17 de julho de 2016

A barbárie.


    Seria uma afirmação gratuita se disséssemos que a humanidade regrediu ou que estamos mais intolerantes. A história das relações entre os homens (e as mulheres...) tem sido pautada por conflitos - alguns de enormíssima escala - por desigualdades, por fanatismo, por terror. O século XX, aqui tão perto, é um terrível exemplo do que acabei de referir. Duas guerras mundiais e incontáveis contendas de menor repercussão por todo o globo. Assistimos à ascensão de movimentos autoritários, totalitários, que instrumentalizaram o ser humano, cumprindo este os desígnios de facínoras que, à esquerda ou à direita, provocaram dos quadros mais aterradores de que alguma vez tivemos conhecimento.

     Na Europa ocidental (porque nos Balcãs e no demais leste europeu houve muita instabilidade nos finais do século XX, e salvo a excepção dos grupos armados IRA e ETA), desde os finais da II Guerra Mundial que os povos conheceram períodos de estabilidade e de paz. A construção europeia facilitou o diálogo e promoveu a entreajuda. Foram décadas de progresso. No início do século XXI, com os atentados ao complexo do World Trade Center, alterou-se por completo o paradigma. Londres sofreu atentados, Madrid idem, e a Europa soube, uma vez mais, o que era viver em permanente sobressalto. Desde então, sendo sincero, fui-lhes perdendo a conta. Multiplicam-se incessantemente. Continuam a traumatizar, como no instante em que liguei a televisão, algures num dia de 2004, e soube que haviam colocado explosivos nos comboios suburbanos da capital espanhola.

     Entretanto, quando julgamos estar a lidar com os piores dos terroristas liderados por Bin Laden, surge-nos uma organização inominável que tem recrudescido os seus atentados à civilização ocidental. No Médio Oriente, a instabilidade não é uma novidade. Entre 2015 e este ano, seguramente provocaram mais de uma mão cheia de ataques, a maioria dos quais em solo francês. Justamente em França, uma das pátrias da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Se existe um coração da civilização ocidental, este encontrar-se-á na Gália.

     Devemos tirar algumas ilações destas campanhas ofensivas. Estimulámos conflitos naquelas zonas do planeta. Apregoámos, em uníssono, a guerra contra o mal, o tristemente célebre eixo do mal de Bush filho. Arrogámo-nos o direito de decidir o destino daquelas pessoas em nome de uma legítima defesa preventiva. Pergunto-me: não teria sido melhor deixar Saddam ser deposto pela vontade do seu povo? Vemos um Iraque destruído, ocupado pelas forças do Daesh, que ardilosamente planeiam investidas à nossa segurança e tranquilidade desde aquele inóspito território.

      Passámos de carrascos a vítimas. De agressores a agredidos. Temos a guerra - que é uma guerra velada - à porta de casa, nas estações do metro, nos festejos de um dia nacional. A qualquer momento e em qualquer lugar, a morte espreita. Somos impotentes para lidar com um cenário a que também nos é imputada a responsabilidade por. Sobeja-nos viver entre o choro e o riso.

14 comentários:

  1. Assim como tem acontecido com as organizações, a liberdade nos levou a algumas encruzilhadas nos mais diferentes campos. Faz-se necessário repensar posturas e abordagens... e é urgente repensar as posturas que temos adotado na sociedade, não podemos abrir mão de conquistas valiosas, mas precisamos entender como evoluir!

    Grande abraço meu amigo.

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    1. Eu costumo dizer que evoluímos em tecnologia e ainda não avançámos o suficiente em humanidade. Claro que estamos melhor. Há duzentos e poucos anos ainda queimavam pessoas vivas no Terreiro do Paço, em Lisboa. Muito mudou.

      um grande abraço, amigo Latinha.

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  2. Em um futuro bem próximo, os historiadores irão classificar nossos tempos como Idade Média II. Espero que tenhamos uma nova Idade das Luzes.

    Beijão

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  3. o que mais me incomoda, e nisto me incluo, é pensar o quão banal estes atentados se estão a tornar, e como estão a fazer parte do quotidiano. ataques terroristas em países ocidentais e todos de unem. ataques terroristas na Síria, Paquistão e por aí fora e a Europa assobia para o lado, como se essas mortes não fossem tão importantes como as outras (e foi um comentário muito parecido com um amigo nosso). e as notícias só apregoam a barbárie e a carnificina em Nice e as mais de 200 mortes estúpidas na Turquia pouco são comentadas nas redes sociais.
    bjs e boa semana.
    ps: já terminaste os estudos?

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    1. Tens imensa razão. Na Turquia, saiu gorado um golpe de Estado, e por isso morreram tantas pessoas. Julgo que não foi qualquer atentado. Mas, sim, claro. Podem colocar todas as bombas e mais algumas em Bagdad, provocando trezentos mortos, que apenas uma em Paris, provocando dez vítimas mortais, terá maior repercussão. É muito injusto.

      Neste meu artigo, eu quis mesmo centrar-me nas nossas responsabilidades e na alteração que as nossas atitudes comportaram: os atentados não mais acontecem apenas no longínquo Médio Oriente; não, são aqui, ao lado. À porta de casa.

      um beijinho e uma boa semana.

      p.s.: Tenho uma tese que não sai nem a ferros. Há-de sair. :) Temos de combinar um café. Já terminei o livro que simpaticamente me emprestaste.

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  4. Então?! Agora vamos buscá-los com muito amor e carinho e damos-lhes tudo :)

    Eles odeiam tudo o que Não é Muçulmano, mas nós insistimos que eles são bons :)

    Eles são bons, quando são minoria.

    Quando matarem todos os Cristãos. Será a Luta entre Sunitas e Xiitas

    Mas, lá estamos nós com a mania de meter o bedelho no Livro Sagrado deles

    A Igreja do Passado, lá ficou. Agora querem dar Democracia para um Povo que quer a Sharia?!

    Isso... Dêem uvas a quem quer só batatas...

    Grande Abraço amigo Mark

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    1. Bom, há de tudo: bons e maus em qualquer religião. Tenho uma amiga muçulmana, de longa data (de infância), que condena com veemência estes atentados. Imagina tu que havias nascido muçulmano e organizavas a tua vidinha, tranquilo, aqui mesmo por Lisboa; que culpa terias tu de uns doidos andarem por aí a matar meio mundo? Tens de pensar assim. :) Como tens de pensar que se vivesses nesses países ocupados e tivesses filhos pequenos para criar, decerto que gostarias que um país europeu te acolhesse. :)

      um grande abraço, amigo Francisco.

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  5. O último ataque em França deixou-me apreensivo. O facto de ser um ataque feito com um método diferente, muito mais simples mas porém, extremamente eficaz, é aterrorizante. Há muita verdade no que dizes. Os atentados, um pouco por todo o Mundo, estão a tornar-se tão frequentes, que começamos a lidar com isto como fazemos com outras notícias - é certo que as escutamos, ficamos a pensar naquilo durante alguns momentos mas depois, deixamos de nos incomodar com aquilo.

    Em parte talvez seja culpa da era em que vivemos. Acedemos de mil e uma maneiras diferentes à informação. Mesmo quando queremos ignorá-la, ela é atirada para a frente dos nossos olhos, através de um visor de telemóvel ou ecrã de um computador.

    Por outro lado, de facto, a culpa do que está a acontecer é de quem começou com as guerras ainda na década de 90. E infelzimente parecem não ter aprendido nada até agora, uma vez que o lema é continuar a combater ainda mais forte e agressivamente por forma a castigar quem causa estes males.

    Porém, como acontece de outras formas e em outras sociedades, mais próximas de nós, quem acaba por pagar são sempre os mesmos: os inocentes.

    Abraço :)

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    1. É quase uma síndrome de Estocolmo adaptada; às tantas, habituas-te e já te é "quase" indiferente. É aprender a viver em permanente perigo e sobressalto. Um horror. Estamos quase formatados. Daqui a nada, saímos para as ruas a olhar para cada canto, desconfiando do homem de estranha figura que se aproxima, da mala que jaz ali no chão...

      A culpa é inteiramente nossa. Nossa enquanto humanos e nossa enquanto europeus, circunscrevendo-me aqui ao continente. Fomentámos conflitos e colhemos os frutos da nossa ingerência desmedida.

      um abraço. :)

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  6. Mark não sei qual será o futuro da Humanidade, mas se vivemos com tanto "veneno" dentro de nós que acaba por resultar em ódios, sejam de que natureza forem...depois começo a ver que o ser humano e as suas conquistas são uma espécie de Economia, há coisas cíclicas, e o único senão é que a morte quando aparece, acaba por ser eterna.

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    1. Também não sei. Continuamos uns incivilizados do pior.

      Sim, a História repete-se. Eu creio que ninguém acredita que estamos a salvo de um terceiro conflito de grande escala. Já estivemos tão perto, durante a Guerra Fria. Este conflito de civilizações, Ocidente vs. Oriente, e de religiões, Cristianismo vs. Islamismo, é absurdo. Ainda não percebemos de que somos feitos da mesma matéria.

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Infelizmente, sou compulsivamente, diante das evidências, obrigado a dar-lhe razão, Tiago.

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