Nascido nos anos '70, a infância de Nuno tinha tudo para ser passada na aparente tranquilidade de uma década que mudaria os destinos do país, absolto que estava de alimentar as fileiras de uma guerra injusta e perdida. Filho primogénito por ambos os progenitores, nos primeiros anos oscilou entre o carinho da mãe e da avó materna, brasileiras, e do pai e dos seus avós paternos, portugueses. Aos cinco anos, Nuno teria um irmão menor, um brinquedo para si, passando de alvo das atenções para pequeno guardião do novo tesouro que embevecia a sua família.
A infância seria marcada por algum alheamento do pai, um distanciamento entre o papel que deveria desempenhar e a figura paterna que, com efeito, surgia diante do petiz. A mãe, por seu turno, via-se obrigada a ausentar-se por noites a fio, restando ao menino quedar-se no aconchego do colo de sua avó, que de si cuidava, junto com o irmão, nos períodos em que nem sombra dos pais se avistava. A aparente harmonia, muito embora disfuncional, seria quebrada com a separação dos seus pais, nos primeiros anos de oitenta, acentuando um afastamento do pai e induzindo a mãe a procurar um futuro que a garantisse e aos seus filhos.
Desprovido de ambiente familiar minimamente são, o jovem, agora nos anos difíceis de uma juventude atribulada, procurou conforto em amigos circunstanciais, os que fez ao longo do tempo, sem supervisão alguma de quem o pudesse aconselhar, pobre avó que a idade e a doença pouco mais lhe permitiam. Surgia-lhe, assim, um caminho de aventuras, de perigo constante, em que o que estava em causa era a sua vida, o seu futuro. Numa das suas vivências irreflectidas, foi pai precocemente.
Com um pequeno bebé em braços, e já tomado por uma dependência que determinaria os seus dias a partir de então, procurou apoio nos pais, que entretanto reconstruíram as suas vidas. Nuno não mais era (algum dia o foi?) o objecto das preocupações. Erraticamente passava os dias. Mergulhara num mundo em que o retrocesso exige mais do que boa vontade, onde não há lugar para afagos, êxitos, família ou amor. Afastara-se gradualmente de todos e a imagem do rapaz alto, louro, de faces rubras e traços delicados só raramente despontava, talvez nos seus momentos de lucidez.
A década seguinte traria a completa decadência humana, física, psicológica. A degradação maior.
Terminaria os dias só, para exalar o último suspiro num hospital, longe do olhar dos seus pais, omissos, dos avós, negligentes, e da filha, ainda pequena, que via à distância para que nunca restasse a seus olhos imagem tal de declínio.
Se seguimos vivos entre quem nos amou, Nuno persiste em sentimentos de remorso, por uns, e saudade, em todos.
Se seguimos vivos entre quem nos amou, Nuno persiste em sentimentos de remorso, por uns, e saudade, em todos.
Texto muito triste, mas que demonstra o facto do ser humano conseguir degradar-se muito rapidamente.
ResponderEliminarSomos totalmente perecíveis. Recordo-me de escrever um texto, em dois mil e treze, em que abordo o "morrer-se jovem". Em como é injusto. Para uns, a passagem reveste-se de especial brevidade.
EliminarUma história de vida algo marcada pela infelicidade e/ou insatisfação permanente, na qual a separação dos pais e o seu afastamento ditou o resto... É uma pena! :/
ResponderEliminarAssim foi. Exactamente assim.
EliminarQtos Nunos temos pelo mundo, sempre consequência da falta de afeto ... #triste
ResponderEliminarTrue question.
EliminarO meu irmão também se chamava Nuno, como tu sabes. E também ele deixou-nos cedo demais. a grande lição que se tira é que devemos aproveitar cada momento que temos, enquanto vivos, porque nunca se sabe quando nos será colocado um ponto final.
ResponderEliminarAbraço e beijinho :)
EliminarBem sei, e assimilei esse facto curioso. São histórias diferentes que convergem no triste fim.
Bela lição.
um grande abraço, amigo.
Creio que li o post em 2013 e onde escrevi que a dor de perder um filho, deve ser a maior dor de todas :(
ResponderEliminarPelo que ouço, é uma dor enorme. Indescritível.
EliminarConsola-me saber que, acho, os meus pais nunca me abandonariam independentemente do meu declínio. Espero nunca lhes causar tal dor e preocupação.
EliminarAssisti de muito perto à fuga/desaparecimento de um primo meu, inadaptado e actualmente sem abrigo por "opção". Nada lhe faltava e os meus dias dariam tudo para o recuperar mas é adulto e nada podem fazer. Nem sequer sabem onde está, apenas, através da assistente social sabem que está vivo e vive na rua.
Sei que estas coisas acontecem, e a morte, no limite, é corolário natural mas admiro as pessoas que mantém a fé nos homens e principalmente em Deus.
Depende de cada situação e de cada contexto. A atitude dos pais é altamente censurável, sobretudo desde a mais tenra idade. Sendo adultos, evidentemente que o cuidado deve continuar, a atenção. Houve ajuda, contudo, da parte do seu pai, ainda que os dois tenham se alheado completamente daquele rapaz nos últimos anos da sua vida, ao que sei. Desconheço a mãe dele.
EliminarApesar da tristeza é um forte e belo texto... infelizmente conheço, e conheci, alguns "Nuno" ao longo dos anos... Mais do que a sorte de contar com uma boa estrutura familiar, eu encontrei bons amigos dentro de minha casa, por isso essas histórias onde a falta de afeto e cuidado são tão presentes me tocam bastante...
ResponderEliminarSempre que me deparo com alguém em uma situação assim... me passa pela cabeça o questionamento sobre que razões o teriam levado até aquele momento...
Grande abraço meu amigo! :)
O afecto é um elemento essencial em qualquer crescimento são. A sua falta acarreta graves problemas mais tarde - falo eu que, felizmente, sempre tive carinho. Mas sei de quem não teve, nem tanto por acto consciente e voluntário dos pais, mas por negligência, leviandade.
Eliminarum grande abraço, amigo Latinha.
Um texto duro mais muito humano.
ResponderEliminarA realidade é mesmo essa, e quem a pinta com as suas vidas é apenas uma forma de não querer ver o que poderá estar a acontecer mesmo ao lado.
Sei do que falo, e cada vez mais sinto que as pessoas, eu, tu e todos os outros deixamos o tempo fazer de nós peões num jogo, só quem é cego, surdo, mudo e incapacitado é que deixa o tempo fazer da nossa vida um tabuleiro, em que a sorte e o azar ditam o caminho a seguir.
A saudade mata-me seja por que motivo for.
É verdade, a realidade em si é dura, daí que me recuse a ter grandes ilusões ou a pintar a vida de cores garridas: é negra, é dolorosa, é sofrível.
EliminarHá uma forte componente de sorte, sim. O trabalho e a astúcia valem muito, mas concordo que o factor "sorte", que nem todos têm, é essencial.
A saudade e o remorso corroem lentamente.
A vida é uma caixa de surpresa!
ResponderEliminarAbraços!
... regra geral, surpresas más.
Eliminarabraço, amigo. :)
Que história triste. Uma vida curta e sofrida. É real?
ResponderEliminarAbraços!
Sim, é real, mas ainda que esta não o fosse, certamente uma outra parecida haverá por aí...
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