23 de agosto de 2011

Consegues afastá-los?


Ainda deixo a luz do candeeiro ligada enquanto durmo. Uma luz âmbar, alaranjada, fraca o suficiente para me deixar dormir, embora forte para afastar os monstros que teimam em assombrar o meu sono. O teto, no escuro, assume formas estranhas, indecifráveis, de contornos irregulares, cujo o afastamento se dá com a luz / presença do meu abat jour. De pálpebras cerradas, consigo sentir a luz alaranjada a iluminar-me a retina. Sinto o calor de um aconchego inexistente, uma segurança imaginária que não existe para além da minha vontade.

"Dormes de luz apagada?"

Consegues fazê-lo, como todos, mas perdoar-me-ás esta pequena fraqueza. Necessito desse amparo tão meu, dessa proteção concebível por mim quando nada mais posso fazer. Se soubesses o que se passa quando estou no escuro, provavelmente compreenderias o que sinto. Os monstros saem debaixo da cama, do roupeiro e vêm assombrar-me. O divórcio dos pais trouxe-me o medo, rebuscado quando, de madrugada, na infância, gritava pelos seus nomes por temer o escuro. O medo, afinal, nunca passou. O pai ou a mãe vinham, sentavam-se na pequena poltrona azul e zelavam por mim até que adormecesse. As sombras, quase por magia, desapareciam.

"Podes fazê-las desaparecer novamente?"

... Se ao menos estivesses aqui, de noite, poderia desligar a luz e deixar-me adormecer. Segurarias em ti o meu sono, porque quando durmo estou em paz.

Quando acordo a luz está desligada. Ou não. Já se fundiram de madrugada, já se esbateram com a luz da alvorada, já foram desligadas pela mãe.
O candeeiro pode, por fim, descansar.
Os monstros esconderam-se nos seus abrigos secretos.
Quando a chuva não cai, unindo-se a mim, o sol brilha. Já não me aquece mais.


 

10 comentários:

  1. Amei este texto... Excelente mesmo... =)
    Hugz*

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  2. Não...não consigo...os fantasmas.
    E atenção...não são os fantasmas dos mortos que me perseguem noite fora...esses não me assustam... São sim, os fantasmas dos vivos.

    Gostei muito de te ler...como sempre.

    Abraço

    http://rabiscosincertossaltoemceuaberto.blogspot.com/

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  3. Obrigado.

    Sim, devemos temer os vivos e não os mortos. Os meus "fantasmas" são más memórias e medos, alguns de infância, outros atuais.

    Abraço. (:

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  4. Gostei muito do seu texto, simplesmente encantador!
    quero lê sempre agora!

    http://homemgama.blogspot.com/2011/08/desafio-livros.html

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  5. Mark,

    aos poucos conseguirás libertá-los. Estou certo que após escreveres e publicares os teus "momentos", sentes-te aliviado. Sim, escrever pode ser terapêutico! Para mim é-o.
    Não receies qualquer julgamento e por vezes foge mesmo à poesia ou correção: tens amigos, ainda que virtuais!

    Abraço.

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  6. Adorei, parabéns, texto lindo. E eu ainda durmo de luz ligada (:

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  7. Espero que em breve não precises mais da luz ligada,pois outra luz dormirá contigo e afastará os medos...

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  8. Já pensaste em dormir abraçado ao Simba ou a um outro peluche?

    Eu só consigo dormir se estiver tudo muito escuro. Se estiver a dormir e começar a sentir alguma claridade no quarto, é certo que vou acordar...o mesmo com o ruído...

    Há dias porém que os fantasmas também me assombram. Nesses dias gosto de dormir agarrado a um dos muitos peluches que tenho.. ^///^

    Ele protege-me. :)

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