18 de novembro de 2016

A aliança luso-inglesa.


   O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, reuniu-se com a Primeira-Ministra britânica, Theresa May, e com a Rainha Elizabeth II, ou Isabel II, como preferirem; eu, em determinados casos, evito as traduções, sobretudo de nomes próprios, que não devem ser traduzidos (permitam-me um aparte, que me ocorre de momento: jamais me esquecerei do quão fulo ficava com a adaptação para o castelhano, por parte de uns amigos espanhóis da mãe, do meu segundo nome próprio).

    Esta visita vem ao encontro de um anseio de Marcelo. Pelo que pude perceber, há algum tempo que o Chefe de Estado português desejava encetar uma visita de Estado ao velho aliado britânico. Encontrar-se com Theresa May ajuda a apaziguar os receios da comunidade portuguesa no Reino Unido, assustada, e muito naturalmente, com as nefastas consequências da saída do país da União Europeia, que está à distância da invocação da respectiva cláusula do Tratado de Lisboa por parte do executivo britânico. Marcelo, entretanto, veio a público acalmar os mais cépticos, assegurando que transmitiu à líder do governo britânico os receios dos portugueses emigrados em terras de Sua Majestade. E seria com a Rainha que Marcelo trocaria umas palavras tornadas públicas através do site da Presidência da República. Elizabeth, que tem aquele semblante austero e compenetrado, não resistiu ao charme do Presidente português, sorrindo e admirando-se com a historieta contada, da presença de Marcelo aquando da sua chegada e da comitiva britânica a Lisboa, em 1957, pelo Terreiro do Paço. Filho de uma figura do Estado Novo, Marcelo, qual privilegiado, pôde assistir de perto à entrada triunfal de Elizabeth na capital portuguesa.

    Portugal tem uma relação histórica com Inglaterra que remonta ao século XIV, mais concretamente a 1373, com o Tratado de Londres, que estabeleceria as bases do convívio entre os dois reinos até à actualidade. Foi, aliás, no contexto desta aliança que Inglaterra ajudaria o Mestre de Avis, o futuro D. João I, na batalha de Aljubarrota, uma das mais decisivas e significativas vitórias de Portugal frente a Castela, permitindo a consolidação da nossa independência. No ano seguinte à batalha, em 1386, a aliança seria consolidada com o Tratado de Windsor - ainda em vigor, e que alteraria para sempre a história de Portugal. Sustentando-se na aliança, Inglaterra ajudaria Portugal na Guerra da Restauração, entre 1640 e 1668; pediria a participação de Portugal ao seu lado na I Guerra Mundial; pediria para usar a base dos Açores na II Guerra Mundial, o que seria aceite por Portugal, neutral no conflito; e, mais recentemente, na década de oitenta do século passado, invocaria ainda a aliança para poder voltar a utilizar a base dos Açores durante a guerra pela recuperação das Falkland, invadidas e anexadas por ordem do regime militar da Argentina. Portugal, entretanto, muito embora o apoio inglês tenha sido fulcral para sobreviver às investidas castelhanas e, posteriormente, espanholas, viu-se traído pela velha amiga na questão do Mapa Cor-de-Rosa, quando pretendeu unir Angola e Moçambique através dos territórios entre ambos, e, na década de sessenta do século anterior, ao pedir auxílio por ocasião da anexação do Estado Português da Índia pela recentíssima União Indiana, a mando de Nehru. Pelos séculos, a aliança foi sendo confirmada sucessivamente em diversas datas, tendo também estado suspensa durante o obscuro período da incorporação de Portugal na Monarquia Católica dos Habsburgo, entre 1580 e 1640. Não nos esqueçamos, merecendo um destaque especial, que a aliança levou a que Portugal não aderisse ao Bloqueio Continental decretado por Bonaparte ao Reino Unido, o que arrastou Portugal para um flagelo que teve repercussões por todo o século XIX.

     A aliança é evocada em praticamente todos os actos oficiais que envolvem Portugal e o Reino Unido. Há quem aluda a subserviência portuguesa - é uma retórica observada nos espanhóis, por manifesto despeito e desconforto, e em alguns sectores da sociedade brasileira, provavelmente pelas remessas de ouro enviadas para Londres. Eu diria, pondo de lado os preconceitos de uns e de outros, que a aliança, não obstante o preço alto que teria para Portugal, surgiu no momento certo, e desengane-se quem crê que Portugal foi ingenuamente ludibriado pelos ingleses. Portugal precisou da aliança, tanto quanto os ingleses, que nunca quiseram uma Espanha forte. Ambos sabiam-no, o que justifica a sujeição, principalmente da parte mais fraca, Portugal, que sem o apoio inglês certamente seria, hoje, a décima oitava autonomia espanhola.  Em suma, a aliança representa uma sábia decisão estratégica do último monarca da Dinastia de Borgonha, O Formoso D. Fernando, e dos seus sucessores pelo tempo. Pombal foi-lhe crítico. O Tratado de Methuen, do reinado de D. Pedro II, estagnaria a manufactura têxtil portuguesa e atrasaria o desenvolvimento do reino, e não pode ser compreendido sem atendermos ao antigo vínculo, mesmo sob um olhar do século XVIII. Com a manufactura, foram Tânger e Bombaim, foi o ouro, a que já aludi, restando a soberania.

       Nos dias que correm, Portugal e o Reino Unido estão inseridos em estruturas internacionais, das quais enumero duas das mais relevantes, a União Europeia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte, pelo que a aliança vem perdendo a pujança de outrora. Quedou-se como um resquício histórico, que convém lembrar em situações formais, honrando a história e os laços seculares. Mas ela está em vigor, e o futuro, incerto, num mundo perigoso e volátil, poderá proporcionar a sua reactivação desde o Arquivo Nacional...

12 comentários:

  1. Adorei este teu magnifico texto :)

    Grande abraço amigo

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    1. Muito obrigado, amigo Francisco. :)

      um grande abraço.

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  2. Marcelo está a fazer o que sabe de melhor - usar da sua capacidade diplomática e humanização para estreitar laços com inúmeras pessoas. Creio que ele, seguramente, poderá ajudar a criar pontes entre Portugal e outros países com quem tenhamos já boas relações e até países com os quais não tenhamos.

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    1. ... ou não fosse ele o "presidente dos afectos". Eu sempre defendi a humanização dos cargos públicos.

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  3. Oi Mark.

    Que interessante! De fato aqui alguns falam nisso, que Portugal vergou à Inglaterra, que deu pra ela o ouro, as riquezas. xD Nunca liguei pra isso. A história é o que é. Nada vai mudar.

    Abraços!

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  4. Estou alegre por encontrar blogs como o seu, ao ler algumas coisas,
    reparei que tem aqui um bom blog, feito com carinho,
    Posso dizer que gostei do que li e desde já quero dar-lhe os parabéns,
    decerto que virei aqui mais vezes.
    Sou António Batalha.
    Que lhe deseja muitas felicidade e saúde em toda a sua casa.
    PS.Se desejar visite O Peregrino E Servo, e se o desejar
    siga, mas só se gostar, eu vou retribuir seguindo também o seu.
    Peregrino E Servo.

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    1. Muito obrigado, António, pelas gentis palavras. :)

      Igualmente para si. Saúde e alegria.

      Irei dar uma passadinha no seu espaço.

      Cumprimentos.

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  5. A aliança sempre foi mais favorável aos Ingleses, mas deixámos lá na ilha umas marcas, como o chá às cinco da tarde. ;)

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    1. Depende do ponto de vista. Se considerarmos mau não sermos a 18.º comunidade autónoma espanhola, quiçá.

      Sim, é verdade. Catarina de Bragança, esposa de Carlos II. :)

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  6. Achei que a crónica que o Miguel Esteves Cardoso escreveu sobre a ida do Presidente e o encontro com a Rainha do mais cómico que li este ano.
    Acho que temos um Presidente completamente oposto do seu antecessor, mas no bom sentido.
    O mundo está se a transformar num sitio estranho, parece haver cada vez mais uma divergência entre fronteiras abertas e nacionalismo excessivo. Há que haver diplomacia e manter as ligações através de pessoas com espírito "humano", para não voltarmos a repetir erros do passado...

    Abraços! ;)

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    1. Irei procurar por essa crónica. :)

      É verdade. Julgo que a maior lição de Marcelo é a de não julgar pelas aparências. Seria um Cavaco 2.0, dizia-se. É prematuro ajuizar sobre o seu mandato. Nem um ano leva. Entretanto, não está a desapontar. Pelo contrário.

      O ultranacionalismo e a extrema-direita vão ganhando vantagem. Teremos de estar atentos. A História repete-se...

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