7 de maio de 2022

Serás sempre.


   Serás sempre a pessoa que mais me amou, que mais se sacrificou por mim. Que tudo fez para que nada me faltasse.

   Durante muito tempo, pela imaturidade, julguei as tuas decisões por não me ver capaz de as entender. A passagem dos anos, que traz a velhice, a doença, a morte, traz-nos também a experiência, e hoje vejo-me capaz de entender que não tinhas outro caminho senão aquele. Tomaste decisões erradas, como todos, e eu perdi demasiado tempo a condenar-te, a culpar-te, inclusive por situações que não eram directamente responsabilidade tua. Fi-lo por fraqueza. Responsabilizei-te por não ser capaz, e com isto perdemos momentos que poderíamos ter desfrutado adequadamente.

   Amei-te e amo-te mais do que a mim, e os erros que cometi, que cometeste, cedem perante o amor que te tenho, que me tinhas. E por isso não há lugar para o remorso. Sofro pela tua ausência -será uma dor que me acompanhará sempre-, porém, a certeza inquestionável e acima de qualquer dúvida do meu afecto por ti leva a que nenhum remorso me atormente. Lamento somente os tais momentos que poderiam ter sido melhor aproveitados.

   Disse-to, quando ainda estavas em condições de o entender, que te amava. Pedi-te perdão por qualquer erro. Sei que o sabias, tenho absoluta certeza, e isso tranquiliza-me. Nunca duvidaste do que sentia por ti. Também me dá alento saber que haverias de querer que seguisse, e que mo dirias se pudesses. Continua. Sê feliz. Tens quem te ame e te cuide. Os trinta e poucos anos que tivemos juntos foram vividos intensamente, de tal forma que, para cada situação com que me depare, sei exactamente o que me dirias, o que me aconselharias, e as decisões que tomo, tomo-as tendo em conta a tua opinião, que conheço, e o que quererias. Todas. Até as aparentemente mais polémicas. Tu e eu sabemos o que mais ninguém sabe. Uma parte já partilhada com o M., no entanto, suficientemente polida para que o compreenda e aceite melhor.

    Inevitavelmente, tal abalo fez-me mossa. Caiu sobre mim como um terramoto. Agradeço, ainda assim, a sorte que tive, que tenho, entre o desaire, o medo maior. Terei um porvir difícil, se sobreviver, e não te peço forças nem que olhes por mim porque aquilo em que acredito me impede de te imaginar por aí, vendo-me e ouvindo-me, acompanhando-me. Mas sei que, um dia, também sobre mim cairá esse véu da não-existência que afastará o conhecimento da tua perda, a dor pungente que se abate sobre mim a cada instante. Nada dura para sempre. Nem a dor.

    O apego à vida, que nunca foi muito, diminuiu, porque foste, serás sempre, um dos motores que me fazia prosseguir, insistir. Pode ser que consiga obter essa força, que nunca encontrei em mim, noutras paragens; porventura em ti, doutro modo. 

     Há que seguir, dizem eles. E seguirei, enquanto me fizer sentido.

8 comentários:

  1. Lamento imenso e apenas te posso deixar um abraço com amizade e que tenhas muita força. Acredito que a tua mãe queria que seguisses com a tua vida e fosses/sejas muito feliz
    Abraço com amizade

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado, Francisco.

      Vejo que, tal como eu, não és rancoroso. Agradeço-te muito as palavras de conforto. És um bom rapaz.

      Um abraço.

      Mark

      (pelo telemóvel, que é desde onde respondo, não consigo aceder aos comentários com a minha conta, mas sou eu)

      Eliminar
  2. Mark, não te conheço pessoalmente, mas acompanho o teu blog há uns anos. Nunca comentei - não sei bem porque motivo -, mas sempre gostei de ler o que escreves. Principalmente a forma. Diferente. Contudo, não posso deixar de comentar tamanha perda e dor. Espero que tenhas a força necessária para continuar a viver e a ser feliz, por ti, pelos que gostam de ti e pela tua Mãe. Se sabes o que lhe ia na mente e no coração, certamente saberás que é isso que quer para ti. Desejo-te muita força para esta fase diferente da tua vida.
    Sara

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Olá, Sara.

      Continuo com o mesmo problema. Não me entram os comentários com a minha conta.

      Obrigado pelas palavras. Penso nisso frequentemente. Na vontade da minha mãe. Ela não haveria de me querer ver a chorar (tenho chorado muito pouco, curiosamente, ou talvez nem tanto), e ainda menos a sofrer. Disse-mo, inclusive, ao telefone, já internada.

      Mark

      Eliminar