17 de junho de 2016

O 'Brexit'.


   O homicídio da deputada britânica europeísta provocou uma onda de consternação no Reino Unido. A uma semana do referendo em que tudo se decidirá; em que, segundo as últimas sondagens, a União Europeia arrisca a mergulhar no seu mais tenebroso inverno, Jo Cox é assassinada e poderá, a sua morte, desequilibrar os números que nos chegam praticamente nas vésperas da decisão dos súbditos de Sua Majestade e que dão a vitória ao designado 'Brexit'.

    Os cidadãos britânicos têm sofrido todo o tipo de chantagem emocional, desde Angela Merkel passando por Barack Obama.  O eurocepticismo britânico não é uma novidade. Charles de Gaulle rejeitou por duas vezes a adesão do Reino Unido à UE (então CEE), conhecendo de antemão as desconfianças dos britânicos face à Europa continental, só tendo sido esta possível após a sua morte, em 1970. A CEE surgiu de uma ideia francesa e alemã de procurar encontrar a paz na Europa, aliada à prosperidade, evitando-se um novo conflito e refreando-se o espírito belicoso alemão e um possível sentimento de revolta. O Reino Unido, pela sua posição geográfica que proporcionou pelos séculos uma política de diferenciação, não encontrou acolhimento nos ideais dos pais fundadores das comunidades europeias.

   Após a adesão, a relação entre o Reino Unido e as instâncias europeias tem sido atravessada por momentos de tensão. À cláusula de exclusão à moeda única europeia, os britânicos a custo se adaptaram às mudanças impostas por Bruxelas. Ratificaram a Carta de Direitos Fundamentais da UE, embora mantenham, por força de um protocolo adicional, excepções à aplicação dos preceitos enunciados na Carta. Também a criação de um Supremo Tribunal foi polémica, uma vez que as competências deste último eram da responsabilidade da Câmara dos Lordes, ou seja, de uma das câmaras do Parlamento britânico, o que melindrava a tradicional separação de poderes da Europa continental, de formulação francesa. Não se pense, contudo, que a tradição britânica enfraquecia a mais velha democracia do mundo.

    A União Europeia colhe os frutos de uma política neoliberal que esqueceu por completo os princípios nos quais se funda a sua legitimidade. Transformou-se, de bloco de solidariedade, em bloco de supremacia de uns Estados-membros sobre outros, o que não deixa de ser natural e até expectável tratando-se de realidades tão distintas do ponto de vista económico, social, cultural, demográfico e geográfico. Potências como o Reino Unido, com uma longa história de pioneirismo e de presença na primeira fileira dos centros decisórios, não pretendem submeter-se aos ditames emanados de Berlim, sobretudo, com Bruxelas como testa de ferro. O nacionalismo completa um trabalho que tão-pouco é árduo.

    Cameron muniu-se do referendo para combater problemas internos. Seja qual for a decisão, o futuro da União Europeia está ameaçado se não houver uma reflexão profundíssima e honesta quanto ao seu futuro. Para o Reino Unido, uma eventual desvinculação acarretará uma diminuição do seu mercado-alvo. Há dias, li uma entrevista na qual os gibraltinos demonstravam uma profunda apreensão caso o Reino Unido se decida pelo 'Brexit'. Terá consequências para a economia britânica. Acredito, ainda assim, que o Reino Unido consiga ultrapassar as adversidades que se lhe coloquem diante. Falamos de um país com enormes potencialidades e com um passado que o liga a todos os continentes da Terra. E temos sempre o exemplo de países que optaram por não se juntar ao espaço comunitário, como a Noruega.

    Independentemente do veredicto popular, a UE passou por processos semelhantes ao longo da sua existência, do qual é testemunha o primeiro referendo britânico fracassado à permanência, em 1975, e já enfrentou, inclusive, a saída de uma região autónoma, que não é um Estado-soberano, é verdade: a Gronelândia, em 1985, nação constituinte do Reino da Dinamarca. As suas fragilidades, todavia, nunca estiveram tão em evidência como nos últimos anos. E provavelmente abrir-se-á um grave precedente.

13 de junho de 2016

A vitória do ódio.


   Nos contos de fadas da nossa infância, o mal não singra e o bem acaba por vingar. São tentativas frustradas de nos convencer de que habitamos num mundo justo e bom. À medida em que crescemos, vamos encarando essas investidas com um olhar complacente, em igual proporção às injustiças de que vamos tomando conhecimento. Não, o mundo não é um local para brincadeiras. Aqui sofre-se, chora-se, clama-se por um deus que não nos ouve. Curioso verificar que choramos à nascença, suscitando o interesse da nossa progenitora, é certo, numa reacção que nos acompanhará pela vida.

   Os maus não sofrem qualquer castigo. Às vezes, escapam; ou não será na maioria das vezes? Somos compelidos a confiar, uma vez mais, na balança da dita divindade que vela pelo nosso bem-estar e julga as condutas que se desviam do bom caminho. Quando, por fim, somos confrontados com a inevitabilidade da nossa solidão, numa selva regulada por leis, desesperamos. Nascemos, vivemos e morremos sós, sem auxílio possível, provendo à nossa subsistência, lutando pela sobrevivência.

   Centenas de filósofos, de teólogos, de homens da ciência e de simples leigos tentaram, pelos tempos, explicar algo aparentemente tão simples: por que sofremos? É uma fatalidade ou um fruto da nossa irresistível tendência egoísta? Não apenas amarguramos como promovemos a dor pelos que nos rodeiam. Somos, em suma, seres amorais, que se auto-censuram. Carecemos de refrear os nossos mais pérfidos instintos. Quando esse exercício não é conseguido, extravasamos o que de pior reside no nosso inconsciente, praticando actos indignos de uma espécie que se considera racional e ponderada.

    Está criado o momento para nos lastimarmos. Condenamos os monstros que alimentámos com a nossa fome de domínio. É essa a história da humanidade. Um dicionário de uma única palavra, uma enciclopédia de um mesmo fito.

     Aceito que lhe chamem visão terrífica. É aquela em que sou compulsivamente forçado a acreditar.

8 de junho de 2016

Moments.


   Não no dia 3, como o esperado, mas no domingo, fui à Feira do Livro de Lisboa. Como referi aquando da minha última publicação, tenho por hábito reservar um dia para percorrer as barraquinhas da feira. Para além das compras propriamente ditas, é um passeio agradável. A zona da cidade é uma das minhas predilectas. Recordo-me de descer a Avenida (da Liberdade) com o pai, aguardando pela mãe nos Restauradores. Tornaríamos a subi-la, para assentarmos, por fim, num restaurante muito simpático, de comida chinesa, hoje transformado em cadeia de fast food internacional.

    Escolhi um mau dia, nem tanto por distracção. Precisava sair, caminhar um pouco. O ruído das pessoas não me incomoda, ou melhor, nem sempre. Estar no meio de uma multidão conforta-me, como se fosse, que o sou, mais um entre muitos. Tem as suas desvantagens, entre as quais não poder pesquisar com tempo e paciência. Estaria, sem exagero, mais de um milhar de cidadãos nas "ruas" improvisadas. A Feira tornou-se um verdadeiro pólo dinamizador da cidade: além dos livros, há espaços interactivos, de actividades lúdicas e até sectores direccionados à alimentação. Nada foi esquecido.

    Dada a confusão, não trouxe tantos livros quantos gostaria. Devo dizer que as minhas compras, sejam elas quais forem, são ponderadas. Procuro dar prioridade à razão face à emoção. E a compra que se seguiria justificava, também ela, algum cuidado nos excessos. Nesse sentido, trouxe apenas dois livros: um de Ortega y Gasset e uma biografia de Mouzinho da Silveira. Uma vez que o meu Surface já pedia a substituição, dei uma passagem fugaz no ECI e adquiri outro. Este Surface conjuga o melhor de um tablet e ainda faz as vezes de um PC. Foi dispendioso, sim, talvez demasiado para o que é. Será um ponto desfavorável à Microsoft, mas não sou grande amigo da Apple. Gosto da apresentação e das funcionalidades do Windows, e a minha máquina já traz o 10.

  Aproximamo-nos a passos largos da silly season. Os temas tornar-se-ão mais leves, salpicados pontualmente com alguma actualidade que exigirá maior atenção. Esta publicação não deixa de ser um prenúncio do que aí virá, conquanto pretenda dar a cobertura necessária ao Campeonato da Europa de 2016, cuja primeira partida realizar-se-á na sexta-feira. Todos com a selecção, claro, sem fanatismos.

2 de junho de 2016

Madness.


     Há algum tempo que nada escrevo sobre o meu estado de espírito. Paulatinamente, comecei a evitá-lo, a ponto de raramente dedicar umas linhas a aspectos pessoais. Deixei de me sentir confortável. Parece que me perscrutam a alma. Ainda que tenha sempre mantido um saudável discernimento acerca daquilo que se compagina com um blogue que não pretende ser um diário, nem sempre devemos desabafar as nossas dores publicamente. Saber manter o recato é uma virtude.

     Ando bastante instável. Uma viagem marcada, por um contratempo, acabou por não se concretizar, o que veio agudizar um quadro de disforia que tem assumido contornos preocupantes. 
     Outros, entretanto, seguiram ao seu destino. Fiquei inundado de cólera, em proporções que me têm sido imensamente prejudiciais. A situação não vem de ontem, mas de anteontem. Tenho negligenciado indícios que me parecem cada vez mais claros, e que me levaram, nesse sentido, a tomar uma decisão.

     A mãe, o pai e a avó estão preocupados. Eu próprio. Já verifiquei que aguardar por uma acalmia, que não chega, tão-pouco é resposta. Daí que tenha dado um passo em diante, que certamente surtirá os seus efeitos.

   Amanhã, para distrair um pouco, tenciono ir à Feira do Livro, um ritual anual. Provavelmente procurarei por algumas obras que me esclareçam quanto à mente humana e aos seus ainda insondáveis mistérios. Quando atentamos no passado recente e verificamos que há meras décadas se praticava a inominável lobotomia - curiosamente, técnica desenvolvida por um português - percebemos o quão distantes estamos no que concerne à compreensão do nosso intelecto e das patologias que o afligem. Somos uma caixa de surpresas, boas e más. Pegando nas palavras que, segundo a avó, um médico lhe fez chegar nos idos anos quarenta, «teria tudo para ser feliz, pudesse trocar o seu cérebro por outro».