no silêncio, como perceberão.
Fiquei curioso. Vou conferir.
ResponderEliminarCreio que chega às salas brasileiras apenas em Fevereiro. :)
EliminarEstou cheio de expectativas para ver esse filme! E depois desta tua análise, fiquei ainda com mais vontade!
ResponderEliminarOh, ainda bem! :)
EliminarEu adorei o filme, mas sou suspeito, porque é histórico, para mais na Idade Moderna, muhahahah.
Fui ontem ao Colombo com amigos e adorei :)
ResponderEliminarGrande abraço amigo
:)
Eliminargrande abraço, Francisco.
Olá Mark
ResponderEliminargostei muito do texto sobre o filme do Scorsese, que li, como sempre, com muita atenção. Também vi o filme e gostei bastante.
Relativamente ao teu texto, gostaria, se mo permites, de colocar duas questões.
1ª Quando referes que o "filme tem o típico pendor religioso dos seus congéneres", estás a pensar concretamente em que filmes, quais são os congéneres que tinhas em mente?
2ª Referes que o filme peca por "alguns clichés". Podes dar exemplos? É que à situação que mencionas, a da traição, eu não chamaria propriamente um cliché, parece-me mais que é uma referência directa à vida de Cristo, e que tem como função acentuar a guerra silenciosa que se trava no espírito do Padre Rodrigues, a sua crise de fé.
Agradeço-te o facto de escreveres textos que apetece ler e discutir e questionar. É tão raro isso, hoje em dia.
grande abraço
miguel
Olá, Miguel.
EliminarClaro. Quantas questões quiseres. :)
Respondendo à tua primeira questão, lembrei-me d' "A Paixão de Cristo", do Mel Gibson. A atmosfera envolvente, a neblina, o fervor. Não o disse em tom depreciativo. Gostei imenso, atenção.
Quanto à segunda questão, é recorrente recriarem a cena da traição, fazendo grandes planos, não raras vezes em câmara lenta, ao lançamento das moedas. Torna-se rotineiro, daí um cliché. Até o camponês se arrependeu, tal qual Judas. Não sei se reparaste, mas até o Padre Rodrigues representou um Cristo no século XVII. Foi demasiado óbvio para mim, e fico sempre reticente quando assim é.
Nada do que referi retira mérito ao realizador ou ao enredo. Gostei bastante.
Obrigado pelas tuas palavras.
um grande abraço de saudade.
Gostei muito da tua análise/crítica ao filme. Ainda não o vi, mas fiquei muito interessado após ler o teu post! ^^
ResponderEliminarAinda bem. :)
EliminarComo sabes Mark a minha opinião sobre o filme em si não é das melhores, o que mais gostei sinceramente foi a história em si, "desligada" da lentidão e do silêncio exagerado dum filme que tinha tudo para ser genial. Não foi.
ResponderEliminarCreio que até isso terá sido propositado. O filme é, em si, um estimulo à reflexão. :)
EliminarParece interessante se bem que, conhecendo-me, se fosse ver a obra receio que os restantes espectadores não o conseguissem ver em silencio. Julgo ser filme para apreciar quando o cansaço acumulado for menor.
ResponderEliminarBeijnhos
Adormeceria, Magg? :)
Eliminarum beijinho.
Infelizmente, sim .
EliminarTambém quero ver e acho que o meu Rapaz tb quer ir, pelo que já tenho companhia xD
ResponderEliminarBoa, boa. :)
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