Assinala-se hoje, num espírito democrático, e de pazes feitas com o passado, o nonagésimo aniversário do golpe de 28 de Maio de 1926 que instituiu a ditadura militar em Portugal. Um regime que teria poucos anos de vigência, substituído pelo Estado Novo meros sete anos transcorridos. A revolta militar, todavia, permitiria a ascensão de Oliveira Salazar a Presidente do Conselho de Ministros, cargo que ocupou até à sua destituição, em 1968. Não compreenderíamos o Estado Novo, um período profícuo em bibliografia, sem conhecer a fundo o que o terá motivado, o circunstancialismo histórico e social que Portugal vivia nos conturbados anos da I República.
O golpe militar de 28 de Maio de 1926 não pretendia expurgar todo o regime republicano, que à data perfazia dezasseis anos. O ideário republicano não esteve em causa. A instabilidade dos anos da I República e todo o jogo eleitoral e de conquista de poder, com uma alternância avassaladora de presidentes e de governos, não se garantindo uma verdadeira política de restauração económica, permitiram que os movimentos autoritários começassem a ganhar forma. A períodos de grande agitação e convulsão social e política, a História ensina-nos que sucedem facções extremistas, com o propósito de restabelecer a ordem e assegurar o progresso das nações.
Nos idos anos vinte do século passado, os regimes liberais entraram em crise pela Europa, quadro que se precipitou sobremodo com o advento da Primeira Guerra Mundial e com a vitória dos bolcheviques na Rússia. Em Portugal, perante tal conjuntura de querelas partidárias, o Exército julgou-se a única força capaz de regenerar o regime republicano. Partindo de Braga, a sublevação tinha como destino a capital, Lisboa, demitindo-se o Presidente da República e encerrando-se o Congresso, o parlamento português. No mesmo ano, seria admitida a censura prévia à imprensa, e em 1928, Óscar Fragoso Carmona foi eleito Presidente da República. Durante o ano, Salazar recebeu o convite a ocupar o cargo de ministro das Finanças, após uma breve passagem pelo governo no seguimento imediato ao golpe. Salazar era, à época, um professor universitário com uma carreira louvável. Já havia tido uma experiência enquanto deputado, e os seus ideais antiparlamentares e profundamente religiosos, que se contrapunham ao parlamentarismo e ao anticlericalismo da I República, ficaram perpetuados nos discursos que deixou. A ascensão foi meteórica. Em 1932, era já Presidente do Conselho de Ministros.
Não se pense, contudo, que o pronunciamento militar foi recebido em Lisboa com movimentos oposicionistas. O general Gomes da Costa atravessou a cidade como que numa parada gloriosa. Os regimes autoritários proliferavam na Europa e o povo, bem como os grandes proprietários e os capitalistas, estava fatigado com o contexto social e político do país. A I República granjeara inimigos pela sociedade portuguesa. O golpe, entretanto, passaria por vicissitudes: houve mudanças significativas nos chefes de Executivo; de igual forma, houve um aumento do défice orçamental, favorecido pela impreparação técnica dos militares. Exigia-se um líder forte e carismático. O caminho estava aberto a António de Oliveira Salazar, que obteria, nos anos seguintes, um saldo orçamental positivo, consolidando o seu poder.