28 de agosto de 2019

Variações.


   Variações é mais um dos inúmeros filmes recentes da cinematografia portuguesa que nos podem orgulhar. É um filme tão bom, tão bem conseguido, que poderia figurar nas salas de cinema de qualquer país do mundo. É isso que me apetece dizer às pessoas, sejam lá de onde forem: se puderem, assistam ao Variações. Aprendemos, finalmente, a fazer filmes sem aborrecer as pessoas com voltas e voltinhas que, por mais que nos digam que pertencem a um determinado estilo culto, não têm potencial de encher salas de cinema e ainda menos de nos projectar lá fora.

   João Maia conseguiu fazer um filme sobre António Variações, o que já pecava por tardio, sem politizar a imagem do icónico intérprete, termo que lhe faz mais jus do que o de cantor, afinal, António Variações era também compositor, e um compositor de excelência, que sem qualquer formação musical criava magia através de um simples gravador, aproveitando o eco que a sua casa de banho lhe proporcionava e sempre inspirado na diva Amália. Acredito que tenha sido tentador banalizar Variações, a sua vida e carreira com uma atenção desmesurada na faceta pessoal do artista. O filme contorna-a. Bom, não é possível falar-se de Variações sem aludir à sua sexualidade. Foi um ex-amante seu, ou ex-namorado, Fernando Ataíde, que lhe estendeu a mão e lhe permitiu inaugurar a impactante discoteca Trumps logo na primeira noite. António apresentou temas rejeitados pela Valentim de Carvalho, que evidentemente fizeram furor, ficando logo no ouvido e nos lábios de todos os presentes naquela madrugada de 1981.




   Não se pense que o seu percurso foi fácil. Luís Vitta, da Rádio Renascença, falecido em 2015, foi um dos mais acreditaram no seu potencial. Um homem como António Variações dificilmente obteria a confiança de qualquer editora, acostumadas que estavam a outro tipo de sonoridade. Portugal saíra poucos anos antes do Estado Novo. A falta de formação musical fazia com que António fugisse ao tempo das canções. Era complicado para os restantes músicos, e António cantou em bandas, acompanhá-lo. As canções viviam dentro de si. Ele era a prova viva de que a música nasce com as pessoas. O talento não se compra nem se ensina: ou se tem ou não se tem. Mais importante do que conhecer os homens com quem António Variações se deitou, João Maia trouxe-nos o artista e a sua saga para vingar numa indústria corporativista e antiquada.

   A interpretação de Sérgio Praia é inenarrável. Há factores que ninguém controla, como as semelhanças físicas entre Variações e o actor. E é um factor que ajuda a que, inconscientemente, acreditemos na história que nos está a ser narrada. Pesa mais do que possamos à partida pensar. Depois, claro, vem a qualidade da interpretação, da caracterização, dos cenários, enfim, do contexto em que todas as personagens são inseridas. Houve esmero e brio. Sérgio Praia arrebatou o direito a vestir a pele de Variações. Passou, com nota francamente positiva, no teste de nos trazer, trinta e tal anos depois da sua morte, o homem que escandalizava a moralista sociedade portuguesa com os seus brincos exóticos e roupagens andróginas, que oscilava entre a moralidade e a religiosidade de Amares e a excentricidade de uma Amesterdão que o modificou para sempre. Este filme vem fazer justiça ao homem, ao artista, que - diz quem conheceu - era de uma simplicidade e timidez únicas. Fazia falta falar-se de Variações no grande ecrã.

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Seria óptimo se o filme chegasse às salas de cinema brasileiras, quando mais não fosse no cinema independente.

      Um beijinho.

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