Somos efémeros. Demasiado. O que é a uma vida humana quando tentamos contar os infindáveis anos da história do planeta?... Só o percebemos quando somos atingidos por perdas pessoais. Assim foi comigo desde a última sexta-feira.
Estava no sushi quando recebo um telefonema do pai. Não reparei. Provavelmente estaria no buffet ou, confortavelmente, a conversar e a sorrir. Ouço o som das SMS. Rápida e eficazmente, sem delongas, o pai disse-me que o avô morrera. Soubera-o minutos antes. Naquele instante caí em mim: o meu avô falecera sem que me despedisse, sem que lhe dissesse umas últimas palavras, pouco mais de dois anos desde a última vez que nos vimos. E a culpa é inteiramente minha. Morávamos ambos na mesma cidade. Estava tão perto.
Desde dois mil e um que o avô padecia de uma doença degenerativa - ironia das ironias e no dia da sua morte assisti ao filme da Alice! Paralisia Supranuclear Progressiva, uma enfermidade do catálogo da doença de Parkinson, mais rara. Afecta a capacidade motora, a locomoção, acarreta dificuldades respiratórias, em deglutir, provocando, no limite, e tudo isto em estágios, a falência múltipla dos órgãos. Por tudo isto o avô passou, e pude acompanhar a evolução da sua doença até dois mil e treze, altura em que a vida nos separou. Sofreu bastante. Segundo me contaram, os últimos dois anos foram terríveis. Esteve internado em Tomar e, mais recentemente, por aqui. Nada lhe faltou. Partiu com dignidade.
Estou perturbado. Sinto remorsos. E dói. O pai disse-me que por várias vezes pediu para me ver. Nunca me avisaram. É evidente que a minha culpa não diminui. Eu sabia que ele estava doente, que inevitavelmente sucumbiria. Era uma questão de tempo.
No sábado, já tendo conversado com o pai, fui à igreja onde depositaram o corpo para o velório. A mãe, e respeito os seus motivos, não quis estar presente. Entretanto, pedi ao dito amigo que me acompanhasse. Não sou especialmente próximo da família paterna. Encontrei a avó devastada, mas calma, medicada, acompanhada de alguns primos. Aproximei-me da urna. Uma tia cumprimentou-me, deu-me os pêsames. Não a via há ainda mais tempo. Acariciou-me o rosto. Pedi-lhe, por favor, para que descobrisse o rosto do meu avô. Senti uma tontura. Aquele cadáver era tudo o restava do meu avô. Desfigurado, o que associo à medicação e à agonia, que soube intensa. Abracei-me ao amigo. Precisei de sentir um abraço que me afastasse daquela imagem assombrosa. Oh, as memórias que tenho do avô!, um homem enérgico, forte, corajoso, tão diferente da avó, senhora dada à melancolia e à instabilidade. Sentei-me e tive de beber um pouco de água. Desde então que a imagem não sai do meu pensamento. É demasiado nítida.
O avô foi cremado no dia seguinte.
Fica a saudade e a culpa que tenho. De nada adianta lastimar-me. Ele não está cá para que possa desculpar-me e abraçá-lo. Tanto que ficou por dizer... Atenuará com o tempo, sei que sim, mas a mágoa, essa, permanecerá por quantos dias ainda viva.
Adeus, avô.
Essa é uma das razões porque nunca olho para os mortos. A recordação deles vivos é a única que quero levar. :)
ResponderEliminarDeixo um beijo :)
Obrigado, Imprópria.
Eliminarum beijinho.
Um abraço grande Mark, tenta não sentir remorsos e guarda apenas as memórias boas que terás com o teu avô e ele certamente olhará por ti sempre.
ResponderEliminarNão tenho muitas memórias de momentos a dois. Mas guardarei a sete chaves o que tenho.
Eliminarum abraço, Eolo, e obrigado.
Um forte abraço. Sem mais palavras. P.
ResponderEliminarObrigado, P.
Eliminarum abraço.
Posso entender o que escreves, de certa forma, passei por algo muito parecido e também tive imenso remorso, o tempo é um senhor remédio! Apesar da presença física dele não estar mais aí, ele vive dentro de você e tenho certeza que nunca duvidou de seus sentimentos por ele... Procure se libertar desse sentimento de remorso, não te fará bem e tenho certeza que ele não desejaria isso... se acreditar, peça por ele em suas preces!
ResponderEliminarUm grande, fraterno e forte abraço para você! Força para passar por esse momento.
Só mesmo o tempo ajudará a atenuar o que sinto. É uma sensação de perda, de vazio, a que se junta o remorso. É terrível. Corrói.
Eliminarum abraço, Latinha, e muito obrigado.
Acredito que o teu avô ao ler este post, já te perdoou :)
ResponderEliminarNão fiques assim, lamento imenso. Foi uma grande perda, mas acredito que o teu avô está sempre contigo ;)
Um Grande Beijinho de Sentimentos
A existir alguma coisa para lá da existência terrestre, espero que me tenha perdoado.
EliminarEstá a custar-me TANTO, mas tanto.
um abraço, amigo Francisco, e obrigado.
Não há muito que possa ser dito. Para isso, seria necessário colocar-me no teu lugar. Sei que, se calhar, as palavras poderiam ajudar na tentativa de contornar o vazio, porque é de vazio que se trata, não é?
ResponderEliminarMas... que palavras?!... Cada uma delas afigura-se mais deslocada do que a anterior, por muito que as possamos enfeitar. Por muito que tentemos que elas façam sentido.
Este é um processo pelo qual, muito provavelmente, terás que passar sozinho. Aquilo que sentes, somente tu, com o tempo, com uma mão cheia de desencanto, serás capaz de ir descodificando. Pouco a pouco - e este "pouco" pode ser bem longo - vais aperceber-te de que as coisas que não viveste com o teu avô, hão-de ser uma espécie de legado. O que te vai ajudar a entender o futuro.
As memórias, essas, serão tuas para sempre. Cuida bem delas!...
Conseguirás saber o que sinto - até num patamar superior ao meu. Não o remorso, isso acredito que não. É que a juntar à perda, e à dor que a acompanha, natural, há este sentimento corrosivo e horrível.
EliminarObrigado, driftin'.
sinto muito, Mark. um grande abraço. e não sinrtas remorsos: fazemos sempre e apenas aquilo de que somos capazes.
ResponderEliminarObrigado, Miguel.
Eliminarum abraço.
Os meus sentimentos, Mark.
ResponderEliminarGood to have a friend looking over your shoulder.
Alex, obrigado.
EliminarSim, foi um grande apoio naquele dia.
:(
ResponderEliminarlamento muito pelo que estás a passar; Mark. não sejas tão exigente contigo. agora, sofres, com o tempo, guardarás os momentos bons.
ver a pessoa que já morreu é terrível. eu sei, como sei. jamais se esquece. e não é bonito, não.
felizmente tinhas esse ombro amigo. é bom termos alguém do nosso lado nos momentos mais difíceis.
bjs e força e serão agora dias maus mas passam. terão de passar.
Pouco poderia invocar a favor de uma qualquer justificação para esta ausência de dois anos na vida de um familiar tão próximo e que estava doente. Errei e errei "feio".
EliminarÉ, vai aos pouquinhos...
um beijinho grande e obrigado.
*abraço-te com carinho*
ResponderEliminarCompreendo bem os sentimentos que te estão a remoer neste momento, querido Mark. Sei que de nada serve dizer-te isto agora, mas, tenta abstrair-te. A dor, essa aliada que nos persegue pela vida fora e nos faz crescer da maneira mais difícil, vai manter-se. Mas, tu és um rapaz inteligente. Saberás compreender essa dor e mais do que isso, saber que ela tem o seu propósito e encaminhá-la para onde deve ir. Tudo bem...tiveste oportunidades de visitar o teu avô e não foste. É verdade que não estamos à espera que estas coisas aconteçam, por mais que pensemos ou imaginemos. eu também tinha uma relação assim assim com o meu irmão, só nos víamos de vez em quando. Doeu e custou a aceitar. Mas, um dia, compreendi que o mais importante é preservar as memórias bonitas que temos deles. E o resto, essa mágoa, com o tempo, vai cicatrizando, vai passando e vai esmorecendo... Porque eles não querem ver-nos tristes, mas sim felizes. ^^
Beijinho grande e grande abraço! :)
Também tiveste uma grande perda, e tão recente. Um irmão! Deves ter sentido o que sinto. Digo-o agora ao saber que também tinham uma relação pautada por aproximações e afastamentos. Assim tem sido com os avós paternos.
Eliminarum abraço, amigo João, e muito obrigado pelas tuas palavras de apoio.
Lamento muito. inesdeportugal
ResponderEliminarObrigado.
EliminarPrimeiro que tudo, os meus sentimentos.
ResponderEliminarE depois, porque acho apropriado, e é motivo de alguma meditação, aqui deixo algo muito belo escrito por esses grande Senhor que sabe usar as palavras como poucos, Miguel Esteves Cardoso:
«Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?
As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência.»
Tão verdade esse excerto de Miguel Esteves Cardoso. Bastante simbólico. E gostei das metáforas com as "acções de despejo" e outros que tais. De facto. Não consigo, de todo, "expulsar" o avô dos meus pensamentos. Ele está demasiado presente. O que se passa é que os demais familiares estavam, de certa forma, preparados para este desfecho - na medida do que é possível estar-se preparado. Eu, não. Da última vez que estive com o avô, algures no início de dois mil e treze, ele estava já doente, sim, quase acamado, mas alimentava-se, estava cônscio, rezingão, ainda conseguia mover-se. Foi um choque. Não passei por esse processo de progressivo "desatar dos laços".
Eliminarum abraço e obrigado.
Mark tenho a certeza que o teu avô sabia como te sentias em relação a ele. Não te culpes por não te teres despedido.
ResponderEliminarAbraço Forte
Infelizmente, para mim, creio que nunca soube o quão gostava dele, até porque eu próprio só o soube com a sua partida.
EliminarObrigado, Rúben.
um abraço.
Ai meu querido Mark... Lamento muito pela sua perda. Sei que isso dói e que agora você tá triste e pra baixo. Eu também perdi a minha madrinha há dois anos e, por mais distantes que estávamos porque nos vimos poucos ( coisas da vida), é sempre complicado saber que alguém ligado a nós se foi.
ResponderEliminarVocê é um menino forte, sensível sim,mas forte e percebemos isto quando vemos você passar por momentos difíceis. Sei que vai dar a volta por cima. Tenho certeza que o seu avô gostaria disso. Tenho certeza que ele se foi sem levar mágoas ou ressentimentos, ele foi em paz. Ele não se foi chateado com você. O avô é pai duas vezes e o pai não guarda mágoas dos seus filhos.
Um grande abraço apertado e reconfortante, meu querido <3
Obrigado, Tiago. Lamento pela tua madrinha.
EliminarNão sei se sou tão forte como parece...
um grande abraço.
Perdas são sempre momentos difíceis, mesmo que não tenha tanto contato nos últimos tempos era seu avô e, por isso, deve se sentir assim, mas, como você mesmo disse, o tempo ajudará a superar tudo isso. Grande abraço! Fique bem! 😉
ResponderEliminarEspero que o tempo ajude. Não está a ser fácil.
Eliminarum grande abraço.
Assim se aprende, doce Mark.
ResponderEliminarDada a tua idade, não me parece que te possas culpabilizar. Umas pessoas são mais fortes do que outras, conseguindo visitar tais doentes sem ficarem em "estado de choque". Dadas as nossas semelhanças, não deves fazer parte deste grupo. É certo que nos culpabilizamos. Sim, é verdade. Não adianta dizer o contrário, pois estaria a ser hipócrita. Também eu, na tua idade, vi o 1.º cadáver: o da minha avó paterna, seguindo-se, pouco tempo depois, o avô paterno. Ver os rostos foi o pior. Se tal já não me assombra é porque agora tenho o do pai. E é aqui que nos voltamos a cruzar, Mark: o meu pai e o teu avó estavam em sofrimento contínuo. Há que ver a morte como um manto branco, que lhes levou a dor e o sofrimento. Não sejamos egoístas pois não desejávamos a continuidade de tal sofrimento.
Abraço-te!
Paulo
Sem dúvida. Tenho plena noção de que a morte livrou-o do terrível sofrimento em que estava.
EliminarO que se passa é que eu não sabia que o meu avô estava em estado terminal. Tinha obrigação de saber, e aí reside a minha culpa.
Já passaram alguns dias sobre a sua partida. Estou melhor. Procuro afastar os meus pensamentos daquela visão horrífica.
Obrigado pelas tuas palavras.
um abraço.
Já perdi todos os meus avós.
ResponderEliminarUns mais próximos que outros.
Até tinha 5, três avós, mais que o normal, long story :)
Ficam sempre alguns remorsos e arrependimentos, acho que faz parte do processo.
Força Mark, um abraço.
Agora tenho 3. As duas avós e um avô, o materno.
EliminarNo meu caso fica um enorme remorso, mais do que justificado.
Muito obrigado, Shiver.
um abraço.
Os meus pêsames Mark. De facto é duro. O meu avó também partiu a pensar que eu estava zangado com ele e por teimosia minha não me quis "despedir" dele quando estava vivo, coisa que lamento até hoje não ter feito. Espero que apesar de tudo consigas recuperar no possível sabendo que o que faz as pessoas ficarem vivas é a forma como as lembrarmos todos os dias :)
ResponderEliminarObrigado, Namorado.
EliminarOh, uma situação idêntica à minha, ou com pontos de contacto. É terrível. Agora estou bem melhor, mas andei uns dias perturbado, angustiado, cheio de remorsos. Não esqueço, claro. Penso muito nele.
Mark, compreendo perfeitamente esse sentimento que se apoderou de ti e a que chamaste "mágoa". É algo que não tem nome, de tão mal que nos sentimos com nós próprios, porque uma mágoa não é isso. Ainda que com um contexto diferente, eu também vivo com esse sentimento há alguns anos. E com os anos vai "serenando", mas nunca te vais esquecer.
ResponderEliminarDesculpa, não fui grande consolo, acredito. Contudo, sei como pouca gente o que estás a sentir.
Um grande e forte abraço!
É mágoa e remorso. Tudo junto. A combinação suprema.
EliminarOh, todas as palavras ajudam. Agora estou melhor. Como disse ao Namorado, acima, andei muito mal por uns dias. Atenuou por ora.
Muito obrigado pelas palavras e um grande abraço para ti.