28 de outubro de 2014

As Presidenciais.


  As eleições presidenciais no Brasil, disputadíssimas, numa segunda volta que deu a vitória a Dilma Rousseff, embora sofrida, reportaram-me às eleições presidenciais portuguesas que se realizarão a menos de dois anos a contar desta data. Por terras de Vera Cruz, Dilma ganhou por uma margem mínima. O descontentamento dos brasileiros face ao abrandar da economia e ao despesismo público que o Partido dos Trabalhadores (PT) promoveu, levou a que muitos abandonassem o tradicional apoio às políticas trabalhistas, ou petistas, como dizem, procurando em Marina Silva, primeiro, e em Aécio Neves, depois, uma fuga a esta realidade desconfortante, uma paz de gritos.

   Aécio não convenceu pelas suas características pessoais, pelo seu percurso enquanto político, governador do Estado de Minas Gerais, e por estar conotado com o PSDB e a designada fórmula FMI, que nós, portugueses, tão bem conhecemos de três períodos distintos da nossa história mais recente.
   Dilma recebeu um cartão amarelo, transfigurado de verde à última hora e por escassos votos (três ou quatro milhões, pouco, inseridos num universo eleitoral de mais de cem milhões de almas). No seu discurso pós-vitória, Dilma apelou ao diálogo, um diálogo necessário, vestindo-se o Congresso brasileiro de várias cores políticas. Aécio sabe do seu potencial político. Conquistou mais de cinquenta milhões de eleitores.

  Estas eleições presidenciais no Brasil, as mais renhidas de que há memória, revelaram a outra face da política, negra, suja, caluniosa. Usaram-se todos os trunfos, incluindo os mais e menos imorais. Nada que nunca tenha sucedido do lado de cá do Atlântico. Quem se esquecerá da campanha suja empreendida por Pedro Santana Lopes, em 2005, frente a José Sócrates?

    As eleições presidenciais brasileiras revestem-se de um carácter que as portuguesas não têm. O sistema brasileiro é presidencialista, inspirado no norte-americano, estadunidense, enquanto o sistema português é semipresidencialista, com influências francesas e alemãs, todavia com particularidades que o distinguem. No Brasil, o/a Presidente define a política interna e externa do país, sujeito, contudo, à vontade emanada do Congresso no processo legislativo. O Presidente da República português nada define; a sua política externa é a política do seu governo e quem governa é o Governo, passo a redundância. O Presidente da República Portuguesa não governa, mas é mais do que uma simples figura que ornamenta a hierarquia do Estado. O Presidente, além do seu poder informal, moderador, desempenha um papel na função legislativa do Estado ao sancionar, nomeadamente, os diplomas do Governo e da Assembleia da República. Também escolhe, com alguma discricionariedade, o Primeiro-Ministro, atendendo aos resultados eleitorais. Solicita ao Tribunal Constitucional a fiscalização preventiva da constitucionalidade de normas constantes de leis, decretos-leis e convenções internacionais, bem como a fiscalização sucessiva abstracta da constitucionalidade das normas jurídicas, como ainda pode requerer a verificação de inconstitucionalidade por omissão de medidas do legislador necessárias na implementação de normas que constem na Constituição e não sejam exequíveis por si só. No limite, pode ainda dissolver a Assembleia da República, e nem carece de o fundamentar com um cenário de crise governamental. Como se verifica, o legislador constituinte de 1975 não quis relegar o Presidente a um "corta fitas", como o eram, na prática, os Presidentes da República do Estado Novo.

    À medida em que o tempo passa, as movimentações nos partidos e na sociedade civil intensificam-se. Teremos as legislativas pelo meio, no ano que vem, que não diminuem, em caso algum, a importância das presidenciais. Fala-se em nomes. No Partido Socialista, avança-se com António Guterres, o candidato natural, a mais numa liderança claramente guterrista. Há quem fale em Jaime Gama, ofuscado por Guterres, pessoa sensivelmente consensual, tido como homem fiel às causas sociais, pese embora o seu percurso político, enquanto Primeiro-Ministro, acidentado. Talvez surja Sócrates no seu caminho.
   
    No Partido Social Democrata, a instabilidade é maior. Durão Barroso pisca o olho ao seu partido e vem galvanizado dos anos à frente da Comissão Europeia. Deixou uma impressão favorável na Europa porque remeteu-se àquilo que se esperava dele: que fosse pouco interventivo, dando ampla margem de controlo a Angela Merkel. Terá pela frente Marcelo Rebelo de Sousa e ainda Pedro Santana Lopes, que não morreu para a política. Marcelo não convenceu na política activa e a sobre-exposição poderá prejudicá-lo no escrutínio. Santana, com a vida mediática, cor de rosa por anos, ficou mais conhecido por figura do social do que por político credível. Passou ainda anos a lastimar-se da decisão de Jorge Sampaio em dissolver o Parlamento. Nos cargos que desempenhou, excluindo-se como Primeiro-Ministro, um golpe de sorte, qual presente dos céus, não demonstrou especiais atributos. A juntar a estes nomes, Marinho e Pinto surgirá, inevitavelmente, depois de passar pelas próximas legislativas. A ânsia de poder, ou muito me engano, não o deixará tranquilo. E, claro, os tradicionais candidatos da esquerda. Jerónimo de Sousa, o clássico, e ainda algum do Bloco. Outro clássico é Garcia Pereira.

    Muito nos entreterá nos dois anos que se seguem. Não tarda e o espectáculo começa. Com o povo a assistir, que se erga o pano.

24 comentários:

  1. Boa análise da situação brasileira.
    Quanto a Portugal, parece haver do lado da esquerda, e refiro-me ao PS, pois o PC apresenta sempre um candidato e o BE é neste momento, e infelizmente, um partido residual, do lado da esquerda, dizia eu, o nome de Guterres é bastante consensual e tem sido mais actuante internacionalmente do que Barroso (um pau mandado na UE).
    Já na direita, tudo vai depender mundo do que acontece depois das legislativas, e da normal substituição de Passos Coelho. Rebelo de Sousa é sempre a mesma história - muitra parra e pouca uva; Santana Lopes seria a meu ver uma tragédia eleitoral...para o PSD e o melhor candidato...para o PS.
    E Rui Rio? Barroso não convence ninguém, pois quem acredita num homem que largou tudo por um poiso dourado na UE?
    Quanto a Marinho Pinto - uma anedota!!!

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    1. Pois, e há Rui Rio. :) Mas é menos consensual do que os nomes sociais-democratas que referi, parece-me.

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  2. Deus nos livre dessas escolhas, principalmente do Pedro Santana Lopes... Confesso que tenho um "carinho" pelo Guterres (foi com ele que despertei para a política) mas não sei se será o suficiente para se garantir como um bom candidato, e num cenário de uma eventual vitória, de um bom Presidente da República.

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    1. Despertaste para a política com o Guterres, seu old boy. :D

      Bom, como governante aquilo correu mal. Pode ser que se dê melhor como Presidente. :)

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  3. Talvez a Manuela Ferreira Leite fosse a melhor aposta do PSD, pelo CDS a Manuela Moura Guedes. Pelo PS o João Roque :D e pelo Partido Comunista o Horatius...

    Estou na Dúvida entre o João Roque e o Horatius, em quem votar :)

    Abraço a todos :D

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    1. Esqueci-me da "Manelinha" F. Leite. Mas ela não é 'presidenciável'. Não se fala dela. Deus nos livre! Ahahah, o passado centrista da Manelinha Moura Guedes. xD

      Olha, já agora eu como independente, não? LOL

      um abraço!

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    2. Parece-me uma excelente ideia ;)

      Já me estas a causar uma confusão nesta cabeça :P

      abraços

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    3. Não posso! Não tenho a idade permitida pela Constituição para que um português se possa candidatar à Presidência, ahahah. x)

      um abraço.

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    4. Eu também não tenho idade para essas aventuras. Mas guarda o teu voto mais dez anos, Francisco xD

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    5. Puseste-me a rir, Francisco...

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  4. Como tu é culto e está por dentro dos mais variados assuntos....rs
    Bacana...

    Infelizmente a "noiva do Chuck" ganhou ....
    Política causa grande insatisfação no mundo todo... Confiança zero.

    Abraços!

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    1. Sou um tipo interessado nas questões da política internacional, tentando estar a par do que se passa, e até ter Direito Penal, Constitucional era a minha área predilecta. :)

      LOOOOOOOOOOOOOL, "a noiva do Chuck". #morto

      um abraço.

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  5. o Brasil tem uma coisa que Portugal não tem, a contagem electrónica dos votos. Momentos depois, já se sabia ao certo quem tinha ganho, e não houve críticas ao sistema informático, penso eu.
    quanto aos nossos presindenciáveis, não faço ideia em quem voltar. não encontro nenhum que me satisfaça, assim, será o menos mau... Guterres? mas porque é que esta gente é melhor lá fora que cá dentro? gostava de ver uma mulher, mas não há, nem a MFL. ugh! :(
    bjs.

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    1. Sim, Guterres será o menos mau, ahahahah. Ri-me tanto com essa observação. :D Ahahahah, "menos mau". Muito bem visto!!

      Pois é, de facto não temos nenhuma senhora 'presidenciável'. Também me custa serem sempre homens.

      um beijinho, Margarida.

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  6. Nas presidenciais de 86, em Portugal, na segunda volta entre Soares e Freitas do Amaral, este último teve uma frase do género "Em mim votaram aqueles que gostam de mim. Nele votaram os que gostam dele e os que não gostam menos de mim do que dele". No Brasil aconteceu o mesmo, penso eu. Em Dilma votou quem gostava dela. Em Aécio votou quem gostava dele e quem não gostava de Dilma.

    Quanto às próximas presidenciais portuguesas, eu acho que a Camarada Odete Santos era uma excelente candidata a PR :D
    (apesar do humor, nutro uma verdadeira admiração por ela)
    Sabendo contudo que muito possivelmente o próximo PR será afeto ou ao PS ou ao PSD, gostaria de ver um duelo Jaime Gama vs Rui Rio. Apesar de não ser do partido de nenhum deles, sempre defendi que em todos os partidos existem pessoas competentes. E creio que estas duas serão das poucas que existem dentro dos partidos do "centrão".

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    1. A segunda volta das presidenciais de '86 foi renhida. Já vi um dos debates entre Soares e o Freitas do Amaral. Está disponível no Youtube. Épico! Mário Soares sempre no ataque. É um dinossauro político. Claro está que intelectualmente Freitas do Amaral vence-o por larga margem. É um dos nossos génios do Direito Administrativo cujos manuais me ensinaram muito do que sei nessa área.

      Eu só me cingi aos 'presidenciáveis' na medida em que os nomes vão surgindo na praça pública. A Odete tampouco tem perfil. :) Simpatizo com a senhora, atenção.

      Bom, Jaime Gama e Rui Rio são afectos ao PS e ao PSD, respectivamente. Seria interessante visto que são mais discretos do que quaisquer dos nomes que referi, exceptuando-se talvez Guterres. São pouco mediáticos e, talvez por isso, com maiores aptidões, uma vez que o Presidente deve ser um homem revestido de uma certa aura que o cargo impõe, uma aura de sobriedade, discrição, interventivo no que é essencial e decisivo. Pedro Santana Lopes, por exemplo, seria uma catástrofe enquanto Presidente. O perfil é zero.

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    2. A Camarada Odete (Camarada com C maiúsculo, que não é para qualquer um) honraria, de longe, o lugar de PR com muito mais dignidade que Cavaco (também não é difícil, diga-se de passagem... lol)

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    3. Sem dúvida. A Odete daria uma Presidente muito mais competente do que o Cavaco. É uma Senhora. Um exemplo de honestidade e coerência. Eu quando me referi a perfil, era no sentido de a Odete não encaixar, passo a expressão, no ideário de um/a Presidente, talvez pelo carisma, pela postura, o que não tem nada a ver com competência. :)

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  7. Sim, as eleições desse domingo foi bem acirrada. Sinal de que a sociedade brasileira, pelo menos a parte que votou no Aécio, não está satisfeita com o governo da Dilma. O que ajudou nesse resultado acirrado, foi o baixo crescimento econômico e também uma dose de antipetismo que tá muito em voga, principalmente entre as classes médias que ainda não veem com bons olhos a a ascensão dos mais pobres. Isso tem um viés cultural e tb econômico, mas não vou me alongar nessa questão.

    Votei em Dilma porque considero projeto de governo do PT melhor do que o PSDB, este muito mais ligado ao neoliberalismo que aquele que tem um viés mais socialdemocrata/trabalhista. Quem cresceu nos anos 90 ou foi adulto nesta época sabe bem o que foi o governo neoliberal do PSDB, privatizações, desemprego, arrocho salarial, endividamento das famílias e do Brasil junto ao FMI. É um passado ainda muito recente da qual os brasileiros não sentem falta, por isso a maioria elegeu o PT.

    O grande problema que eu vejo no nosso sistema político que apesar de que há 2 décadas ser bipartidarizado entre o PT e o PSDB, nas legislativa a coisa é muito mais fragmentada.
    É assim desde 1988. O partido do presidente, governador e prefeito não conseguem sozinhos ter a maioria absoluta para apoiá-los

    Pode parecer bem democrático ter tanto partido político disputando as legislativas, mas na prática ter muitos partidos nos Congresso e nas demais casas legislativas, atrapalha e muito a governabilidade do/a chefe do executivo, que para ver aprovado os seus projetos, tem de formar uma base aliada entre os partidos que apoiaram a sua candidatura e mais os outros eleitos. Sem a maioria parlamentar, o poder executivo teria que negociar demais os seus projetos com a oposição, fazendo com que não saiam do jeito que o executivo gostaria. E mais, o chefe do poder executivo muitas vezes tem de aguentar a oposição até mesmo dentro da sua base de apoio, o que não é nenhum espanto, com tanto partido político de várias ideologias e interesses unidos artificialmente num base de sustentação, sempre terá um que queIra fazer acordos que não é do agrado do executivo daí começa as ameaças de sair da base e ir para oposição. Enfim, é uma feira, um balcão de negócios e de troca de apoios, os partidos da base aliada ganham cargos em ministérios, agências reguladoras, empresas estatais etc tudo em troca de apoiar o poder executivo. É o chamado presidencialismo de coalizão.

    Precisamos urgentemente de uma reforma política para acabar com esse modelo tenebroso. Dilma já disse que vai pressionar para um plebiscito da reforma política, o Congresso já sinalizou que não quer o plebiscito, diz que prefere um referendo. Na real, o Congresso não quer acabar com os seus privilégios. Isso ainda vai dar muito pano pra manga. Vou acompanhar as cenas dos próximos capítulos dessa novela chamada Brasil. ahaha

    Aí, penso que as disputas no legislativos sejam mais tranquilas, tem pouco partidos políticos, as pessoas sabem que para formar um governo precisam eleger fortemente um partido ou uma coalizão. É mais fácil, penso eu.

    Adorei o texto. ;)


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    1. Obrigado pelo comentário, Tiago. É sempre bom ter a opinião de um brasileiro em primeira mão e fico feliz por ter feito uma análise correcta e, sobretudo, realista. :)

      Sim, aqui as disputas, regra geral, são mais pacíficas, até dado o tamanho do país, mínimo, quando comparado ao gigante geográfico, territorial e económico Brasil. :) Todavia, tal como aí com o PT / PSDB, aqui também há a tradicional divisão entre esquerda - direita, com o PS e o PSD. É assim em todo o mundo democrático, basicamente.

      um abraço e obrigado uma vez mais.

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  8. Bom, faço minhas as palavras do Tiago! Tua análise e a complementação que ele fez traçam exatamente o panorama que há hoje aqui no Brasil... Talvez seja algo do próprio amadurecimento da democracia, mas as eleições foram realmente atípicas por aqui... Dilma falou algo que achei interessante no discurso dela... que vitórias apertas, provocam mudanças mais rápidas do que uma vitória por uma larga margem.

    Espero que ela possa fazer o necessário, infelizmente no Congresso não é bom, nem honesto, essa é a verdade! Como bem disse o Tiago, cobra-se do presidente uma ética e uma lisura que não se cobra dos outros, e ai está o problema.

    Enfim... muito legal tua análise! Descreveste muito bem a situação por aqui! :-)

    Abração e bom final de semana.

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    1. Muito obrigado, Latinha. A opinião de leitores brasileiros é sempre importante, mormente quando abordo questões relacionadas ao país irmão. :)

      um abraço grande e um bom fim de semana. :)

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  9. Talvez Dilma, não tenha se saído melhor nas eleições, pela confiança que o PT não inspira mais em muitos brasileiros. Corrupção, baixo crescimento da economia e o fantasma da inflação pesam bastante na atuação desse governo. Problemas importantes, até para manter a qualidade de vida das pessoas beneficiadas pelos programas socias, que melhoraram a vida de muita gente, sem dúvida. #euacho.
    Muito bom seu texto !

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    1. Sim, de facto, metade dos brasileiros mostrou todo o seu descontentamento nas urnas. O povo disse de forma inequívoca que está descontente com o rumo das políticas do PT.

      Obrigado, Marcos. :)

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