16 de agosto de 2019

O Impiedoso País das Maravilhas e o Fim do Mundo.


   Inauguro, aqui no blogue, a primeira crítica literária. É a primeira vez, julgo eu, que me debruço sobre um livro. A minha relação com os livros é caricata. Adoro ler. Nem sempre tenho paciência para tal. Antes de entrar na faculdade, lia imenso. Depois, perdi a vontade. Fui esmorecendo. Voltei em força com este O Impiedoso País das Maravilhas e o Fim do Mundo, de Haruki Murakami. É, também, o meu primeiro livro deste autor.

  Andei meses para o terminar. Pelo meio meteu-se a faculdade, e lá o deixava de novo na prateleira, à minha espera, e esperou muito.

   A obra é de 1985, e arrecadou o equivalente japonês ao nosso Prémio Camões, o Tanizaki. Através de uma linguagem simples, ligeira, Murakami vai-nos relatando cenas do quotidiano, triviais, como viagens curtas de carro, ao som de Bob Dylan, ou molhos de tomate na cozinha. O livro tem poucas personagens que intervêm decisivamente. Está dividido em dois núcleos. As duas principais de cada núcleo parecem estar sempre no limite da esperança e da apatia. Deixam-se levar no embalo das consequências das decisões que vêm tomando. Há um pesar, latente, lamentos constantes do que ficou para trás ou eventualmente por viver. 

   Murakami foi bastante descritivo. As descrições tomam-lhe tempo. Não se esgota nelas, contudo. Temos de atender ao ano em que foi escrito - 1985. O autor levanta questões éticas e sociais. Naquele tempo, a ficção científica ocupava-nos o imaginário. Estavam a começar os loucos anos da era tecnológica, que tantas coisas boas (e más) nos trouxeram. Como em Tóquio, numa enorme metrópole, um jovem adulto, praticamente abandonado e sem família, se sujeita a experiências científicas. Por baixo dos pés de milhões de seres humanos, havia um submundo subterrâneo que se movimentava na penumbra e que só esperava pelo momento oportuno para atacar.

   Fiquei com imensa pena da Sombra. Acompanhei o seu definhamento com tristeza, o que me compelia a querer avançar. No fundo, o seu enfraquecimento estava directamente ligado ao desligamento deste mundo, ao desprender.

  Murakami é o mestre da alegoria. Discorre sobre as tragédias do tempo contemporâneo. Eu diria que Murakami é um escritor dos aforismos, das metáforas. E da solidão. E do desalento. E do fatalismo.

   « A verdade é que o meu corpo existe, pensei, tratando de me convencer a mim próprio. Se tivesse desaparecido, deixando para trás apenas a alma, de certeza que me sentiria melhor. Porque se a alma tivesse de suportar eternamente feridas na barriga, úlceras gástricas e hemorroidas, onde diabo estaria a salvação? E se a alma não se separasse do corpo, onde diabo encontraria a sua razão de existir? » p. 298

2 comentários:

  1. Saiba que tu és muito bom em tudo o que fazes. Parabéns ...

    Beijão

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    1. Oh meu amigo, muito obrigado pelas palavras. Que doce!

      Beijinho.

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