27 de agosto de 2019

Chernobyl.


   De volta a Lisboa. Antes de ter partido para férias, andei a acompanhar uma série no canal de streaming HBO, que subscrevera dias antes. Chernobyl. Devem ter ouvido falar. Pois então, é uma mini-série de cinco episódios que relata os trágicos acontecimentos do dia 26 de Abril de 1986 na central nuclear de Chernobyl, naquele que ficou conhecido como o pior acidente nuclear da História. A zona de exclusão, que hoje ascende a várias centenas de quilómetros, segundo os especialistas, só será habitável dentro de 900 anos, quando a radioactividade permitir a ocupação humana. No seguimento do desastre, morreram dezenas de pessoas expostas a níveis elevadíssimos de radiação, sucumbindo à síndrome aguda. Pelos anos, vários milhares pereceram de cancro devido à acção prolongada e letal de doses de radiação no organismo. Milhares de crianças nasceram com malformações. Mais tarde, veio-se a descobrir que o acidente se deu por erro humano, numa conjugação de falhas na segurança dos reactores com testes mal efectuados.

   Deixam-nos com vontade de a devorar num serão. A caracterização está excelente. Vemos os terríveis efeitos da radiação no corpo humano, o sofrimento daqueles homens, não só dos trabalhadores da central como também dos bombeiros que acudiram ao incêndio que se seguiu à explosão. Provavelmente, nem eles teriam noção do perigo a que se expunham, tal o voluntarismo em fazer cessar tudo aquilo, todo aquele cenário dantesco. A radioactividade produzia um halo luminoso no céu de Pripyat. Uma matéria incolor e inodora é tão destruidora.




   Embora o foco incida sobre o acidente, os trabalhadores e os funcionários soviéticos e os quadros do regime, nas suas horas, dias e meses seguintes, há um núcleo amoroso, numa tentativa de humanizar a tragédia. O que ela representou para as pessoas comuns, que lidaram, num momento inicial, até às evacuações, com absoluta naturalidade. A radiação não era perceptível. Há uma cena na qual vários habitantes se juntam para assistir aos vapores emanados pela central engolida nas labaredas e aos halos luminosos desde uma pequena ponte, ponte essa que ficaria conhecida por ponte da morte. Nenhum sobreviveu.

   A sonorização complementa um quadro de horror. Os medidores de radiação produzem um zunido que nos faz sentir isolados no meio de um veneno que não se sente. O mérito da série é exactamente esse: a recriação, o mais fidedigna possível, do que terá sido Chernobyl para os seus intervenientes. É uma quase ficção científica sem o ser. Aconteceu realmente, ainda que nos pareça ter sido impossível. A luta contra um inimigo que não se vê e nem se cheira, e que previamente já levou a melhor.

  A URSS começou por negar o acidente. Mais tarde, assumi-lo-ia. Há historiadores que aventam Chernobyl como um dos factores que levaram ao colapso do estado soviético, em finais de 1991. Chernobyl, e Chernobyl, em itálico, revelaram ao mundo fragilidades de uma superpotência que já não o era tanto, que se esforçava ingloriamente para competir com os americanos. Que dispunha de material ultrapassado e inoperante. Entre personagens reais e algumas fictícias, e a fronteira entre a ficção e a realidade não é clara, o HBO tem, aqui, uma grande aposta, que certamente reúne as condições para atrair novos subscritores. A mim, foi precisamente Chernobyl que me levou a aderir. Veremos se as séries seguintes lograrão fazer-me ficar.

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