10 de novembro de 2018

The Wife.


   Estava com expectativas razoavelmente elevadas com este The Wife, sobretudo pelos elogios velados que a crítica tem prestado ao desempenho de Glenn Close. Devo dizer que as corroboro: a actriz, uma vez mais, para não destoar, tem aqui um desempenho inenarrável. 

   Neste filme, o argumento, as interpretações, os figurinos e a fotografia concorrem para o tornar num produto de valor, desde logo porque nos leva a reflectir sobre os limites do amor, ou, melhor dizendo, sobre as diferentes formas de amar. Amar implicará anularmo-nos, prescindirmos de quem somos pelo outro ou para fazer com que determinada fórmula familiar resulte? É disso que se trata. De uma mulher, intelectualmente dotada e criativa, que alimenta, com o seu engenho literário, um casamento que, a páginas tantas, não entendemos se feito de amor ou de interesse. Talvez uma mistura de ambos. Joe Castleman, o afamado escritor, vencedor do Prémio Nobel, realmente tece elogios insistentes à mulher, quem sabe por se sentir em dívida, mas trai-a descaradamente, sem pudor algum, chegando ao limite de brincar com isso. E ela, condescendente, aceita-o. É talvez das poucas - a única! - crítica que posso apontar ao argumento: nunca chegamos a saber o porquê de Joan, a mulher, consentir com tamanho abuso, abuso duplo: as infidelidades e a apropriação da sua arte, do seu intelecto, das suas ideias. Medo de não ser aceite num mundo de homens - ao longo do filme, vamos conhecendo a estória do casal Castleman desde que se conheceu, com outros actores, claro, que encarnam Joan e Joe em novos, pelos anos 50 ou 60 - ou simplesmente por não conseguir viver sem aquele homem, por depender emocionalmente dele.


   Também seria leviano descartar-se a ideia de que aquele casal seja um corpo de duas cabeças (lembram-me, por ora, um célebre casal da nossa praça, em que uma dá o nome e o outro é que escreve): Joan escreve sobre a vida de ambos, sobre os episódios de traição. Ele inspira-a e ela escreve. Eram quase como uma dupla. O que sentimos, pelo menos eu senti, é uma imperiosa necessidade de que tudo se descubra: acreditei que o filho denunciaria a situação, ou o pretenso biógrafo, ou eventualmente a própria Joan, em meio da cerimónia em Estocolmo. Nada se vem a concretizar, como viram, ou como verão, depende de quem lê.

  Close, uma vez mais, tem um desempenho arrebatador. Tanta veracidade. A forma como se impõe, a subtileza em determinados olhares, gestos. Um mimo. Daquelas actrizes que nunca desiludem nem deixam qualquer realizador ficar mal, tipo Meryl Streep. Foi bem acompanhada por Jonathan Pryce, que esteve à sua altura, e por Max Irons, o giríssimo filho problemático, actor que não conhecia.

  Se Joan não ganhou o Nobel da Literatura, que Glenn Close ganhe, de uma vez por todas, o Óscar de Melhor Actriz. Já é tempo de a Academia reconhecer, com a estatueta, o valor desta mulher.

8 comentários:

  1. Também gostei muito desse filme :)

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  2. Não vi o filme e mesmo sem ver a Glenn Close mercerá o oscar, mais que nao seja pela carreira.
    Mas parece-me que irá para a Lady Gaga, o que também acharei justo se acontecer :)

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    1. Sim, têm ambas boas interpretações. A Glenn merece-o mais. :)

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  3. Faz-me lembrar a dupla Margaret Keane e Walter Keane, que, nos anos 50/60, se tornaram famosos nos Estados Unidos pelos quadros de mulheres e crianças com olhos enormes, da autoria da mulher, mas cujos louros eram colhidos pelo marido, o qual nunca conseguiu pintar o que quer que fosse digno de nota.
    Ficaram famosos e ricos, no entanto, neste caso, divorciaram-se e a mulher acabou por levar o marido a tribunal por apropriação indevida de propriedade inteletual (creio que foi esta a acusação, mas o Mark, estando mais familiarizado com este jargão legal, conhecerá o termo técnico mais apropriado), tendo ganho o caso.
    Nesta situação a justiça foi servida.
    No caso do filme, como em muitos outros casos, as coisas são mais complicadas. Qual a razão? Qualquer as que apontou ou talvez ... por pura inércia; tenho dificuldade em perceber o que poderá levar uma pessoa a deixar-se suplantar por outra, sabendo que está a ser cometida uma injustiça, e ainda por cima por alguém que nem sequer tem a necessária estatura inteletual.

    Qualquer filme com Glenn Close, é sinónimo de sucesso.
    Nunca esquecerei, e revejo-o de vez em quando, as "Ligações Perigosas", dela com Malkovich. Simplesmente fabuloso. Já vi outras versões, mas nada que suplante.
    Melhor só o original de Pierre Choderlos de Laclos, que adoro.

    Impagável no seu desempenho como Cruella de Vil ...

    Gostei dela igualmente no "Lion in Winter", produzido para televisão, e um remake (2003) do célebre original de Anthony Harvey, de 1968, onde brilhava a célebre Katharine Hepburn, como Leonor de Aquitânia, e Peter O'Toole como Henrique II de Inglaterra.
    Glenn Close interpreta novamente Leonor de Aquitânea, uma das mais poderosas e ricas mulheres do séc. XII, que foi inicialmente rainha consorte de França (mulher de Luís VII), e depois de Inglaterra, tendo desposado Henrique II.
    Mulher forte, que participou na génese da segunda cruzada como uma das suas líderes, tendo viajado até à Palestina, distinguiu-se como uma mulher dominadora e forte, infatigável viajante, com uma vida cheia de ação e drama, chegou a ser aprisionada pelo marido durante 16 anos, e foi considerada como uma boa regente das suas terras, que eram imensas.
    O filme de 1968 é uma obra de arte de representação.
    Glenn Close teve esta dificuldade ... preencher o lugar de Hepburn! Não lhe foi fácil.

    Terei de ver este filme, creio que valerá a pena.
    Uma boa semana
    Manel

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    1. Olá, caro Manel.

      Sim, sim. Aliás, esse caso deu origem a um filme, que também vi. Esqueci-me do nome. Lembrei-me dessa história, precisamente, só que me esqueci de a referir no post.

      Também me custa a compreender, e a aceitar. Jamais deixaria que se apropriassem do meu labor intelectual, das minhas ideias. A diferença face ao casal dos quadros de olhos enormes é que, neste, o tipo não é tão ardiloso, astuto. Ele, efectivamente, desfaz-se em agradecimentos à mulher, ou seja, parece que aquilo até lhe custa, e diga-se de passagem que a ideia foi dela. A ideia inicial foi dela, pontual, claro, que depois foi ganhando carácter de quase obrigatoriedade. Também me esqueci de o referir na publicação.

      Obrigado pelos filmes da Glenn que mencionou, e que não conheço. Terei de os ver. O Manel dá-me sempre a conhecer coisas novas. :)

      Uma excelente semana.
      Cumprimentos.

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