Que tenha conhecimento, devo dizer que tão-pouco me dei ao trabalho de averiguar, nunca dediquei algumas palavras à Revolução Americana de 1776, que rompeu com o vínculo político entre as treze colónias britânicas da costa oriental da América do Norte e o Reino Unido. Aproveitando o dia em que se assinala o ducentésimo quadragésimo aniversário sobre a revolução, é chegado o momento de publicar um artigo relativo.
As possessões americanas haviam adquirido uma importância extrema para o Reino Unido, numa perspectiva económica, demográfica e militar. Diversas leis e acordos regulavam as relações entre as colónias e a sua metrópole. Não obstante, a carga fiscal que impendia sobre aqueles territórios era significativamente menor àquela aplicada nas ilhas britânicas, tendo sido justamente esta uma das causas que levaria à eclosão do movimento secessionista. Efectivamente, na sequência da guerra naval e colonial entre a Grã-Bretanha e a França, por volta da década de sessenta do século XVIII, na qual se encontravam em disputa as províncias do Canadá, os gastos do Estado tinham crescido exponencialmente, o que levou ao aumento, premente, dos impostos. Nesse sentido, o gabinete inglês não viu qualquer inconveniente em decretar contribuições mais avultadas sobre as suas colónias americanas, que até então eram favorecidas. Para o efeito, porém, urgia revogar alguns dos direitos, muitos de natureza consuetudinária, já adquiridos por aquelas colónias.
No momento em que o Parlamento inglês decidiu aplicar às colónias norte-americanas o designado «imposto de selo», ou Lei do Papel Selado, que dispunha que todos os documentos jurídicos teriam de ser tributados, duplicando-se os impostos pagos pelos britânicos a residir naquelas paragens, a medida levantou uma onda de acesos protestos. Os colonos britânicos insurgiram-se, alegando que ninguém, excepto o rei, exercia qualquer autoridade sobre as suas vidas, e que, por conseguinte, o Parlamento inglês não tinha legitimidade para impor-lhes qualquer ónus sem o consentimento expresso deles. Em várias cidades estalaram distúrbios, nomeadamente em Nova Iorque e em Boston. Demonstrando a sua insurreição, as colónias valeram-se de uma estratégia assaz eficaz no combate à carga fiscal: passaram a não importar quaisquer mercadorias da metrópole, visando, assim, atingir o calcanhar de Aquiles da espinha dorsal da economia britânica.
Desde logo, os comerciantes e fabricantes ingleses exerceram pressão sobre o Parlamento para que o imposto de selo fosse abolido. Evidenciou-se o quão o Parlamento inglês era susceptível aos interesses da burguesia mercantil e manufactureira. Em contrapartida, dados os esforços da nobreza latifundiária, os impostos sobre a terra diminuíram. Conseguimos, desde logo, aferir o seguinte: o Parlamento inglês tinha em conta as opiniões relevantes e em nada tal facto beliscava o seu prestígio; muito antes pelo contrário.
Uma vez mais, esta redução fiscal teria de encontrar um contrabalanço à custa dos colonos ingleses da América. Colocou-se em hipótese, e cumpriu-se, a aplicação de uma taxa aduaneira que incidia sobre determinados produtos importados. Bem como acontecera anteriormente, os comerciantes estabelecidos em território americano reagiram prontamente, começando a importar cada vez menos produtos do Reino Unido. Seguiu-se uma nova intervenção dos negociantes e dos fabricantes da metrópole, acarretando a abolição das taxas aduaneiras. Mantiveram-se, todavia, os impostos especiais sobre a importação do chá. Foi precisamente este imposto sobre o chá que provocaria mais um confronto, e decisivo, entre as colónias e a metrópole.
A Companhia das Índias Orientais passava por um momento delicado. O governo inglês decidiu, então, autorizá-la a vender, em 1773, dez milhões de libras de chá na América do Norte, em condições irrecusáveis. Os norte-americanos, ou estadunidenses, viram aqui um novo ataque. Desta feita, no porto de Boston, arremessaram ao mar todo o carregamento de chá dos navios, num episódio que ficaria conhecido para a posterioridade como o "Tea Party". A resposta de Londres não tardaria: o porto foi fechado compulsivamente até que a cidade pagasse uma indemnização à Companhia pelos prejuízos causados. Simultaneamente, o Parlamento inglês limitava severamente a autonomia administrativa da província de Massachussetts, onde se situava Boston. A consequência dessa atitude foi a de a população de toda a província se colocar do lado dos rebeldes de Boston, juntando-se a esta última as demais províncias.
No Outono de 1774, num Congresso Continental que teve lugar em Filadélfia, representantes de todas as províncias reunir-se-iam, afirmando a independência das colónias face ao Reino Unido. Foi redigida uma Declaração de Direitos, onde expressamente estavam enunciados a liberdade dos homens e os seus direitos inalienáveis, inatos e essenciais. Esta declaração sustinha a independência face a Londres, uma vez que os habitantes das colónias reclamavam para si direitos que opunham ao poder da metrópole. Mais importante do que a fundamentação doutrinária, a deliberação de que todos os britânicos da América estavam obrigados a solidarizar-se contra qualquer medida autoritária do Parlamento inglês foi verdadeiramente inovadora.
A França e a Espanha, arqui-inimigas do Reino Unido, apoiaram os secessionistas. A França renunciara aos seus direitos sobre as províncias na América do Norte, pelo Tratado de Paris, de 1763. Após obterem armas dos franceses, sob o comando de George Washington (1732 - 1799), reuniram-se as tropas. No ano de 1775 ocorreram os primeiros confrontos entre as tropas reais e as milícias. Assim se iniciava uma guerra que apenas terminaria seis anos depois, em 1781, com a vitória total dos norte-americanos e a capitulação incondicional do general britânico Cornwallis. Desde 1778, também a Espanha se juntara, dando apoio logístico aos rebeldes. Ambos, franceses e espanhóis, ansiavam por uma desforra devido à derrota na Guerra dos Sete Anos. Entretanto, a 4 de Julho de 1776, as treze províncias declararam a sua independência, que seria reconhecida apenas em 1783. Cinco anos depois, elaborariam uma Constituição, que ainda hoje se mantém em vigor, relativamente imutável ao tempo. Acrescente-se que Portugal, juntamente a França e aos Países Baixos, foi um dos primeiros países a reconhecer a independência dos EUA.*
* No seguimento de recentes e persistentes problemas na plataforma do Blogger, vejo-me no dever de alertar para o facto de o artigo ter sido publicado às 23:47 do dia 4 de Julho de 2016, ainda que, provavelmente, esteja apenas disponível online algumas horas depois, já a dia 5.
Uma vez mais, esta redução fiscal teria de encontrar um contrabalanço à custa dos colonos ingleses da América. Colocou-se em hipótese, e cumpriu-se, a aplicação de uma taxa aduaneira que incidia sobre determinados produtos importados. Bem como acontecera anteriormente, os comerciantes estabelecidos em território americano reagiram prontamente, começando a importar cada vez menos produtos do Reino Unido. Seguiu-se uma nova intervenção dos negociantes e dos fabricantes da metrópole, acarretando a abolição das taxas aduaneiras. Mantiveram-se, todavia, os impostos especiais sobre a importação do chá. Foi precisamente este imposto sobre o chá que provocaria mais um confronto, e decisivo, entre as colónias e a metrópole.
A Companhia das Índias Orientais passava por um momento delicado. O governo inglês decidiu, então, autorizá-la a vender, em 1773, dez milhões de libras de chá na América do Norte, em condições irrecusáveis. Os norte-americanos, ou estadunidenses, viram aqui um novo ataque. Desta feita, no porto de Boston, arremessaram ao mar todo o carregamento de chá dos navios, num episódio que ficaria conhecido para a posterioridade como o "Tea Party". A resposta de Londres não tardaria: o porto foi fechado compulsivamente até que a cidade pagasse uma indemnização à Companhia pelos prejuízos causados. Simultaneamente, o Parlamento inglês limitava severamente a autonomia administrativa da província de Massachussetts, onde se situava Boston. A consequência dessa atitude foi a de a população de toda a província se colocar do lado dos rebeldes de Boston, juntando-se a esta última as demais províncias.
No Outono de 1774, num Congresso Continental que teve lugar em Filadélfia, representantes de todas as províncias reunir-se-iam, afirmando a independência das colónias face ao Reino Unido. Foi redigida uma Declaração de Direitos, onde expressamente estavam enunciados a liberdade dos homens e os seus direitos inalienáveis, inatos e essenciais. Esta declaração sustinha a independência face a Londres, uma vez que os habitantes das colónias reclamavam para si direitos que opunham ao poder da metrópole. Mais importante do que a fundamentação doutrinária, a deliberação de que todos os britânicos da América estavam obrigados a solidarizar-se contra qualquer medida autoritária do Parlamento inglês foi verdadeiramente inovadora.
A França e a Espanha, arqui-inimigas do Reino Unido, apoiaram os secessionistas. A França renunciara aos seus direitos sobre as províncias na América do Norte, pelo Tratado de Paris, de 1763. Após obterem armas dos franceses, sob o comando de George Washington (1732 - 1799), reuniram-se as tropas. No ano de 1775 ocorreram os primeiros confrontos entre as tropas reais e as milícias. Assim se iniciava uma guerra que apenas terminaria seis anos depois, em 1781, com a vitória total dos norte-americanos e a capitulação incondicional do general britânico Cornwallis. Desde 1778, também a Espanha se juntara, dando apoio logístico aos rebeldes. Ambos, franceses e espanhóis, ansiavam por uma desforra devido à derrota na Guerra dos Sete Anos. Entretanto, a 4 de Julho de 1776, as treze províncias declararam a sua independência, que seria reconhecida apenas em 1783. Cinco anos depois, elaborariam uma Constituição, que ainda hoje se mantém em vigor, relativamente imutável ao tempo. Acrescente-se que Portugal, juntamente a França e aos Países Baixos, foi um dos primeiros países a reconhecer a independência dos EUA.*
* No seguimento de recentes e persistentes problemas na plataforma do Blogger, vejo-me no dever de alertar para o facto de o artigo ter sido publicado às 23:47 do dia 4 de Julho de 2016, ainda que, provavelmente, esteja apenas disponível online algumas horas depois, já a dia 5.
Brilhante! Como sempre! Gosto de suas contextualizações dos fatos históricos.
ResponderEliminarMuitíssimo obrigado. :)
EliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarSem dúvida. Não o mencionei expressamente pois escapava ao âmbito do artigo, que quis que incidisse tão-só na revolução, mas as repercussões fizeram-se sentir na Revolução Francesa e em todas as revoluções pela independência que atravessaram o continente americano.
EliminarObrigado, querido amigo. :)
O que eu aprendi hoje?! De facto este espaço é e continua a ser um dos meus preferidos, para não te babares muito ehehehehehehehhehehe
ResponderEliminarGrande abraço amigo Mark
Muito obrigado, Francisco. Espero continuar a ser merecedor da tua preferência. :) (risos)
Eliminarum grande abraço, amigo.
Em criança lembro-me de ver o fogo de artificio nesse dia, para os americanos tinha muito significado, para nós era apenas um pretexto para nos sentarmos na relva e olhar para o céu durante uns longos e luminosos minutos.
ResponderEliminarLimite, que lindíssima descrição com que nos presenteaste. Se cerrar os olhos, quase que consigo ver as crianças açorianas a observar os fogos, sentadas no chão, do lado de fora da Base das Lajes.
EliminarEu gosto muito da História deste dia! :)
ResponderEliminarEu também. Sou um fã da história dos povos e dos países anglo-saxónicos. :)
EliminarExcelente, como é hábito nos teus escritos, que eu vou sempre lendo, apesar da minha ausência da blogosfera. Abraço.
ResponderEliminarMuito obrigado, amigo.
Eliminarum abraço.