23 de junho de 2015

Dos Regimes.


    Há tempo que venho sendo confrontado com as vantagens e desvantagens dos regimes republicano e monárquico, e para isso contribuiu a minha participação em fóruns iberistas. Residia em mim, como até há alguns meses não me esforcei minimamente por dissimular, um anti-iberismo primário, fomentado pela desconfiança e pelo receio, mais até do que por argumentos racionais. Percebi, contudo, que os laços que nos unem a Espanha são bastante profundos e que estreitá-los é inevitável, como um filho que por mais que faça busca sempre as suas raízes. Portugal é um dos reinos históricos de Las Españas, o único que conseguiu manter a sua autonomia e independência pela história, e as hipóteses em que a união se colocou, através de políticas matrimoniais ou de conquistas pela guerra, foram mais que muitas.

    Em Espanha, vigora um regime monárquico, reconhecido pela Constituição de 1978 e devidamente outorgado em referendo pelo povo espanhol. Os críticos do regime aludem a Franco, que deixou Juan Carlos como seu sucessor, restaurando-se a monarquia com a sua morte. Em boa verdade, Espanha não conheceu o corte abrupto que por cá tivemos, falando-se, e bem, em transição para a democracia. O primeiro monarca pós-ditadura, que recentemente abdicou da coroa, foi uma figura central no processo para a democracia. Ainda assim, não é difícil encontrar quem defenda as cores da bandeira republicana espanhola no país vizinho, contrapondo-se aos mais tradicionais e conservadores que sabem que o monarca, em Espanha, é símbolo de união e coesão entre todos os espanhóis, num país que se vê em mãos com levas sucessivas de movimentos secessionistas. Uma República enfraqueceria, certamente, a união de um Estado que por si só é já frágil.

      Realidade diferente da que temos por cá. Cem anos sobre a implantação da República, mais cinco, há vozes que se erguem pela Monarquia, sim, que parece definitivamente afastada, até no quadro constitucional que a não permite. Salazar não nutria especial apreço pelos monárquicos, ainda que tenha assentido que os exilados Bragança regressassem a Portugal. Mais modesto do que o seu homólogo espanhol, acredito que tenha confiado nas fundações firmes do republicanismo em Portugal.

       Li, ontem, um artigo de um jornal que versa sobre os gastos com os ex-Presidentes da República. Não seria difícil imaginar que certos privilégios manteriam. O que me indignou, porém, foi a verba associada à manutenção dessa família presidencial informal, que ascende ao milhão de euros. Republicano convicto por não aceitar, sob qualquer pretexto, privilégios de nascimento, cargos vitalícios e hereditários, sujeitos predestinados, acima dos demais, irresponsáveis e invioláveis face ao direito, recuso-me, como cidadão e contribuinte até, a compactuar com esta situação que me parece incomportável, roçando o obsceno. Ocupar a chefia do Estado, por sufrágio directo e universal, advém de um mandato conferido pelo povo. Findo este, o cidadão não deveria acumular mais do que a subvenção a que tem direito por lei e, nomeadamente, o lugar que lhe cabe no Conselho de Estado, como se sabe, vitalício para os ex-Presidentes, compreensivelmente. Gabinetes, assessorias e demais regalias pagas pelo Estado, assim legislasse eu, sairiam dos seus bolsos. Nada justifica, nem um eventual prestígio ou dignidade da função exercida, que cada ex-Presidente - que falamos não de Presidentes em exercício de funções - gaste uma média de trezentos mil euros anuais, quando tanto se falou, e fala, em contenção.

        Se a República se funda nos valores da igualdade, da liberdade, da rotatividade dos cargos públicos em mandatos limitados, surgindo em Roma, num conceito substancialmente diferente do actual, temos, presentemente, regimes republicanos, parlamentaristas, semipresidencialistas ou presidencialistas, que importam o que de pior há noutros, sendo que estes resquícios em nada contribuem para a dignificação do regime que propugnou o fim dos privilégios e a paridade entre os seus cidadãos.

20 comentários:

  1. Podemos discutir quais, mas não me choca que os ex-Presidentes da República mantenham algumas regalias (não lhe chamaria privilégios, mas enfim, não é importante a designação). O lugar no Conselho de Estado não pode ser integrado neste "pacote", porque não corresponde a uma regalia, mas, digamos, a uma certa "senadorização" (passe o neologismo) da função presidencial.

    E terem um gabinete e staff para esse gabinete parece-me mais do que razoável. Talvez fizesse sentido localizar esses gabinetes na Assembleia da Répública, suportados pelo orçamento do Parlamento.

    Não consigo validar essa verba de um milhão de euros que ontem apareceu aí a correr pelas redes sociais. Mas tenho um certo receio desse tipo de discussões, porque muito facilmente deslizam para uma certa demagogia. As verbas adstritas aos ex-PRs serão aquelas que o Parlamento entender adequadas e fiscalizadas e auditadas pelo Parlamento e pelo TC.


    um abraço, Mark. É sempre um prazer e, isso sim: um privilégio, ler o teu blog :)

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    1. Olá, querido Miguel.

      Como bem disseste, é uma questão meramente conceptual. Eu prefiro designar por privilégios, porque realmente o são, mas, enfim, pouco importa.

      Se reparares, não integrei o Conselho de Estado no "pacote". Referi-o quando o fiz em relação às subvenções a que têm direito. A Constituição quis atribuir aos ex-Presidentes um lugar no Conselho de Estado e creio que o legislador esteve bem. Têm experiência e o cargo que ocuparam permite que a sua opinião se faça ouvir nos assuntos pertinentes para a Nação.

      Já não é razoável que mantenham "regalias" quando não desempenham qualquer função política activa, ainda que o tenham desempenhado no passado. Se eu quiser um gabinete ou uma assessoria, pago-a. Acrescentando a isto que podem cumular à subvenção de ex-Presidente quaisquer outras que lhes pertençam, o que não era assim até 2008, ao que sei.

      E também não me parece admissível que a AR, que é um órgão de soberania distinto da Presidência, integre no seu orçamento despesas de ex-Presidentes.

      um abraço, Miguel, e obrigado pelo carinho. :)

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  2. Estamos em Portugal, somos pior que qualquer país africano. Por isso é que o PSD e PS querem emigrantes estrangeiros cá, para os explorarem à vontade.

    O que é feito dos Ucrânianos que vieram nos anos 90?! Os com mais estudos, já fugiram todos lololololololol

    Abraço amigo

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    1. Não iria tão longe, mas compreendo a indignação, Francisco. :)

      um abraço, e obrigado por te teres dado ao trabalho de ler a "maçada" que é isto. ;)

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  3. Oi Mark. Engraçado você falar do regime presidencialista, que vigora aqui. E parece que até isso herdamos de vocês. Aqui se passa exatamente o mesmo, os privilégios, as aposentadorias "astronômicas", enfim esse sem número de barbaridades num país com tanta desigualdade social (que nem o bolsa família deu conta).
    Eu sou republicano. Também abomino esses privilégios todos que você referiu da monarquia. Apesar de ser um regime bonito, tradicional, é antiquado com os dias atuais.

    Abraços!!

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    1. Não será tão antiquado assim. Vários países da Europa - e bons países - mantêm a monarquia. Os monárquicos até costumam dizer, se bem que não vislumbro nessas afirmações ponta de fundamento, que os melhores países só o são porque são monárquicos, mas depois temos Áustrias, Suiças, Finlândias, Alemanhas, que nos provam que nem sempre é assim. E depois persistem monarquias em alguns países africanos e do Médio Oriente. E inclusive na Ásia. Bonito, acredito que sim, mas não me compadeço com isso. É um regime muito desigualitário e só a ideia de ter um monarca inviolável na Constituição, que não poderá responder civil ou penalmente, aterroriza-me.

      Oh, o Brasil há-de melhorar ainda mais, muito embora esta estagnação económica ultimamente. Confiança! O teu país tem muito potencial. Tomaria eu que Portugal tivesse tanto!

      um abraço.

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  4. Agradecendo e retribuindo o carinho da visita estamos aqui e digo q muito feliz em poder conhecer um pouco de seus registros.
    Sua percepção é muito interessante sobre o tema. Sempre fui Republicano mas, hoje, tenho aqui meus questioinamentos. A República em quase todas as partes do mundo, com raras excessões têm se contaminado com todos os vícios e defeitos atá então apontados nos regimes monárquicos. Tb percebo que em vários países, aqueles que, definitivamente fazem diferença neste mundo, mantém o regime monárquico.
    Aqui no Brasil, se formos fazer um estudo aprofundado e sem preconceitos, vamos constatar que D. Pedro II foi um dos maiores, talvez o maior estadista que tivemos e, além disto, uma figura pública além de seu tempo em questões sociais, ecológicas e desenvolvimentistas e culturais.
    Com a república o q vemos ... em vez de um monarca e sua família, temos vários "monarcas" que se perpetuam em privilégios quando deixam o poder.
    Enfim, uma questão a ser refletida com muita atenção e de forma mais lúcida e critica, sem preconceitos maiores.

    Seguindo e linkando o blog para não perder de vista ...

    Beijão

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    1. Olá, Paulo. Muito obrigado pela visita. :)

      É verdade. O republicanismo foi permeável a vários vícios que encontramos em monarquias. Há até presidentes por esse mundo fora que alteram as suas leis fundamentais de modo a prorrogarem indefinidamente os seus mandatos, numa claríssima subversão dos princípios republicanos mais elementares.

      D. Pedro II foi, com efeito, um grande monarca, e injustiçado com o advento da República. Tal como aqui, os republicanos cometeram excessos, denegrindo a imagem dos monarcas. Por cá, realmente a última dinastia, de Bragança, que deu origem também à Casa Imperial Brasileira, produziu alguns príncipes ociosos, mais voltados para os seus luxos e prazeres (incluindo carnais...) do que para a governabilidade do país. Mas houve excepções, certamente, e a História começa a fazer justiça.

      Entretanto, como bem disse, a República vai permitindo que determinados indivíduos, lá porque um dia foram Presidentes, possam beneficiar de privilégios ou regalias, como preferir, vitalícios.

      Irei seguir o seu espaço também, com certeza.

      um grande abraço. :)

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  5. não há incompatibilidade em receber regalias e ter uma fundação?
    não concordo com essas regalias. houve uma função, acabou, acabaram-se as ditas.
    bjs.

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    1. Margarida, eu chamaria de verdadeiros privilégios. Parece-me mais apropriado. Buscando no Priberam, depois de ser confrontado com as "regalias" pelo Miguel, que também preferi no penúltimo período do quarto parágrafo, privilégio diz respeito a uma vantagem ou direito concedido a alguém com exclusão de outros e ainda a bem ou coisa a que poucos têm acesso - o que está manifestamente aqui em causa; regalia, por sua vez, além de aparecer como sinónimo de "privilégio", é um direito inerente à realeza.

      Pois, além das boas subvenções, uns têm fundações (que não com o sentido de "alicerces"...).

      Partilho da tua conclusão.

      um beijinho.

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  6. Eu, me republicano me confesso. E como tu, também sou CONTRA esse "prolongamento" da vida presidencial camuflada de "serviço à Pátria". Foram eleitos, cumpriram os seus mandatos, a República agradece e saem de cena. Acaba aqui o seu papel e como tal não devem receber mais nada dos contribuintes, a não sei as reformas a que tenham direito. Falam da sustentabilidade da Segurança Social e por aqui percebemos o porquê.

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    1. Não sei se alegam "serviço à Pátria". O que me parece, e chamem-me demagogo, é que esses senhores acumulam privilégios & regalias que facilmente suportariam do seu bolso. E tampouco defendo que o Estado têm qualquer dever de suportar estes gastos. Não há qualquer dever legal e nem moral, a meu ver. Usufruíram de todas as condições enquanto Chefes de Estado. O que justifica o erário público continuar a pagar-lhes assessores e gabinetes?

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  7. É verdade, Mark. Perdeu-se o espírito republicano, e uma certa modéstia e simplicidade que nele estava pressuposto. Os nossos governantes (quase todos) instalam-se em palácios onde dão sumptuosos banquetes, viajam em carros de luxo e aviões fretados com as suas comitivas que parecem autênticas cortes, a quem distribuem favores e benesses. Será preciso proceder assim para governar bem? Será necessário para representar condignamente a Nação? Julgo que não, antes pelo contrário: os nossos governantes dariam um exemplo ao mundo se fossem pródigos na utilização dos recursos e do dinheiro dos impostos dos seus concidadãos. Tal como estamos, parece que se derrubou a monarquia mas não o regime: deixámos foi de chamar-lhes reis e senhores!

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    1. Sábio comentário, João. Sábio e certeiro. E nada mais acrescento. :)

      um grande abraço.

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  8. Há uns anos li um artigo sobre os gastos com a presidência da república e faziam os prós e contras de a termos. Sei que há vontade por parte de algumas pessoas para que a Monarquia voltasse, não sei até que ponto nos dias de hoje faria sentido voltarmos atrás, mas se os gastos fossem menores porque não?

    Na verdade o que acho é que deveriam de cortar e muito os gastos de certos políticos têm, servem o país e servem mal, não deveriam de ser recompensados, e muitos deles julgam que têm o reio na barriga mas nem coroa têm.

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    1. É um argumento invocado pelos monárquicos, o "dos gastos". Parece-me falacioso. Mal por mal, é melhor andar a "bancar" mimos de quatro ex-Presidentes do que fazê-lo a uma família que se considera a eleita. Um bando de príncipes imodestos e arrogantes, como aqui na vizinha Espanha que, segundo sei, um filho de uma infanta já é um pequeno tirano.

      Por mim, quanto às Repúblicas, a subvenção choruda já é manifesto reconhecimento, e a ela têm direito exercendo bem ou mal o mandato. Fora o prestígio e o que ganham em actividades à custa dele.

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  9. Sabes que Cavaco Silva teve o dom de me tornar monárquico. LOL
    Creio que o antigo presidente deve ter algumas regalias. Mas dar um gabinete a cada um com uma secretária, um motorista e um carro parece-me mais que suficiente. E todos no mesmo edifício, que pode ser um qualquer imóvel histórico que se recupere, o que não me choca.
    E quanto ao que ganham, o PR, como todos os políticos, na minha opinião, deve estar sujeito ao regime normal da Seg. Social, que todos os cidadãos têm, e receber a retribuição correspondente ao seu salário.

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    1. Cavaco Silva teve o dom, em mim, de abominar esta Presidência. Não me revejo no homem, nem no seu estilo e ideais.

      Um ex-Presidente já tem uma boa regalia, Horatius: a pensão choruda que ajudas a pagar. Gabinete, secretária e carro com chauffeur, pois bem, paguem do seu bolso, que a Pátria já reconhece, e bem!, os seus "pré$timos" à Nação. Foram Chefes de Estado, não são mais. Por que cargas d'água adquirem direito a gabinetes, assessores, etc, etc, vitaliciamente?

      A retribuição que recebem dá-lhes bem para uma vida mais que condigna...

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