26 de agosto de 2025

Os alfaiates da democracia.


   Em Lisboa, o Palácio Ratton não costura vestidos, mas corta leis. Com tesoura invisível e linha jurídica, os senhores da toga ajustam a bainha da República. E, tal como um alfaiate que decide que o cliente fica melhor sem mangas, podem devolver ao Parlamento uma lei cuidadosamente cosida… agora reduzida a trapos.

   Nos Estados Unidos, este ofício é velho. Lá, nove alfaiates supremos, vitalícios e bem pagos, reparam há muito tempo que a Constituição é um tecido elástico: estica quando convém, encolhe quando muda o vento. Um dia cabe um direito ao aborto; noutro, já não. É a magia da interpretação, essa arte discreta de mudar o mundo sem sujar as mãos de votos.

   Portugal sempre teve menos paciência para estas alfaiatarias. Mas o veto à lei dos estrangeiros mostrou que também por cá se faz alta-costura política. A maioria parlamentar quis alargar a roupa da cidadania; os juízes apertaram-na. Tecnicamente, a peça tinha defeito. Politicamente, foi um ajuste que alterou o modelo inteiro.

   Chamam a isto judicialização da política; quando a passadeira do poder passa pela sala de audiências. É um desfile peculiar: os deputados são modelos de ocasião, desfilam com as suas leis novas, e no fim os juízes decidem se o corte está dentro das tendências constitucionais.

   A democracia veste-se de preto e jura que é apenas guarda-roupa. Mas quando os alfaiates começam a ditar a moda, é caso para perguntar: quem manda, afinal? O povo que escolhe os tecidos ou os juízes que decidem se a saia é demasiado curta?


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