O homicídio da deputada britânica europeísta provocou uma onda de consternação no Reino Unido. A uma semana do referendo em que tudo se decidirá; em que, segundo as últimas sondagens, a União Europeia arrisca a mergulhar no seu mais tenebroso inverno, Jo Cox é assassinada e poderá, a sua morte, desequilibrar os números que nos chegam praticamente nas vésperas da decisão dos súbditos de Sua Majestade e que dão a vitória ao designado 'Brexit'.
Os cidadãos britânicos têm sofrido todo o tipo de chantagem emocional, desde Angela Merkel passando por Barack Obama. O eurocepticismo britânico não é uma novidade. Charles de Gaulle rejeitou por duas vezes a adesão do Reino Unido à UE (então CEE), conhecendo de antemão as desconfianças dos britânicos face à Europa continental, só tendo sido esta possível após a sua morte, em 1970. A CEE surgiu de uma ideia francesa e alemã de procurar encontrar a paz na Europa, aliada à prosperidade, evitando-se um novo conflito e refreando-se o espírito belicoso alemão e um possível sentimento de revolta. O Reino Unido, pela sua posição geográfica que proporcionou pelos séculos uma política de diferenciação, não encontrou acolhimento nos ideais dos pais fundadores das comunidades europeias.
Após a adesão, a relação entre o Reino Unido e as instâncias europeias tem sido atravessada por momentos de tensão. À cláusula de exclusão à moeda única europeia, os britânicos a custo se adaptaram às mudanças impostas por Bruxelas. Ratificaram a Carta de Direitos Fundamentais da UE, embora mantenham, por força de um protocolo adicional, excepções à aplicação dos preceitos enunciados na Carta. Também a criação de um Supremo Tribunal foi polémica, uma vez que as competências deste último eram da responsabilidade da Câmara dos Lordes, ou seja, de uma das câmaras do Parlamento britânico, o que melindrava a tradicional separação de poderes da Europa continental, de formulação francesa. Não se pense, contudo, que a tradição britânica enfraquecia a mais velha democracia do mundo.
A União Europeia colhe os frutos de uma política neoliberal que esqueceu por completo os princípios nos quais se funda a sua legitimidade. Transformou-se, de bloco de solidariedade, em bloco de supremacia de uns Estados-membros sobre outros, o que não deixa de ser natural e até expectável tratando-se de realidades tão distintas do ponto de vista económico, social, cultural, demográfico e geográfico. Potências como o Reino Unido, com uma longa história de pioneirismo e de presença na primeira fileira dos centros decisórios, não pretendem submeter-se aos ditames emanados de Berlim, sobretudo, com Bruxelas como testa de ferro. O nacionalismo completa um trabalho que tão-pouco é árduo.
Cameron muniu-se do referendo para combater problemas internos. Seja qual for a decisão, o futuro da União Europeia está ameaçado se não houver uma reflexão profundíssima e honesta quanto ao seu futuro. Para o Reino Unido, uma eventual desvinculação acarretará uma diminuição do seu mercado-alvo. Há dias, li uma entrevista na qual os gibraltinos demonstravam uma profunda apreensão caso o Reino Unido se decida pelo 'Brexit'. Terá consequências para a economia britânica. Acredito, ainda assim, que o Reino Unido consiga ultrapassar as adversidades que se lhe coloquem diante. Falamos de um país com enormes potencialidades e com um passado que o liga a todos os continentes da Terra. E temos sempre o exemplo de países que optaram por não se juntar ao espaço comunitário, como a Noruega.
Independentemente do veredicto popular, a UE passou por processos semelhantes ao longo da sua existência, do qual é testemunha o primeiro referendo britânico fracassado à permanência, em 1975, e já enfrentou, inclusive, a saída de uma região autónoma, que não é um Estado-soberano, é verdade: a Gronelândia, em 1985, nação constituinte do Reino da Dinamarca. As suas fragilidades, todavia, nunca estiveram tão em evidência como nos últimos anos. E provavelmente abrir-se-á um grave precedente.
Independentemente do veredicto popular, a UE passou por processos semelhantes ao longo da sua existência, do qual é testemunha o primeiro referendo britânico fracassado à permanência, em 1975, e já enfrentou, inclusive, a saída de uma região autónoma, que não é um Estado-soberano, é verdade: a Gronelândia, em 1985, nação constituinte do Reino da Dinamarca. As suas fragilidades, todavia, nunca estiveram tão em evidência como nos últimos anos. E provavelmente abrir-se-á um grave precedente.